5 de jun. de 2009

Obama fez um dos melhores discursos possíveis

Obama fez um dos melhores discursos possíveis

Gustavo Chacra

Fonte: Blog Diário do Oriente Médio

Para se ter uma idéia do impacto do discurso de Barack Obama, Ahmed Yousef, principal assessor de política internacional do Hamas, descreveu as palavras do presidente dos Estados Unidos aqui no Cairo como um “momento Martin Luther King”. Um ex-cônsul de Israel nos Estados Unidos classificou como um “espetacular discurso na visão israelense”.

Obama conseguiu, em menos de uma hora, tocar na maioria dos temas que dominam o debate aqui no Oriente Médio. Nestes meses que passei entre países árabes, Israel e Turquia, posso garantir que o presidente delineou uma visão muito próxima do que o campo moderado das ruas árabes e muçulmanas pensa.

Primeiro, o presidente defendeu a importância do islamismo, eliminando todo o tipo de estereótipo existente no Ocidente, onde cresce a islamofobia. Ele mostrou que conhece o assunto e o respeita, mais inclusive do que países europeus, como a França, ao deixar claro que mulheres devem ter o direito de usar o hijab se quiserem – os franceses proíbem, assim como outros símbolos religiosos como crucifixo e kipá, em escolas. O líder americano soube explicar, por outro lado, os motivos que levaram os americanos a terem uma visão equivocada dos muçulmanos, citando o 11 de Setembro.

O conflito no Afeganistão e agora no Paquistão foi colocado como uma prioridade. Admitiu publicamente que a Guerra do Iraque foi uma opção dos EUA. Mas foi na questão palestina que o presidente mais chamou a atenção.

Obama insistiu, mais uma vez, que não pode tolerar a construção de novos assentamentos por Israel nos territórios ocupados. Descreveu a humilhação diárias por que passam os palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Ao mesmo tempo, mostrou que as ações do Hamas, lançando inócuos foguetes em crianças dormindo e explodindo ônibus com senhoras idosas, não alcançam nenhum objetivo. Aconselhou os palestinos a seguirem os movimentos de igualdade de negros e brancos nos EUA nos anos 1960 e, anos mais tarde, na África do Sul.

Dos países árabes, afirmou que eles precisam dizer em público o que falam a portas fechadas, quando dizem que Israel é uma realidade. O mesmo vale para os israelenses em relação aos assentamentos. Sua política, a partir de agora, é dizer em público o que conversa privadamente.

Foto: AP

Jovens sírias ouvem o presidente americano em Damasco

Os direitos das mulheres também teve importância no discurso. Este é um dos tópicos mais discutidos no mundo islâmico. A questão das microfinanças, na qual crédito é concedido para mulheres de baixa renda poderem desenvolver atividades econômicas empreendedoras, recebeu destaque – vale lembrar que as microfinanças são conhecidas por seu sucesso em países muçulmanos, como Bangladesh.

Talvez Obama tenha deixado a desejar quando discutiu a importância da democracia. O presidente não teve coragem de bater de frente com as ditaduras travestidas de repúblicas ou de monarquias no Oriente Médio. Por que não falar que Hosni Mubarak deve deixar de reprimir a oposição no Egito e respeitar a Justiça? Ou que o rei Abdullah, da Arábia Saudita, deveria pelo menos permitir que as mulheres dirijam? Se israelenses e palestinos recebem recados diretos, os governos árabes também deveriam ser advertidos.

Membros da oposição do Egito boicotaram o discurso de Obama na Universidade do Cairo. Nos portões da universidade, onde estive agora de manhã (aqui no Egito), havia apenas 20 manifestantes pedindo o “fim do cerco a Gaza” e para “parar a ocupação israelense”. Disseram que um protesto dos opositores ocorreria na praça Tahrir, no centro do Cairo. Quando passei por esta área, diante do Museu Egípcio, não havia ninguém, a não ser alguns turistas perdidos, militares de branco e poucos carros circulando. Hoje, os egípcios, como os árabes e muçulmanos, pararam para ver Obama falar.

A minha crítica é que, apesar do tempo restrito, Obama não mencionou a Síria, a perseguição dos curdos na Turquia e dos Bahá’í no Irã.

Foto: AP

Jovens universitários posam para fotos, antes da chegada de Barack Obama, a universidade do do Cairo


O jornalista Gustavo Chacra é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia, é correspondente de "O Estado de S. Paulo" em Nova York. Já fez reportagens de Beirute, Damasco, Tel Aviv, Jerusalém, Gaza, Nablus, Ramallah, Cairo e Amã quando era correspondente do jornal O Estado de São Paulo no Oriente Médio.


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