28 de jun. de 2009

As heroínas do Irã

As heroínas do Irã
O texto de Thomaz Favaro, para a Veja desta semana, ressalta a importância e o destaque da mulher iraniana nos protestos no país, contra os resultados das eleições, mas fica claro que essa é a continuação de outras lutas por causas maiores

Foto: Reuters

SíMBOLOS: Ao lado da foto de Neda, a chefe do Conselho Nacional da Resistência do Irã, Maryam Rajavi, exilda na França, outro símbolo da luta feminina no Irã

Thomaz Favaro*
Fonte: Revista Veja**

Oficialmente já morreram nos protestos do Irã, mais de 20 pessoas, mais de todas as vítimas, o rosto de Neda Agha Soltan, que levou um tiro no peito, durante protestos em Teerã, virou a marca, o logotipo, o símbolo da resistência, contra Ahmadinejad, e a fraude que ele representa.

"A morte de Neda foi registrada em vídeo por celular e colocadas na internet, circularam o globo, expondo o horror nas ruas de Teerã.

"Qualquer um que tenha assistido a esse vídeo percebe que há algo fundamentalmente injusto ali", disse o presidente americano, Barack Obama.

Para evitar que o funeral se tornasse o epicentro de uma rebelião, o governo iraniano providenciou o enterro de Neda às pressas e proibiu sua família de falar com a imprensa. Foi em vão.

Foto: AP

A SEPULTURA: Na lápide do cemitério de Teerã se lê em farsi Neda Agha Soltan

Até a escolha de uma heroína neste instante, representa um avanço, pois seria impensável até pouco tempo, por ser uma rebeldia intolerável, fosse homenageada uma mulher que estivesse participando, nas ruas, de um movimento proibido pelo aiatolá Ali Khamenei.

“Com seus óculos escuros e véus, megafones e cartazes, elas representam o desejo de mudança no Irã. Desde a revolução islâmica de 1979, que derrubou o xá Reza Pahlevi e instaurou a teocracia islâmica, as mulheres tornaram-se cidadãs de segunda classe.”

”A imposição do xador, a vestimenta disforme que esconde os contornos do corpo feminino, foi a marca dos primeiros tempos. Um traço de maquiagem ou uma mecha de cabelo para fora do véu era o suficiente para despertar a fúria da polícia religiosa.”

”A situação hoje é ligeiramente menos sufocante, mas as melhorias vieram a conta-gotas. As mulheres podem se dar ao luxo de usar véus coloridos e batom – mas as leis discriminatórias continuam as mesmas.”

”Uma mulher vale, literalmente, a metade de um homem, diz a reportagem da Veja, em depoimentos no tribunal e em casos de indenização. Na divisão da herança, uma filha pode levar apenas metade da quantia recebida por seus irmãos. Uma menina pode ser forçada a se casar a partir dos 13 anos, e seu marido pode proibi-la de trabalhar fora de casa ou estudar quando quiser.”

Foto: Getty Images

MULHERES DE XADOR: Nem todas as mulheres estão livres da vestimenta tradicional embora o futuro já apareça mais cor de rosa

”Para viajar ao exterior, é necessária uma permissão por escrito do marido. Caso se divorciem, ele ganha a custódia dos filhos com mais de 7 anos. Elas são proibidas de ser magistradas e não ocupam o posto de ministra há três décadas. Neste ano puderam pela primeira vez se candidatar à Presidência – mas não conseguiram nada, pois o Conselho dos Guardiães vetou todas as 42 candidatas.”

Foto: Getty Images

ADVERSÁRIAS: Na luta pelas liberdades as mulheres iranianas, têem que lutar também, com outras mulheres, as que estão do outro lado, defendendo, com paixão, a permanência de Ahmadinejad, o respeito absoluto ao aiatolá Khamenei e de todas a tradições do islã

“As restrições medievais tornaram-se ainda mais ultrajantes à medida que as iranianas passaram a frequentar as universidades e ingressar no mercado de trabalho. Há três décadas, apenas 13% da força de trabalho era feminina. Agora são 27%. Não foi obra do Twitter, nem do MSN. O que se viu nas ruas de Teerã foi o resultado de anos de esforços femininos em busca de espaço – e só agora tudo o que foi construído em silêncio pode fazer sua estrondosa estreia à luz do dia.”

”Os principais movimentos brotam nas faculdades, onde 65% dos estudantes são mulheres. No ano passado, elas conseguiram barrar uma lei que facilitaria a adoção de múltiplas esposas por parte dos homens. Desde 2006, circula uma petição pelo fim das leis que discriminam as mulheres.”

Foto: Getty Images

“Uma das ativistas mais influentes é Zahra Rahnavard, (foto) de 64 anos, casada com Mir Hossein Mousavi, o candidato presidencial cuja derrota foi o estopim da revolta. Cientista política renomada e ex-reitora de uma universidade, Zahra enfureceu os conservadores ao fazer campanha ao lado do marido. Os iranianos nunca viram a mulher do presidente Ahmadinejad.”

Foto: Getty Images

Foto de uma recente partida amistosa entre a seleção feminina de futebol iranianal (de vermelho) e o Clube Malavan Anzali futebol em Teerã. Uniformes inspirados no xador.

“A luta das iranianas é tremenda por se tratar de um aberto desafio ao coração da ideologia que sustenta a República Islâmica – o conceito de que os aiatolás agem por inspiração divina. A legitimidade da opressão das mulheres é dada pelo que eles interpretam como a vontade de Alá expressa no Corão.”

Foto: Getty Images

”Desafiar a opressão feminina no Irã é perigoso, pois soa como blasfêmia aos ouvidos mais fanáticos. Por isso mesmo, as mulheres são hoje o principal desafio colocado diante dos turbantes xiitas. Para sorte dos iranianos, não existe, mesmo entre os muçulmanos mais pios, uma visão única de como deve ser um estado islâmico. Muitos acreditam que, com doses de pragmatismo e humanismo, é perfeitamente possível conciliar a fé no Corão com a liberdade feminina."

Te uma forma ou de outra, as batalhas das mulheres iranianas as transformam em simbolos de resistência e heroinas da liberdade.


*O título original deste texto na Veja é: “Mirem-se naquelas mulheres de Teerã”;
**Suprimimos e acrescentamos fotos, reduzimos parte do texto e acrescentamos comentários. A parte texto original quando transcrito na íntegra está aspeada

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