9 de set. de 2012

JULGAMENTO MENSALÃO: 'A poderosa 'mequetrefe'

BRASIL – Julgamento Mensalão
A poderosa 'mequetrefe'
E-mails apreendidos pela Polícia Federal revelam o poder da ex-gerente da SMP&B, Geiza Dias, ré do mensalão; ex-funcionária de Marcos Valério indicava como e quando o pagamento deveria ser feito





Postado por Toinho de Passira
Texto de Josie Jeronimo
Fonte: Isto É

Uma série de e-mails, correspondências e balancetes apreendidos pela Polícia Federal na SMP&B mostram que Geiza Dias dos Santos, ex-gerente financeira da agência do publicitário Marcos Valério e ré do processo do mensalão, não é tão “mequetrefe” como tentou convencer seu advogado Paulo Sérgio Abreu e Silva durante o julgamento no STF. Segundo o dicionário, mequetrefe é alguém que não merece maior consideração, um intruso, um joão-ninguém. ISTOÉ, no entanto, teve acesso a documentos que mostram Geiza como uma pessoa poderosa. O material indica que, a partir dos registros do trabalho da administradora de empresas na firma de Valério, foi produzida boa parte das provas do mensalão.

Nas correspondências, Geiza detalha a representantes do Banco Rural como o pagamento será feito e fornece dados dos beneficiários dos saques. O repasse de dinheiro a parlamentares é chamado de “verba”. Em um e-mail enviado no dia 11 de março de 2003, a ex-gerente financeira avisa que o policial civil David Rodrigues Alves fará um saque de R$ 300 mil e pede que o banco confirme o pagamento. Apurações da CPMI dos Correios mostraram que Alves atuava como “mula” para o esquema e recebeu R$ 4,9 milhões do banco. Ele teria atuado para levar dinheiro ao publicitário Duda Mendonça e também forneceu, em seu depoimento à polícia, informações sobre a participação do deputado Pedro Henry (PP-MT) no esquema.


BENEFICIÁRIO
O deputado Pedro Henry teria recebido recursos de Marcos Valério a partir de orientações de Geiza Dias
Como se vê, de insignificante ou joão-ninguém Geiza não tinha nada. De 2001 até 2005, a rotina de trabalho da ex-gerente financeira da agência SMP&B, do publicitário Marcos Valério, era combinar pagamentos milionários com instituições bancárias e participar de reuniões com representantes de autoridades. Foi a partir de um e-mail de Geiza encaminhado a um funcionário do Banco Rural que a Procuradoria da República concluiu que parte da verba do mensalão circulou em carros-forte. Também foi com base nas correspondências de Geiza que a Polícia Federal produziu relatório financeiro cruzando as informações das autorizações de pagamento com as contas da agência de publicidade e do banco. Parte do modus operandi do esquema de Valério narrado na denúncia do Ministério Público Federal também veio das correspondências da ex-gerente. Despachando do sétimo andar do prédio que abrigava a SMP&B em Belo Horizonte, era Geiza quem lidava diretamente com a rotina do esquema. Todos os dias, Geiza emitia uma média de 100 cheques, a maioria com valores que ultrapassavam cinco dígitos, a exemplo do registro de ordem de pagamento de R$ 300 mil “batido” pela ex-gerente em novembro de 2003. Em um ano, a mequetrefe, na definição de seu advogado, emitiu R$ 4,8 milhões em cheques.

Ela ainda não havia alcançado o topo da carreira executiva, mas, em Minas Gerais, a ex-gerente financeira do publicitário Marcos Valério estava em ascensão na carreira quando foi arrastada para o escândalo do mensalão. Geiza gozava da confiança do publicitário e cumpria função estratégica nos negócios da agência SMP&B. Cabia a ela fazer funcionar sem erros o repasse de verbas coordenado por Marcos Valério. Por isso, trata-se, ao contrário do que sua defesa pretendeu supor, de uma espécie de arquivo vivo do mensalão. Os e-mails de Geiza foram reunidos no Apenso 5 da Ação Penal 470. Entre as mais de 50 mil páginas que compõem o processo do mensalão, o volume com as correspondências de Geiza é considerado o cerne das provas do esquema. Os relatos da ex-gerente financeira sobre as datas de saques, nomes de beneficiários e indicação da conivência do Banco Rural com o modelo informal de pagamentos foram usados para embasar o voto dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

O salário de Geiza na SMP&B, no entanto, não mantinha relação com as cifras que movimentava. Quando foi demitida por “dissolução da firma”, após as investigações da CPMI dos Correios, ganhava R$ 1,7 mil, o equivalente a cinco salários mínimos em 2005. O escândalo, com a exposição pública de seu nome e as frequentes intimações da polícia, atingiu em cheio a vida pessoal e profissional de Geiza. Amigos narram que a ex-gerente financeira de Marcos Valério não recebeu apoio familiar e que sua permanência em Minas Gerais se tornou um inferno. Além das piadinhas e da dificuldade para conseguir um novo emprego, Geiza sofreu duro julgamento de sua mãe, Maria Izabel Dias dos Santos. Sem aceitar o caminho tomado pela filha, ela preferiu se afastar. ISTOÉ entrou em contato com a mãe de Geiza, mas ela se recusou a falar sobre o julgamento da filha. Maria Izabel vive no município de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte.


ELO A ex-gerente da SMP&B, Geiza Dias, seria o elo entre o marqueteiro Duda Mendonça e o publicitário Marcos Valério, ambos réus no processo do mensalão. Provas obtidas a partir das correspondências trocadas por Geiza embasaram acusação da Procuradoria da República e votos dos ministros do STF

pós deixar sua casa em Belo Horizonte, Geiza tentou a vida em pelo menos dois Estados. Agora vive em Aparecida de Goiânia (GO), a 220 quilômetros de Brasília. Lá trabalha na agência Jordão Publicidade como responsável pela administração financeira da empresa. “Esse caso acabou com a minha vida, só converso sobre esse assunto com meu advogado”, disse Geiza à ISTOÉ. Antes de ir para Goiás, ela tentou a sorte no Rio de Janeiro, morando no bairro de Irajá, na sona norte. O advogado de Geiza, Paulo Sérgio Abreu e Silva, se orgulha de ter criado uma das expressões mais populares do julgamento do mensalão. Abreu e Silva acredita que a estratégia de desqualificar sua cliente pode livrar a ex-gerente financeira de uma condenação. Os ministros devem analisar as acusações contra Geiza segunda ou terça-feira, de acordo com previsão do calendário do julgamento do mensalão. “É muito melhor o pessoal de Aparecida de Goiânia chamá-la de mequetrefe do que de condenada, como diretores de bancos foram”, diz. Mas o advogado de Geiza se contradiz e admite que, no papel de “testemunha” do esquema, sua cliente não tem nada de mequetrefe. “Ela é a grande testemunha, mas ela não foi chamada pelo Ministério Público. Ela poderia contar o nome de todo mundo, muitos nomes que não estão aí. Ela como testemunha teria valor.” É, como se vê, Geiza é uma mequetrefe bem poderosa.


Fotos: Rejane Carneiro, Lúcio Távora – Ag. A Tarde/Futura Press; Alan Marques/Folhapress

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