28 de mar. de 2009

Os rituais da demagogia

Os rituais da demagogia
Ao denunciar a “gente branca, de olhos azuis” como responsável pela catástrofe financeira global, o presidente Lula perpetrou um conjunto de asneiras padrão-Bush. Descomunal.

Foto: Reuters (alterado por Toinho de Passira)

Fontes: Alberto Dines

A descortesia com o visitante, o premiê britânico Gordon Brown - escocês de nascimento, pele clara, olhos claros - é uma delas. O reacionarismo é outra. George Brown, à esquerda do novo PT, tem sido um ostensivo herdeiro da tradição social-democrata britânica, cobrador rigoroso das falhas do sistema financeiro britânico, defensor de soluções intervencionistas em favor da poupança popular. Como anfitrião e candidato a líder mundial, Lula deveria conhecer alguns dados que, aliás, qualquer leitor regular de jornais está farto de saber.

O dislate mais grave está no teor preconceituoso e racista da tirada presidencial. Estimular o ressentimento entre raças também é racismo, mesmo quando a favor das minorias. Além de redondamente enganado (há pelo menos dois negros na lista dos “grandes culpados” da crise americana), Lula mostra que embarcou na demagogia eleitoreira de algumas lideranças latino-americanas.

Ao invés de diferençar-se de Hugo Chávez, o presidente da República adota o mesmo simplismo e, sobretudo, o mesmo esquema de rancor. Cercado por sofisticados intelectuais e acadêmicos, amparado no seu currículo progressista e/ou na sua imbatível intuição, o presidente da república brasileira não tem o direito de ignorar o que se passou na Europa nos anos 20 e 30 nem as sangrentas consequências da demagogia dos bodes expiatórios.

Aqueles que buscaram possíveis semelhanças entre as consequências do crash de 1929 e os efeitos da catástrofe iniciada em 2008 sabem que as aproximações políticas seriam inevitáveis caso aparecessem lideranças irresponsáveis para açular as multidões em busca de culpados.

Benito Mussolini em 1922 brandia um patriotismo socialista, queria uma Itália cesarista, dona do Mediterrâneo. Onze anos depois, o nacional-socialismo de Adolf Hitler exibiu o seu caráter visceralmente racista: os judeus eram culpados pelo bolchevismo, pela cultura degenerada, pelo empobrecimento da Alemanha, pelos sofrimentos dos arianos, esta mesma gente “de pele branca e olhos azuis” que Lula agora apresenta como responsável pelos males da humanidade.

O presidente imagina que sabe tudo e graças a isso adota uma postura arrogante, certo de que sua popularidade funcionará indefinidamente como antídoto para o besteirol político.

Está brincando com fogo. Esquece que colocou o país prematuramente num palanque eleitoral e que nestas circunstâncias tudo é comício, tudo é entrevero, tudo é explosivo. Em época de boom econômico o vale tudo pode dar certo, a prosperidade perdoa impertinências e impropriedades. Diante do abismo convém acautelar-se.

A imagem de bonomia, indispensável para a atuação internacional do presidente Lula, é simplesmente incompatível com a beligerância rústica para a qual apela periodicamente. A maior prejudicada é, paradoxalmente, aquela que pretende entronizar como sucessora. A ministra Dilma Roussef pode exibir algumas características dos tecnocratas, mas nelas não se inclui a retórica caudilhista. Seus assessores pretendem torná-la mais “carismática”, mas o seu forte é operacional. E quanto mais vociferante for o desempenho do atual presidente mais distante ficará daquela que escolheu como herdeira.

Gafe irrelevante, dir-se-á em favor de Lula. O grau de irrelevância das gafes depende do seu volume e frequência. Depende, sobretudo, de fatores imprevisíveis, imponderáveis, que escapam ao voluntarismo dos marqueteiros.

Todos os grandes líderes políticos foram acusados, em algum momento, de demagogia. Faz parte do jogo. Porém, nem todos os demagogos são capazes de incendiar um país. Só os conhecemos a posteriori.


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