5 de jun. de 2009

OBAMA: "Não podemos impor a paz."

OBAMA: "Não podemos impor a paz."
Dircurso Obama no Cairo Parte II

Fonte: Estadão

Ora, isto não significa que devamos ignorar as fontes de tensão. Na realidade, sugere exatamente o oposto: Devemos encarar as tensões diretamente. E portanto, dentro deste espírito, exporei clara e simplesmente, na medida do possível, como cheguei a considerar algumas questões específicas que julgo deveremos enfrentar juntos. A primeira delas é o extremismo violento em todas as suas formas.

Em Ancara, esclareci que os EUA não estão - e nunca estarão - em guerra com o Islã. Entretanto, combateremos incansavelmente os extremistas violentos que representam uma grave ameaça à nossa segurança - porque rejeitamos a mesmo coisa que as pessoas de todos os credos rejeitam: a matança de homens, mulheres e crianças inocentes. E é meu dever fundamental de presidente proteger o povo americano.

A situação no Afeganistão demonstra os objetivos dos EUA, e nossa necessidade de trabalharmos juntos. Há mais de sete anos, os EUA perseguiram a Al-Qaeda e o Taleban com amplo apoio internacional. Não fomos para a guerra por escolha; mas por necessidade. Estou ciente de que ainda existem os que questionariam ou mesmo justificam os acontecimentos de 11 de setembro. Mas vejam: naquele dia, a Al-Qaeda matou quase 3 mil pessoas. As vítimas eram homens, mulheres e crianças inocentes, americanos e de muitas outras nacionalidades que nada fizeram para prejudicar quem quer que fosse. E no entanto, a Al-Qaeda optou por assassinar impiedosamente estas pessoas, reivindicou a autoria do ataque, e mesmo agora reafirma sua determinação a matar em grande escala. Ela tem afiliados em muito países e tenta expandir sua influência. Estas não são opiniões a serem debatidas; são fatos de que é preciso tratar.

Não se enganem: Não queremos manter nossas tropas no Afeganistão. Não cogitamos e não queremos implantar bases militares naquele país. É um terrível sofrimento para os EUA perder seus jovens. É dispendioso e politicamente difícil continuar este conflito. Gostaríamos de levar para casa cada um dos nossos soldados se pudéssemos esperar que não há extremistas violentos no Afeganistão e agora no Paquistão, determinados a matar quantos americanos for possível. Mas não é assim.

E é por isso que fazemos parte de uma parceria de 46 países. E apesar dos custos implícitos, o compromisso dos EUA não esmorecerá. Na realidade, nenhum de nós tolerará estes extremistas. Eles mataram em muitos países. Mataram pessoas de credos diferentes - mas principalmente muçulmanos. Suas ações são irreconciliáveis com os direitos dos seres humanos, com o progresso das nações, e com o Islã. O Sagrado Alcorão ensina que quando alguém mata um inocente é como se tivesse assassinado toda a humanidade. E o Alcorão diz também que quando alguém salva uma pessoa, é como se tivesse salvo toda a humanidade. A fé duradoura de mais de um bilhão de pessoas é muito maior do que o ódio de alguns. O Islã não é parte do problema do combate ao extremismo violento - é uma parte importante da luta pela paz.

Foto: Getty Images

Um judeu ultra-ortodoxa assiste num centro comercial em Jerusalém o presidente Obama no Cairo

Ora, também sabemos que o poderio militar sozinho não resolverá os problemas do Afeganistão e do Paquistão. É por isso que pretendemos investir US$ 1,5 bilhão ao ano nos próximos cinco anos, em parceria com os paquistaneses, para a construção de escolas e hospitais, estradas e empresas, e centenas de milhões para ajudar os que foram obrigados a abandonar seus lares. É por isso que estamos destinando mais de US$ 2,8 bilhões para ajudar os afegãos a desenvolver sua economia e a oferecer os serviços dos quais as pessoas dependem.

Falarei agora da questão do Iraque. Ao contrário do que aconteceu no Afeganistão, a guerra no Iraque foi uma escolha nossa que provocou fortes divergências no meu país e em todo o mundo. Embora acredite que o povo iraquiano se encontra hoje em melhor situação sem a tirania de Saddam Hussein, também acredito que os acontecimentos no Iraque lembraram aos EUA a necessidade de usar a diplomacia e de obter o consenso internacional para solucionar nossos problemas sempre que possível. De fato, lembramos das palavras de Thomas Jefferson, que afirmou: "Espero que nossa sabedoria cresça com o nosso poder, e nos ensine que quanto menos usarmos este poder, maior ele se tornará."

Hoje, os EUA tem uma dupla responsabilidade: ajudar o Iraque a construir um futuro melhor - e deixar o Iraque aos iraquianos. Deixei claro ao povo iraquiano que não queremos bases, e não queremos seu território ou seus recursos. A soberania do Iraque pertence a ele. E é por isso que ordenei a retirada das nossas brigadas de combate até agosto próximo. É por isso que honrarei nosso acordo com o governo democraticamente eleito do Iraque para retirar as tropas de combate das cidades iraquianas até julho, e todas as nossas tropas do Iraque até 2012. Ajudaremos o Iraque a treinar suas forças de segurança e a desenvolver sua economia. Mas apoiaremos um Iraque seguro e unido como parceiro, e nunca como cliente.

E finalmente, assim como os EUA nunca poderão tolerar a violência dos extremistas, jamais deveremos modificar ou esquecer dos nossos princípios. Os fatos de 11 de setembro constituíram um trauma imenso para o nosso país. O medo e a raiva que provocaram foram compreensíveis, mas em alguns casos, isto nos levou a agir de maneira contrária às nossas tradições e ideais. Estamos adotando ações concretas para mudar este curso. Proibi inequivocamente o emprego da tortura pelos EUA, e ordenei que a prisão de Guantánamo seja fechada até o início do próximo ano.

Portanto, os EUA se defenderão, respeitando a soberania das nações e o governo de direito. E faremos isto com a parceria das comunidades muçulmanas que também estão ameaçadas. Quanto mais cedo os extremistas forem isolados e considerados pessoas não gratas nas comunidades muçulmanas, mais cedo estaremos todos mais seguros.A segunda maior causa de tensão que precisamos discutir é a situação existente entre os israelenses, os palestinos e o mundo árabe.

Os fortes laços entre Estados Unidos e Israel são de conhecimento geral. Este laço é inquebrável. Ele tem como base elos culturais e históricos, e o reconhecimento de que a aspiração a uma pátria judaica tem suas raízes numa história trágica que não pode ser negada. Por todo o mundo, os judeus foram perseguidos durante séculos, e o antissemitismo na Europa culminou num Holocausto sem precedentes.

Amanhã, visitarei Buchenwald, que fazia parte de uma rede de campos onde os judeus eram escravizados, torturados, fuzilados e submetidos pelo Terceiro Reich às câmaras de gás. Seis milhões de judeus foram assassinados - número que supera a população atual de Israel. Negar este fato é um absurdo, um ato de ignorância e ódio. Ameaçar Israel com a destruição - ou repetir desprezíveis estereótipos dos judeus - é um erro indesculpável, e serve apenas para invocar na mente dos israelenses esta que é a mais dolorosa das memórias, ao mesmo tempo afastando a paz que os habitantes desta região merecem.

Foto: Getty Images

Cidadão egípcios assistem o discurso em um café em Kerbala, 80 km a sudoeste de Bagdá

Por outro lado, é também inegável que o povo palestino - muçulmanos e cristãos - sofreu na busca por uma pátria. Por mais de 60 anos eles enfrentaram a dor de ser uma população desabrigada. Muitos esperam, em campos de refugiados na Cisjordân ia, em Gaza e nas regiões próximas, por uma vida de paz e segurança que nunca puderam viver. Eles suportam as humilhações diárias - grandes e pequenas - que acompanham a ocupação. Que não restem dúvidas: a situação do povo palestino é intolerável. E os Estados Unidos não darão as costas à legítima aspiração dos palestinos por dignidade, oportunidade, e por um estado próprio.

Há décadas existe um impasse: dois povos com aspirações legítimas, cada qual com uma história dolorosa que dificulta as concessões mútuas. É fácil apontar dedos acusadores - os palestinos apontam para a sua condição de desabrigados, criada pela fundação de Israel, e os israelenses apontam para a hostilidade e os ataques constantes em toda a sua história, dentro das suas fronteiras e além. Mas se enxergarmos este conflito a partir da perspectiva de um ou de outro lado, estaremos cegos para a verdade: a única solução é que as aspirações de ambos os lados sejam atendidas por meio de dois estados, nos quais israelenses e palestinos possam viver em paz e com segurança.

Isto é do interesse de Israel, do interesse da Palestina, do interesse dos Estados Unidos, e do interesse de todo o mundo. É por isso que pretendo buscar pessoalmente este resultado com toda a paciência e dedicação que esta tarefa exige. As obrigações - as obrigações com as quais os envolvidos concordaram dentro do mapa da estrada são claras. Para que venha a paz, é hora de todos - os diretamente envolvidos e nós também - agirem de acordo com as responsabilidades de cada um.

Os palestinos devem abandonar a violência. Resistir por meio da violência e do assassinato é errado e não pode trazer resultados positivos. Durante séculos, os negros americanos sofreram sob o estalo do chicote como escravos, suportando a humilhação da segregação. Mas não foi a violência que conquistou direitos plenos e iguais. Foi uma insistência pacífica e determinada nos ideais que estão no centro da fundação dos Estados Unidos. Esta mesma história pode ser contada por povos desde a América do Sul até o Sul da Ásia; do Leste Europeu até a Indonésia. Trata-se de uma história que contém uma simples verdade: a violência é uma via sem saída. Ela não é sinal de coragem e nem do poder de disparar foguetes contra crianças durante o seu sono, e nem o de explodir velhas senhoras num ônibus. Não é assim que se reivindica a autoridade moral; não é assim que ela é restituída.

Agora é o momento de os palestinos se concentrarem naquilo que são capazes de construir. A Autoridade Palestina deve desenvolver sua capacidade de governar, com instituições que sirvam às necessidade do seu povo. O Hamas não recebe apoio de alguns palestinos, mas o movimento precisa reconhecer que também tem responsabilidades. Para desempenhar um papel na concretização das aspirações palestinas, para unir o povo palestino, o Hamas deve pôr fim à violência, reconhecer os acordos anteriores, e reconhecer o direito de Israel à existência.

Foto:Reuters

Na parte velha da cidade de Damasco, no Líbano, um homem ouve o discurso de Obama

Ao mesmo tempo, os israelenses devem reconhecer que o direito de existência da Palestina é tão inegável quanto o direito de existência de Israel. Os Estados Unidos não reconhecem a legitimidade da contínua construção de assentamentos israelenses. Esta construção viola os acordos anteriores e prejudica as tentativas de estabelecimento da paz. É hora de pôr fim a estes assentamentos.

E Israel deve também cumprir o seu dever de garantir que os palestinos possam viver e trabalhar e desenvolver sua própria sociedade. Além de devastar as famílias palestinas, a continuidade da crise humanitária em Gaza não contribui para a segurança de Israel; o mesmo pode ser dito da contínua falta de oportunidades na Cisjordânia. O progresso na vida cotidiana da população palestina precisa ser uma parte central do caminho rumo à paz, e Israel deve adotar medidas concretas para possibilitar tal progresso.

E finalmente, os estados árabes precisam reconhecer que a Iniciativa Árabe pela Paz foi um importante começo, mas não representa o fim das suas responsabilidades. O conflito árabe-israelense não deve mais ser usado para desviar a atenção do povo das nações árabes de outros problemas. Em vez disso, ele deve ser a inspiração por trás de medidas que ajudem o povo palestino a desenvolver as instituições que viabilizarão o seu estado, que reconheçam a legitimidade de Israel, e que determinem a escolha do progresso em vez de uma obsessão derrotista com o passado. Os Estados Unidos alinharão sua política externa com aqueles que buscam a paz, e diremos em público aquilo que dizemos em particular a israelenses e palestinos e árabes.

Não podemos impor a paz. Mas no foro íntimo, muitos muçulmanos reconhecem que Israel não vai desaparecer. Da mesma maneira, muitos israelenses reconhecem a necessidade de um estado palestino. É hora de agirmos no sentido daquilo que todos sabem ser verdade. Muitas lágrimas já foram derramadas. Sangue demais foi derramado. E todos nós temos a responsabilidade de trabalhar pelo dia em que as mães de israelenses e palestinos possam ver suas crianças crescendo livres do medo; o dia em que a Terra Santa das três grandes religiões monoteístas seja o lugar pacífico dos desígnios de Deus; o dia em que Jerusalém seja o lar permanente e seguro de judeus e cristãos e muçulmanos, e também o espaço onde todos os filhos de Abraão possam se mesclar em paz, como na história de Isra, quando Moisés, Jesus e Maomé, que a paz esteja com eles, se uniram numa prece.

A terceira fonte de tensão é o nosso interesse conjunto nos direitos e responsabilidades dos países em relação às armas nucleares. Este tema tem sido fonte de tensão entre os Estados Unidos e a República Islâmica do Irã. Durante muitos anos, o Irã definiu-se em parte por oposição ao meu país, e é verdade que há entre nós uma história turbulenta. No meio da Guerra Fria, os Estados Unidos desempenharam um papel na destituição de um governo iraniano democraticamente eleito. Desde a Revolução Islâmica, o Irã participa de sequestros e atos de violência contra civis e soldados americanos. Esta história é conhecida. Em vez de permanecer preso ao passado, deixei claro aos líderes iranianos que meu país está pronto para avançar. A pergunta agora não é mais a quem o Irã se opõe, mas qual o futuro que este país deseja construir.

Um palestino assiste ao discurso desde o campo de refugiados em Amman
Reconheço que será difícil superar décadas de desconfiança, mas procederemos com coragem, retidão e determinação. Haverá muito o que discutir entre nossos países, e estamos dispostos a avançar sem precondições com base no respeito mútuo. Mas está claro para todos os interessados que em se tratando de armas nucleares, chegamos a um ponto decisivo. Não se trata simplesmente dos interesses americanos. Trata-se de evitar uma corrida armamentista nuclear no Oriente Médio que poderia conduzir esta região e o mundo por um caminho incrivelmente perigoso.

Compreendo aqueles que protestam contra o fato de certos países manterem arsenais nucleares e outros, não. Nenhum país deve ter o poder de escolher quais países teriam direito às armas nucleares. E é por isso que reafirmei enfaticamente o compromisso dos Estados Unidos com a busca por um mundo onde nenhum país tenha armas atômicas. E qualquer país - incluindo o Irã - deve ter o direito de investir num programa pacífico de energia nuclear se honrar suas responsabilidades estabelecidas pelo Tratado de Não-Proliferação nuclear. Este compromisso está no cerne do tratado, e precisa ser mantido por todos que professem respeitá-lo. Espero que todos os países da região partilhem desta meta.

O quarto tema que abordarei é a democracia. Sei - sei que houve grande controvérsia acerca da difusão da democracia nos últimos anos, e boa parte desta controvérsia está relacionada à guerra no Iraque. Para que não restem dúvidas: nenhuma forma de governo pode ou deve ser imposta por um país a qualquer outro. Entretanto, isto não diminui meu compromisso com os governos que refletem os anseios da população. Cada país dá vida a este princípio à sua maneira, com base nas tradições do seu próprio povo. Os Estados Unidos não se atreveriam a saber o que é melhor para todos, assim como não nos atreveríamos a escolher o resultado de uma eleição pacífica.

Mas existe em mim a crença inabalável de que todas as pessoas anseiam por certas coisas: a capacidade de dizer o que pensa e de opinar em relação à forma do seu governo; a garantia de um estado de direito e da distribuição igualitária da justiça; um governo que seja transparente e não roube do povo; a liberdade de viver conforme a própria escolha. Estas ideias não são apenas americanas; são direitos humanos. e é por isso que nós vamos apoiá-los em toda parte.

Não existe uma maneira única de concretizar esta promessa. Mas já ficou claro o seguinte: governos que protegem estes direitos são afinal mais estáveis, mais seguros e bem sucedidos. A supressão de ideias nunca consegue fazer com que elas desapareçam. Os Estados Unidos respeitam o direito de todas as vozes pacíficas e observadoras da lei de serem ouvidas em todo o mundo, mesmo que discordemos delas. E nós daremos as boas-vindas a todos os governos eleitos e pacíficos - desde que eles governem com respeito a todo seu próprio povo.

Este último ponto é importante porque há aqueles que defendem a democracia somente enquanto estão fora do poder; depois de assumi-lo, mostram-se inescrupulosos na repressão dos direitos dos demais. Não importa onde o fenômeno se estabeleça, o governo do povo e para o povo estabelece um padrão único para todos os que detêm o poder: este poder deve ser mantido por meio do consentimento, e não da coerção; os direitos das minorias devem ser respeitados, e o governo deve agir no espírito da tolerância e das concessões mútuas; os interesses do povo e o funcionamento legítimo dos processos políticos devem ser colocados acima do partido da situação. Na ausência destes ingredientes, as eleições por si mesmas não podem constituir uma verdadeira democracia.

Nenhum comentário: