27 de ago. de 2012

"Paris em chamas", por Antônio Ribeiro

FRANÇA - OPINIÃO
Paris em chamas
“Paris está para as temperaturas elevadas assim como o Rio de Janeiro para o frio. O despreparo é total.”

Foto: Veja/Abril

Postado por Toinho de Passira
Texto de Antonio Ribeiro
Fonte: Blog de Paris

Durante caminhada à beira do Sena sob um calor de 35 graus Celsius cuja sensação térmica, fato amplamente comprovado pelos nativos da capital da França, é de 40 graus, Rodrigo Bonaldo, estudante gaúcho de mestrado em história, saiu-se com essa: “Acho que vou fazer como o Julian Assange, mas por razão diferente”. E emendou diante a surpresa dos ouvintes: “Vou pedir asilo em uma embaixada equipada com ar-condicionado”, explicou. Pobre “capitão” Rodrigo, “com o Grêmio onde o Grêmio estiver”, mas vai ser difícil achar o refúgio neste “continente” ou melhor, nesta Santa Fé.

Paris está para as temperaturas elevadas assim como o Rio de Janeiro para o frio. O despreparo é total. Isso porque o fenômeno anual que os franceses chamam de “canícula” – de pouco uso, mas faz parte do nosso vernáculo português – dura poucos dias. Porém, como se sabe, não é o período de tempo que torna os fatos inesquecíveis. Um acidente grave pode durar apenas uma fração de segundos. Os desempenhos memoráveis de Usain Bolt nos 100 metros rasos levaram menos de 10 segundos. A questão tem relação com a intensidade. Os 40 graus em Paris lembram 4 negativos à beira da Baía da Guanabara.

Os parisienses não esquecem a canícula de agosto de 2003. Ela matou 15.000 pessoas, em sua maioria de idosos com mais de 75 anos de idade. Até o índice de expectativa de vida recuou na França, um pais de 65,4 milhões de habitantes. Contudo, não foi a maior tragédia do Velho Continente naquele ano. Em 2005, o Instituto Nacional de Estatística da Itália, o IBGE deles, revisou seus dados. Constatou que houve 20.000 mortes no pais diretamente relacionadas com a onda de calor.

O calor chega com agravantes. Agosto é mês de férias. Médicos, enfermeiras e funcionários dos hospitais deixam Paris, fazendo coincidir seu repouso anual com as folgas escolares dos filhos. Os parisiense viajam deixando os parentes mais velhos para trás. Por vezes, devido a questões emocionais. Outras, simplesmente, por dificuldades financeiras. Pode haver ainda uma razão adicional em alguns casos: a terceira idade francesa, por tradição e sabedoria, prefere tirar férias nos períodos de baixa estação, mais calmos e baratos.

Os mais velhos sentem menos sede e como consequência, embora precisem tanto de líquido quanto os mais jovens, se hidratam menos. Existe também uma inabilidade típica do Hemisfério Norte de lidar com o calor. Semelhante a que espanta os brasileiros ao observarem turistas europeus, vermelhos como camarões, nas praias de Pindorama. No calor, eles fecham as janelas das moradias, imaginando que a medida ajuda o ambiente a ficar mais fresquinho. Em 2003, muitos foram encontrados mortos sentados no sofá das salas abafadas, sem ventilação mínima.

De lá para cá, o governo da França, onde 30 departamentos estão em “Alerta Laranja”, tomou medidas preventivas e encetou campanhas de conscientização da população. Para nós, tropicais, se elas não tem ares de anedota, em uma análise menos detida, parecem um enorme desperdício de dinheiro público em um país em crise econômica aguda. Beber muita água – de 1,5 litro a 2 litros por dia – vestir-se com roupas leves, arejar os ambientes impedindo a incidência solar direta, procurar as sombras, comer frutas e saladas. Enfim, tudo o que aprendemos desde a tenra idade e fazemos instintivamente quando chega a fase mais intensa do nosso permanente verão.

Este ano, a previsão meteorológica sustenta que a fase mais dura ficou para trás. A tendência agora é de queda na temperatura. Não se registrou mortalidade acima da média. Salvo uma também inesquecível. Ao menos para mim que completei 21 anos de Paris no fatídico e canicular 16 de agosto de 2012. Perdi um grande companheiro, uma espécie de animal de estimação. Meu computador Apple – trabalhava esquentando muito a cabeça – uma torre Macintosh G5, sucumbiu depois de enfrentar sete verões com leais serviços prestados. Morreu ou como dizem aqui, “entregou a alma”, vazando o líquido do sistema de refrigeração que ocupava quase metade do seu corpo. Foi-se deste mundo dormindo e com as janelas abertas.

Foto: Thomas Samson/ AFP/L'Express


*Acrescentamos subtítulo e foto publicação original

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