A presidente Dilma Rousseff demitiu na noite desta segunda-feira o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Ele perdeu o cargo após a fuga para o Brasil do senador boliviano Roger Pinto Molina, que passou mais de um ano asilado na embaixada brasileira em La Paz. Opositor do governo Evo Morales, Molina é acusado de corrupção em seu país.
Patriota será substituído no cargo por Luiz Figueiredo, representante do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU).
O ex-ministro das Relações Exteriores substituiu Celso Amorim (hoje ministro da Defesa), que foi um do seu principal padrinho na carreira diplomática. Ao contrário de Amorim, no entanto, ele tinha estilo discreto e nunca agradou à presidente Dilma. O resgate do senador boliviano foi o último em uma série de episódios que fizeram Dilma avaliar que Patriota exercia mal e pouco sua liderança à frente da chancelaria brasileira.
Além da avaliação já consolidada do perfil de Patriota no posto, pesou o fato de que um senador do PMDB, Ricardo Ferraço (ES), tenha sido o interlocutor do diplomata brasileiro Eduardo Saboia na empreitada que trouxe Molina ao país. Saboia usou um carro da representação brasileira em La Paz para percorrer um trajeto de 1.600 quilômetros até Corumbá (MS). O veículo dispõe de imunidade diplomática e foi escoltado por dois fuzileiros navais brasileiros.
Oficialmente, o governo brasileiro afirmou que Patriota entregou o cargo. "A presidenta Dilma Rousseff aceitou nesta segunda-feira o pedido de demissão do ministro Antonio de Aguiar Patriota, e indicou o representante do Brasil junto às Nações Unidas em Nova York, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, para ser o novo ministro das Relações Exteriores. A presidenta agradeceu a dedicação e o empenho do ministro Patriota nos mais de dois anos em que permaneceu no cargo e anunciou a sua indicação para a Missão do Brasil na ONU", diz a nota divulgada nesta noite.
O governo brasileiro afirma não ter autorizado a operação, que provocou mal-estar nas relações diplomáticas com o país vizinho. A versão oficial coincide com o que se ouve no Itamaraty: Saboia teria agido sem comunicar Patriota.
Foto: Nicolas Garrido/Reuters
INCOMPATÍVEIS - Patriota teve que defender teses que abominava para se manter no cargo, mesmo assim, não conseguia a simpatia da turrona e enfezada Dilma Russeff
AS TURRAS
A relação entre o ex-chanceler Antonio Patriota e a presidente Dilma Rousseff nunca foi tranquila. Secretário-geral sob Celso Amorim, Patriota foi indicado à presidente pelo atual ministro da Defesa. Dilma, que nunca teve muito apreço pela diplomacia, gostou do perfil discreto e contido do embaixador mas, em pouco mais de dois anos e meio, não foram poucas as vezes em que entrou em crise com seu chanceler. Como disse o jornalista da Globo, Álvaro Pereira, o sangue de Dilma nunca combinou com o de Patriota.
O maior "desconforto" entre os dois possivelmente foi a entrada da Venezuela no Mercosul, feita à revelia do Itamaraty. Apesar de concordar com a suspensão do Paraguai, Patriota foi contrário a que se usasse a suspensão para incorporar os venezuelanos. Dilma, no entanto, conseguiu um parecer da Advocacia Geral da União e mandou tocar adiante a operação. O ministro Patriota, diplomaticamente passou meses defendendo uma ação que desaprovava nos bastidores da diplomacia.
Durante a Rio+20, a presidente e o chanceler tiveram outro atrito. Apesar de ser a anfitriã, Dilma, que estava na reunião do G20, no México, não queria fazer o discurso de abertura do encontro no Rio. Auxiliares próximos puderam ouvir a discussão dos dois, por telefone. A presidente terminou por discursar, mas de cara amarrada.
Outra crise aconteceu pouco depois do início da guerra civil na Síria. A delegação brasileira havia sido a principal negociadora de uma nota mais dura - "com dentes", como disseram alguns diplomatas - mas, antes de aprovar a votação, a presidente quis saber como votariam os demais membros do Conselho de Segurança. Ao saber que não havia unanimidade, mandou a missão brasileira se abster, o que causou enorme irritação entre os diplomatas.
Há cerca de um ano, Patriota era dado como "demitido" por auxiliares da presidente. Pouco afeita às firulas da diplomacia, a presidente se irritava com questões levadas pelo chanceler e via pouca utilidade em algumas das viagens que Patriota insistia que ela fizesse. Ainda assim, tinha dificuldades de encontrar um substituto.
Políticos e outros Ministros assistiram por inúmeras vezes tratamento vexatório e humilhante que Dilma dispensava a Patriota, em dose exagerada, mais desrespeitosa do que costuma ser com o resto do ministério. Subservientemente Patriota curvava-se para se manter no cargo. O caso da fuga do embaixador boliviano acabou sendo a gota d'água que fez transbordar o copo da paciência presidencial, cansada da polidez e da formalidade do ministro demissionário. A demissão de Patriota agora vai ser útil para reduzir a tensão entre a presidenta e o boliviano Evo Morales, que por sua vez, finge está zangado com a fuga do senador Ricardo Pinto, mas interiormente feliz por ver o adversário longe da Bolívia.
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