OPINIÃO: Não tem nada de mais
29/08/2011
OPINIÃO Não tem nada de mais Os políticos escondem-se por trás de um manto de fatos dúbios, aparentemente legais, mais indiscutivelmente amorais.
Foto: Wilson Dias/ABr Carlos Alberto Sardenberg O título acima inaugura uma série que é, na origem, patrocinada pelos políticos, especialmente pelos governantes que, apanhados em situações no mínimo embaraçosas, saem com esta: qual o problema? Não tem nada de mais. Reparem no caso da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que levou uma boa indenização ao ser demitida da Itaipu Binacional, em março de 2006. Parece uma história simples, mas convém reparar um pouco mais. Gleisi Hoffmann foi nomeada diretora financeira da Itaipu no início do governo Lula, em 2003, por indicação obviamente política. Não se está discutindo sua competência, mas está claro que a empresa, uma estatal, não a selecionou como grandes companhias privadas selecionam seus principais executivos (com agências especializadas em recursos humanos, entrevistas, discussão no conselho e na diretoria, etc.). Se ela não fosse política militante no partido do presidente da República, não teria sido recrutada para o cargo. Pela mesma razão política, Gleisi Hoffmann decidiu sair candidata a senadora em 2006, pelo que precisaria deixar a diretoria de Itaipu. O que deveria fazer? Demitir-se, certo? Errado. Ela foi demitida, para que pudesse embolsar as indenizações devidas em casos de demissão sem justa causa. Foi um acerto com o presidente da estatal, Jorge Samek, que confirmou a história em entrevista à CBN. Contou o que disse a Gleisi: "Eu vou exonerar você. Você sai, levanta teu fundo de garantia e vai, vai para tua campanha". Só com a multa de 40% do FGTS, a ministra levou pouco mais de R$ 41 mil. No mundo privado, é costume premiar com gordas indenizações os executivos que deixam suas companhias numa boa. Mas reparem: são executivos selecionados no mercado e remunerados com dinheiro privado. Já Gleisi Hoffmann estava exercendo uma função política antes de técnica e numa empresa do governo. Perguntada a respeito, a ministra mandou resposta pela assessoria de imprensa. Disse que, sim, foi "exonerada" e indenizada nos termos da lei, tudo publicado no Diário Oficial. Que quer dizer isso? Que saindo no Diário Oficial não tem nada de mais? Há uma óbvia questão política e ética: por que concordou com uma demissão arranjada? Pois está claro que ela não foi mandada embora por vontade da empresa. Ela quis sair para disputar uma eleição. Faz sentido receber uma indenização assim providenciada de uma empresa pública? Nem uma palavra. Qual é o problema?
Negromonte. O ministro das Cidades, Mário Negromonte, também trouxe preciosa contribuição à série. Conforme reportagem levantada por este jornal, na campanha para deputado federal no ano passado, ele pagou despesas de aluguel de táxi aéreo com "verba indenizatória" da Câmara dos Deputados. Perguntado, caprichou na resposta. Disse que era tudo "legal, moral e constitucional". Verba indenizatória é uma mamata que a Câmara dos Deputados inventou para aumentar indiretamente os vencimentos dos parlamentares e driblar o teto constitucional. Bem vista a coisa, é uma maracutaia. Mas precisava ter um mínimo de, digamos, decência e lógica. Assim, a verba paga despesas do parlamentar em atividades para o exercício do mandato. Ou seja, uma ação pública. Logo, não pode ser usada numa campanha eleitoral, que é uma empreitada pessoal. Ou seja, o uso da verba para pagar táxi aéreo só é legal e moral se tiver sido usada para atividade parlamentar. Negromonte diz que foi esse o caso. Mas e a circunstância, digamos assim, dessa empresa de táxi aéreo ter sido a mesma utilizada pelo deputado durante a campanha? Foi nesse momento que, perguntado, se saiu com sua versão do "qual é o problema?". E ainda ficou bravo. O ministro também enriqueceu a série com outro episódio. Acusado de patrocinar um tipo de mensalão, respondeu com outra acusação. Disse, em entrevista, que os membros do seu partido estavam numa guerra sangrenta e que muitos deles têm "ficha corrida". Quem tem ficha corrida é bandido condenado. Logo, se o ministro sabe que há esse tipo de gente no partido e no Congresso, não deveria apresentar uma denúncia formal? Nada disso. Preocupado com a repercussão da entrevista, Negromonte disse que havia tropeçado nas palavras, não na ética. E, se não estivesse tudo o.k. com ele, ele não estaria ali, na vida pública e ministro. Mas ele não havia dito que tem muita ficha corrida no seu próprio partido? Campeão. Mas o campeão da série até aqui é o senador José Sarney. Flagrado num helicóptero da Polícia Militar (PM) do Maranhão, aparelho comprado para transporte de doentes, e na companhia de um empreiteiro que tem negócios com o governo maranhense, fazendo um voo de São Luís para sua ilha particular, em fim de semana, Sarney reagiu bravo: por ser chefe de poder, tem direito à segurança e ao transporte de representação em todo o território nacional, em qualquer circunstância, mesmo a lazer. Na mesma semana passada, apareceu outra história envolvendo o senador, a questão dos supersalários, acima do teto constitucional. Parece que o chefe do poder está nesse caso. O site Congresso em Foco perguntou diretamente a ele. Sarney respondeu que não diria - "resguardado pelo direito constitucional à privacidade sobre os meus vencimentos, que tenho como qualquer cidadão brasileiro". Repararam? Para voar no helicóptero da PM é autoridade, uma pessoa não comum. Para esconder quanto ganha dos cofres públicos é cidadão qualquer. Nota: na sexta-feira, a ministra Gleisi Hoffmann entregou carta ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em que se diz disposta a devolver o dinheiro da indenização, caso o Ministério Público entenda que o pagamento foi lesivo ao erário. *Acrescentamos subtítulo, foto e legenda ao texto original |
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