11 de mar. de 2009

Guiné-Bissau, após assassinatos, dias melhores?

Guiné-Bissau, após assassinatos, dias melhores?
Uma bomba matou o ministro Chefe das Forças Armadas e poucas horas depois é assassinado o presidente suspeito de ter mandado matar o ministro

Foto: Reuters

Isabel Vieira, a viúva, e o presidente interino Raimundo Pereira, presidente da assembléia nacional no velório do presidente da Guiné-Bissau João Bernardo "Nino" Vieira que governou o país por 23 dos seus 35 anos de existência

Fontes: The New York Times , Africanidades, Agencia Lusa, Diario Digital

A jornalista Lydia Polgreen do The New York Times, direto de Guiné-Bissau, relata que o assassinato do Chefe das Forças Armadas general Batista Tagme Na Waie, por uma bomba de controle remoto, seguida do assassinato do seu adversário, o presidente João Bernardo Vieira, 70 ano, menos de 12 horas depois, pode vir “a ser a melhor chance de estabilidade que a Guiné-Bissau tem em muito tempo” - segundo um diplomata ocidental.

Foto: Arquivo Blog António Aly Silva

Quem mataria quem, primeiro? Afinal morreram os dois.

O país de alguma forma era refém dos dois, das suas ambições dos seus antagonismos.

A primeira impressão é que os dois se autodestruíram. Teria sido o presidente que mandará por a bomba que matou o militar e destruiu toda a lateral do quartel quando esse subia ao seu escritório no começo da noite.

Foto: Luc Gnago/Reuters

Soldado monta guarda em frente ao quartel onde explodiu a bomba que o chefe das Forças Armadas de Guiné-Bissau

Provavelmente o general supondo essa possibilidade deixou instruções dos militares matarem o presidente no caso dele morrer de forma violenta.

A casa do presidente foi atacada por uma tropa de elite do exército que explodiu a entrada com lança-granadas-foguete. As narrativas dão conta que o presidente foi capturado vivo e sucessivamente alvejado e retalhado até a morte.

Foto: Reuters

Sangue, cápsulas de bala e um facão na área privada da residência do Presidente de Guiné-Bissau, no local onde ele foi assassinado.

Para trás ficaram jorros de sangue, um facão enferrujado e cápsulas de balas.

A jornalista surpreende-se afirmando que “em quase qualquer outro lugar no mundo, a morte de um presidente eleito democraticamente e do chefe das forças armadas seria recebida com horror. Mas nesta ex-colônia portuguesa, os assassinatos brutais do presidente João Bernardo Vieira e do general Batista Tagme Na Waie foram recebidas não apenas com serenidade, mas também com otimismo.”

Foto: Reuters

Um veículo militar conduz o caixão do Chefe das Forças armadas General Batista Tagme Na Wai, ao cemitério.

Como um filme B de ação e espionagem os fatos da semana passada no pequeno país africano, pode ter atrás de si, mais que a briga entre dois membros de tribos rivais, há quem garanta que foram os chefões da cocaína sul-americanos, que transformaram a Guiné-Bissau em um paraíso do narcotráfico, que ordenaram os assassinatos.

João Bernardo Vieira
Outros especularam que a luta de décadas entre os dois homens mais poderosos do país acabou consumindo a ambos. Eles inicialmente foram companheiros na luta pela independência de Portugal, então aliados desconfortáveis e, no final, rivais pelo poder neste país empobrecido e propenso ao conflito.

A Guiné-Bissau declarou sua independência em 1973, após uma guerra feroz de guerrilha que deixou o país devastado, então sofreu em meio a experiências desastrosas com a ditadura militar de inclinação marxista sob Vieira. Ocorreram tentativas de golpe e repressão brutal. Nos anos 90, ocorreram tentativas de democracia, então uma guerra civil e ruína. Eleições sucessivas em 2005 devolveram Vieira ao poder, mas uma eleição livre não impediu o declínio.

O narcotráfico é o novo flagelo do país. Segundo autoridades da ONU, até US$ 1 bilhão por ano em cocaína passa pelo país a caminho da Europa. Tanto Vieira quanto Tagme Na Waie eram suspeitos de envolvimento no narcotráfico, segundo diplomatas e analistas na região, uma alegação que aqueles que os apoiavam negavam veementemente.

Mas mesmo antes da chegada dos narcotraficantes, a rivalidade entre os dois homens já mantinha desestabilizada há décadas a política da Guiné-Bissau.

"É bem simples", disse Jan Van Maanen, um empresário holandês que também serve como cônsul honorário da Holanda e Reino Unido em Bissau. "Nino não gostava de Tagme, e Tagme odiava Nino."

Foto: Reuters

A filha do Presidente Joao Bernardo "Nino" Vieira durante os funerais

Este ódio mútuo tinha raízes pessoais e tribais. Tagme Na Waie era da tribo Balante, que domina o exército. Vieira veio da menos importante tribo Papel. O general alegava que o governo de Vieira já o tinha torturado com choques elétricos em seus testículos. Vieira suspeitava que o general estivesse minando seu poder e ameaçando seu governo.

Oficialmente, há duas comissões investigando os assassinatos, mas ninguém espera que eles sejam solucionados. A casa de Vieira foi saqueada após sua morte. Dois pedaços avariados de equipamento elétrico, suspeitos de serem componentes da bomba que matou o general, estão em um saco plástico preto no quartel-general militar.

Os parentes do general e soldados disseram que Vieira ordenou sua morte, mas outros argumentam que a relativa sofisticação do assassinato aponta para uma conexão estrangeira. Autoridades do governo disseram que um grupo de soldados enfurecidos com a morte de Tagme Na Waie matou o presidente.

Foto: Reuters

O país tenta voltar a “normalidade”, o mais depressa possível, depois dos assassinatos

Não demorou muito para a vida voltar ao que se pode chamar de normalidade em um país onde uma em cinco crianças não vive até seu quinto aniversário. As bandeiras foram baixadas a meio pau, mas as lojas reabriram rapidamente. Poucas pessoas queriam ou podiam lamentar dois homens que passaram muito além da expectativa média de vida do país, de 45,8 anos.

Bissau é uma cidade quase fora do tempo, um local onde o progresso parou há décadas. Ruínas graciosas do reinado colonial português margeiam as ruas esburacadas, escurecendo lentamente sob o forte calor tropical.

Foto: AP

Crianças diante de uma decadente construção colonial da antiga cidade Portuguesa de Bissau

Ervas daninhas brotam das janelas do Palácio Presidencial, alimentadas pelo sol e chuva que penetram pelo teto que ruiu. O prédio foi danificado na guerra civil do país, que terminou em 1999, e o país é pobre demais para consertá-lo.

A minúscula economia do país se baseia em cajus e peixes, e dois terços de sua população vive na penúria. O governo está perpetuamente sem dinheiro. Os funcionários públicos passam meses sem receber salário. Os adolescentes ficam estagnados na escola, porque os professores frequentemente estão em greve.

Os vizinhos da Guiné-Bissau dizem que se preocupam com a possibilidade do Oeste da África mergulhar em uma nova era de instabilidade e conflito. Os líderes regionais expressaram ultraje em relação aos assassinatos, que pareciam parte do golpe que se seguiu à morte do presidente do país vizinho, a Guiné. Um ataque anfíbio em um terceiro país, a Guiné Equatorial, visando derrubar seu governo, recentemente fracassou.

Mas na Guiné-Bissau, ocorreu uma estranha inversão do padrão. O país parece mais estável após os assassinatos. Os militares não tomaram o poder. O presidente da Assembléia Nacional, Raimundo Pereira, (Foto) foi empossado presidente, como exigido pela Constituição. O governo está preparando novas eleições.

Permanece o temor de que os militares possam intervir, ou que o novo governo seja ainda mais vulnerável à corrupção. Zamora Induta, um porta-voz das poderosas forças armadas do país, disse que os militares permaneceriam de fora da transição.

É difícil imaginar como a vida na Guiné-Bissau poderia piorar, disse Armando Mango, um advogado em Bissau.

"Era uma briga entre dois homens grandes", continuo ele. "Agora que estão mortos, talvez o país possa finalmente ter uma chance de recomeçar."

FAMILIA DO PRESIDENTE DEIXA GUINÉ- BISSAU

A viúva de «Nino» Vieira, Isabel Vieira, apareceu pela primeira vez em público, desde o assassinato, quando os restos mortais do Presidente foram colocados em câmara ardente, na sala do plenário da Assembléia Nacional Popular.

Isabel Vieira, que se encontrava na casa e foi poupada pelos rebeldes, estava até então abrigada na embaixada angolana em Bissau.

Nem ela nem os 12 filhos do presidente acompanharam o desfile fúnebre até ao Cemitério Municipal de Bissau.

Deixaram o país no mesmo avião militar senegalês que havia transportado os filhos de «Nino» Vieira para a capital guineense, a fim de assistirem às cerimônias fúnebres.

O destino inicial da família de «Nino» Vieira é o Senegal.



Utilizamos a tradução de apoio de George El Khouri Andolfato, para a UOL

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