14 de nov. de 2011

ESTADOS UNIDOS: O presidente rendeu-se

02/08/2011

ESTADOS UNIDOS
O presidente rendeu-se
"Acordo sobre teto da dívida dos Estados Unidos é um desastre para a economia do país” – diz Paul Krugman, Premio Nobel de Economia e colunista do The New York Times, o homem que previu com anos de antecedência da bolha imobiliária na economia americana, que acabou gerando a crise na economia mundial, em 2009

Foto: Pete Souza/White House

“No mínimo, Obama poderia ter usado a possibilidade de um drible legal para fortalecer sua posição de negociação. Em vez disso, ele descartou todas essas opções desde o início”.

Paul Krugman
Fontes: The New York Times, Blog do Noblat

Um acordo para elevar o teto de endividamento federal está sendo costurado. Se aprovado, muitos analistas comentarão que o desastre foi evitado. Mas eles estarão equivocados.

Pois o acordo em si, considerando as informações disponíveis, é um desastre, não apenas para o presidente Obama e seu partido. Ele vai afetar uma já deprimida economia; provavelmente vai tornar o problema do déficit americano a longo prazo pior; e, mais gravemente, ao provar que a extorsão crua funciona e não tem custo político, vai empurrar os EUA para um padrão de República de Bananas.

Comecemos com a economia. Temos atualmente uma economia profundamente deprimida. Provavelmente continuaremos a ter uma economia deprimida no que vem. E provavelmente em 2013 também, e talvez nos próximos anos.

A pior coisa que se pode fazer nessas circunstâncias é cortar os gastos do governo, uma vez que isso aprofundaria a depressão da economia.

Não preste atenção àqueles que invocam a fada da confiança, afirmando que um aperto no Orçamento tranquilizará empresas e consumidores, levando-os a gastar mais. Não funciona assim, como mostram vários estudos sobre casos registrados na História.

Aliás, cortar os gastos quando a economia está deprimida não vai nem mesmo ajudar muito a situação fiscal, e pode inclusive piorar as coisas. De um lado, as taxas de juros sobre o endividamento federal estão hoje num patamar muito baixo, de modo que o corte nos gastos fará pouco para reduzir os custos futuros de juros.

Por outro lado, enfraquecer a economia agora também afetará o prospecto a longo prazo, o que, consequentemente, reduzirá receitas futuras. Portanto, as atuais exigências de corte de custos são como aqueles médicos medievais que tratavam os doentes fazendo-os sangrar.

E ainda há os anunciados termos do acordo, que representam uma vergonhosa capitulação do presidente.

Em primeiro lugar, haverá grandes cortes de gastos, sem aumento de receitas. Além disso, um comitê fará recomendações com respeito a futuras reduções - e, se essas recomendações não forem aceitas, haverá cortes de gastos compulsórios.

Os republicanos terão, supostamente, um incentivo para fazer concessões na próxima vez, pois os gastos com defesa militar estarão no pacote de cortes. Porém, o Partido Republicano já mostrou sua disposição de correr o risco de um colapso para obter tudo o que os seus membros mais radicais querem. Por que esperar que eles serão mais razoáveis da próxima vez?

Na verdade, os republicanos certamente se sentirão mais encorajados pela forma como Obama continua se dobrando às suas ameaças. Ele entregou os pontos em dezembro passado, aplicando todas as isenções de impostos de Bush; ele entregou os pontos neste primeiro semestre quando eles ameaçaram fechar o governo; e agora entregou os pontos numa escala maior diante da extorsão crua sobre o teto do endividamento.

Talvez seja apenas eu, mas vejo um padrão nisso. O presidente tinha alguma alternativa? Sim. Em primeiro lugar, ele poderia e deveria ter demandado um aumento do teto do endividamento em dezembro passado. Quando indagado por que não fez, ele respondeu ter certeza de que os republicanos agiriam de forma responsável. Que aposta.

E mesmo agora, o governo Obama poderia ter recorrido a medidas legais para contornar o teto da dívida, usando alguma de muitas opções. Em circunstâncias normais, isso poderia ser considerado um passo extremo.

Porém, diante da realidade que está aí, ou seja, a extorsão por parte de um partido que, afinal, controla apenas a Câmara do Congresso, seria totalmente justificado.

No mínimo, Obama poderia ter usado a possibilidade de uma saída legal para fortalecer sua posição de negociação. Em vez disso, ele descartou todas essas opções desde o início.

Mas, adotar uma posição mais dura não preocuparia os mercados? Provavelmente não. Aliás, se eu fosse um investidor, me sentiria mais confiante, e não inseguro, com uma demonstração de que o presidente está disposto a enfrentar a chantagem dos extremistas. Em vez disso, ele preferiu mostrar o oposto.

Não se engane, o que estamos testemunhando é uma catástrofe em vários níveis. É, evidentemente, uma catástrofe para os democratas, que há apenas algumas semanas pareciam ter atropelados o plano dos republicanos de desmantelar o Medicare; agora, Obama jogou isso fora.

E o estrago não acabou: haverá novos gargalos em que os republicanos poderão ameaçar a criação de uma crise, a não ser que o presidente entregue os pontos, e agora podem fazer isso com razoável expectativa de que ele entregará.

A longo prazo, porém, os democratas não serão os únicos perdedores. O que os republicanos impuseram põe todo o sistema de governância em questão. Afinal, como a democracia americana poderá funcionar se qualquer partido que age de forma truculenta, ameaçando a segurança econômica do país, consegue impor sua política? E a resposta é: talvez não funcione.


*Acrescentamos subtítulo, foto e legenda ao texto original

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