16 de nov. de 2011

A era Cristinista

01/11/2011

ARGENTINA
A era Cristinista
A presidente Cristina Kirchner se reelege com vitória histórica e inaugura uma nova coalizão política na Argentina. Sem oposição já que tem maioria esmagadora no novo Congresso, ameaça alterar a constituição para possibilitar nova reeleição. Centralizadora e impulsiva, muitos chegam a vislumbrar, sua hegemonia avassaladora como um risco a democracia argentina.

Foto: Juan Mabromata/AFP/Getty Images

Cristina Kirchner, aclamada pelo povo: uma nova era na política argentina.

Luiza Villaméa
Fonte:Isto É , El Imparcial

A Conhecida como Cidade dos Ventos, por causa das correntes de ar que chegam da Antártica, Río Gallegos, a capital da província argentina de Santa Cruz, amanheceu com o ar parado na quinta-feira 27. Já no solo o movimento era inusitado para a cidade de 100 mil moradores. Acompanhada pelos filhos Máximo e Florencia, a presidente Cristina Kirchner trasladou os restos do marido morto um ano antes para o mausoléu que mandou levantar em Río Gallegos. A construção de três andares e 600 metros quadrados se destaca no cemitério de túmulos baixos e virou ponto de romaria.

Foto: Andres Arce/Reuters

O faraonico mausoleu de Néstor Kirchner, visualmente monumental por está em um cemitério de pequenas tumbas.

As homenagens na terra natal foram as primeiras de uma série feita em todo o país ao ex-presidente Néstor Kirchner, cuja morte interrompeu os planos de se alternar com Cristina no comando da Casa Rosada. Em apenas um ano, a presidente, que sucedera o marido em 2007, potencializou a herança de Kirchner e começou uma nova era na política argentina. Quatro dias antes de inaugurar o mausoléu, Cristina foi reeleita presidente com quase 54% dos votos, a maior votação já recebida por um líder político argentino depois da redemocratização do país, em 1983.

No novo mandato, que começa em 10 de dezembro, Cristina vai governar sem oposição, pois também conquistou maioria absoluta no Senado e na Câmara dos Deputados. Tamanho poder já provoca a conversão em massa dos kirchneristas, como são conhecidos os seguidores de seu marido, em cristinistas.

Também atrai outros remanescentes do peronismo, a força política criada em 1945 pelo coronel Juan Domingo Perón. O peronismo governou a Argentina em 32 dos últimos 62 anos. "Cristina tem as duas coisas necessárias para liderar os caciques peronistas: dinheiro e voto", afirma o sociólogo Ricardo Sidicaro, da Universidade de Buenos Aires.

Dona de capital político próprio, a presidente não dependeu de prefeitos e governadores para se tornar a favorita dos eleitores. Além disso, lembra o sociólogo, Cristina pode "organizar a política através de fundos que disciplinam governadores e prefeitos". Sidicaro se refere ao fato de as transferências de recursos federais não dependerem do Congresso.

Foto: Victor R. Caivano/Associated Press

Durante a campanha partidários de Cristina exibindo a foto do casal Kirchner, junto a da lendária Evita Péron

Em 2015, quando a presidente terminar o novo mandato, a era cristinista, somada à de Kirchner, vai se igualar em duração à de Perón e sua terceira mulher, Isabelita: 12 anos. A marca poderá ainda ser superada se a possibilidade de eleições sucessivas for aprovada em uma futura mudança da Constituição, como deseja parte dos aliados de Cristina.

Foto: Victor R. Caivano/AP
Com relação aos tempos de Perón, a presidente gosta mesmo é de ser comparada à Evita, a elegante e carismática primeira-dama conhecida como a "mãe dos descamisados". Vaidosa e determinada como Evita, Cristina revelou outras características depois da morte do marido. Centralizadora, participou das tomadas de decisão nas mais diversas áreas, a começar pela econômica. Enlutada, conquistou a simpatia da maioria dos argentinos, mesmo perseguindo adversários.

No discurso da vitória, Cristina pediu a união de todos os argentinos, mas ressaltou que nos próximos anos atuará para "aprofundar o modelo". Logo após assumir o segundo mandato, a presidente afastará de vez o atual vice-presidente, Julio Cobos, que há três anos votou contra o governo durante o enfrentamento com o setor agropecuário que quase paralisou o país – na Argentina, o vice também ocupa a presidência do Senado.

Hoje ministro da Economia, Amado Boudou (foto) é o vice-presidente eleito e deve continuar a ter posição de destaque entre o restrito grupo que assessora Cristina nas tomadas de decisão. "Além da lealdade, valorizo o fato de Boudou não ter medo, porque eu preciso de alguém a meu lado que não tenha medo das corporações", disse a presidente ao indicá-lo para a chapa presidencial.

Economista, o vice eleito conquistou a simpatia dos Kirchner ao idealizar a estatização dos fundos privados de pensão em 2008. No ano seguinte, Boudou não hesitou em assumir o ministério no pior momento do governo Cristina. Durante a campanha eleitoral, com o país em fase de recuperação econômica, ele fez sucesso tocando nos palcos, como ocorria nos tempos de estudante em Mar del Plata. Aos 48 anos, Boudou costuma circular em uma Harley-Davidson e tem uma coleção de 12 guitarras elétricas.

Foto: Arquivo

Máximo Kirchner, o filho mais velho de Nestor Kirchner e Cristina. Uma nova estrela Kirchner?

Outra estrela em ascensão no cristinismo é Máximo Kirchner, 34 anos, o filho mais velho da presidente. Ele é criador do La Cámpora, um grupo de jovens militantes que se espalhou de Río Gallegos para o resto do país e acaba de eleger cinco deputados. Com a base governista mais do que consolidada e um poder político inédito, daqui para a frente a presidente reeleita terá na economia um de seus maiores desafios.

O modelo argentino, baseado em um elevado nível de subsídios, permitiu o aumento do consumo interno, mas levou a um crescimento de 35% no gasto público e a uma inflação estimada em até 25%, embora o índice oficial do governo seja de 9%. Em cenário de crise mundial, a Argentina depende inclusive do desempenho da economia no Brasil, que consume 20% de suas exportações.


*Acrescentamos subtítulo, foto e legenda ao texto original

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