15 de abr. de 2013

VEJA: Dilma pisou no tomate

Dilma pisou no tomate que merece

BRASIL - Economia
Dilma pisou no tomate
O tomate virou o grande símbolo do desconforto e da apreensão dos brasileiros com a volta da inflação. O governo, até agora, pisou no tomate: usou apenas paliativos para enfrentar o problema. O que é mesmo inflação? Qual a diferença entre inflação e carestia?


Capa da Veja e da Época desta semana, mostrando que o governo pisou no tomate da inflação

Postado por Toinho de Passira
Texto de Ana Luiza Daltro e Adriano Ceolincom reportagem de Bianca Alvarenga
Fonte: Veja - 15/04/2013

Os fiscais brasileiros de Foz do Iguaçu, na fronteira do Paraná com a Argentina e o Paraguai, tiveram trabalho extra nos últimos dias: eles precisaram combater o contrabando de tomate. O tráfico ganhou força porque, no Brasil, o fruto chegou a custar o dobro do cobrado nos países vizinhos. O tomate liderou a alta de preços nos supermercados nos três primeiros meses do ano, com um reajuste médio de 60%. Em relação a igual período do ano passado, o aumento passou de 120%, e o quilo bateu nos 10 reais. Seu preço virou piada nacional. Dezenas de charges correram pela internet comparando o tomate a joias valiosas e obras de arte. Pena que aquilo que ele simboliza — a volta da inflação — não tenha graça nenhuma.

De acordo com os números do índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgados pelo IBGE na semana passada, a inflação acumulou uma alta de 6,59% nos doze meses encerrados em março, estourando assim o teto da meta inflacionária estabelecido pelo próprio governo. O centro da meta oficial é 4,5%, com uma tolerância de até 6,5%. Depois de muito tempo adormecido, o termo inflação voltou a cair na corrente de comunicação dos brasileiros. Boa pane da alta se deveu de fato aos alimentos. Uma combinação de chuvas em demasia em algumas áreas produtoras com seca em outras reduziu a oferta de vegetais populares nas refeições diárias dos brasileiros. A seca no Nordeste, por exemplo, quebrou a safra da mandioca, e o preço da farinha subiu 151% no último ano. Simples seria se a culpa pudesse ser atribuída unicamente às intempéries. O governo, na verdade, tem pisado no tomate já faz algum tempo quando o assunto é o combate ao reajuste de preços. Em menos de dois anos, é a segunda vez que a inflação estoura o limite superior da margem de tolerância. Desde o início do mandato de Dilma Rousseff, o IPCA não esteve em nenhum momento abaixo do centro da meta, de 4.5%. Não se pode, portanto, atribuir a escalada inflacionária a fatores circunstanciais e transitórios. A presidente Dilma afirmou certa vez que culpar os raios pelos apagões no fornecimento de energia deveria ser motivo de riso. Da mesma maneira, culpar os fenômenos meteorológicos pelo aumento da inflação também deve ser motivo de chacota. Para muitos economistas, a realidade dos preços supera os próprios índices oficiais de inflação.

Mas essa ainda não é a maior preocupação. O que assusta mesmo é o governo demonstrar dia após dia desconhecer as causas do processo inflacionário. Inflação não é aumento de preços. Inflação é a perda do poder de compra da moeda. E por que a moeda perde poder de compra? Porque ela é mais abundante do que os produtos à venda. Se houvesse mais produtos do que moeda para comprá-los, ocorreria o fenômeno inverso. As pessoas comprariam mais com menos dinheiro. Isso sabe qualquer veterano da heróica batalha contra o dragão inflacionário travada no governo Itamar Franco por seu ministro da Fazenda. Fernando Henrique Cardoso. Aumento de preços é carestia. Inflação é bicho mais tinhoso. É praga que se alastra silenciosa e rapidamente pelo mecanismo da indexação — cujo efeito, para a inflação, é o mesmo do primeiro gole para o alcoólatra, a abertura das portas do inferno. Carestia se combate com cone de impostos, com negociação entre produtores, intermediários e consumidores. Com a inflação, não tem conversa. Ela só entende uma coisa: aumento dos juros, corte de gastos do governo e aperto no crédito — todas medidas impopulares. Por ter feito dos juros baixos uma bandeira político-eleitoral, o governo se recusa a ver a realidade e insiste em segurar os preços por mecanismos que nunca funcionaram em nenhum tempo ou lugar — pelo menos sob o regime democrático.

Em vez de combater a inflação com as maneiras tradicionais e eficazes, pela contenção dos gastos públicos, aumento na taxa básica de juros e restrição ao crédito, o governo recorre, cada vez mais, a paliativos transitórios. Tudo em nome da obsessão de manter os juros baixos e assim, pretensamente, estimular o crescimento. "Um pouco mais de inflação é algo bom para o PIB. É nisso que se acredita em Brasília hoje", afirma o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. "Cristina Kirchner levou essa crença ao extremo. Curar a inflação de quase 30% ao ano com a qual os argentinos estão vivendo hoje será doloroso. Não existe mágica. Uma baita recessão será necessária, e alguém precisará fazer isso no futuro. Mas certamente não será ela:" O combate à inflação com artifícios tem pernas curtas. A ineficácia total da política de paliativos tem ficado escancarada, também no caso brasileiro. A intervenção constante do governo na economia assustou os investidores, e o volume de recursos aplicados na expansão da capacidade produtiva entrou em queda — exatamente o contrário do que deveria ocorrer em uma economia saudável que almeje o crescimento duradouro e não inflacionário. A atividade econômica mantém-se semiestagnada. Agora até mesmo o consumo, que permanecia em um nível vigoroso, dá sinais de arrefecimento. Por quê? O aumento dos preços reduziu o poder de compra da população, que, já endividada, teve de rever seus gastos.

Para completar, surgem as pressões pela reindexação da economia. "Quando a inflação fica alta por muito tempo, as pessoas começam a achar que essa é a inflação que será tolerada pelo governo", afirma o economista Mansueto Almeida. do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "Como o desemprego está em níveis baixos, os sindicatos conseguem negociar aumentos generosos para os salários das categorias que representam, levando em conta a perspectiva de inflação mais alta."" Mas esses ganhos são ilusórios: com a inflação em alta e a economia indexada, os salários nunca sobem acima dos reajustes nos preços. Os custos de produção também aumentam. Diz Mansueto Almeida: "A inflação não atrapalha apenas o consumidor que compra tomate, alface e carne. Ela prejudica a competitividade da indústria".

Charge: Sponhlz

No passado, no Brasil, a inflação já foi atribuída ao tomate, ao chuchu, a fatores psicológicos e aos atravessadores do varejo. Uma quebra de safra pode, sim, causar uma alta momentânea nos preços. Mas a inflação elevada e intermitente é uma evidência de desequilíbrios mais profundos. A inflação apenas viceja e se propaga quando existe mais dinheiro em circulação do que a economia é capaz de absorver. Ou, dito de outra forma, quando a demanda pelo consumo de produtos e serviços avança em uma velocidade superior ao crescimento da oferta. A economia não é uma ciência exata, mas possui certas regras bem estabelecidas. Uma delas é que incentivos ao consumo aumentam a demanda, e, quando esta cresce acima da oferta, os preços sobem. Outra lei econômica inquestionável é que a única maneira de combater verdadeiramente a inflação requer o controle da quantidade de dinheiro em circulação. Foi essa a lição que a primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher, que morreu na semana passada, pôs em prática assim que assumiu o poder, em 1979. Em Brasília, onde a prioridade é a popularidade da presidente, vive-se uma realidade paralela. As pressões são por mais medidas populistas, o que implica mais gastos, privilégios, subsídios, obstáculos à abertura comercial e a criação de mais empresas estatais.

O Brasil vive um retrocesso intelectual e de métodos aos anos 60, quando não havia nenhum dos atuais instrumentais de diagnóstico e controle de desequilíbrios econômicos estruturais. Hoje, sabe-se que, se o PIB de um país qualquer cresce apenas 1% enquanto o volume de empregos aumenta 2%, não há nada a comemorar, pois essa relação significa que há mais gente criando menos riqueza e, portanto, derrubando a produtividade. Quanto mais produtiva for uma economia, mais poderá crescer sem pressionar a inflação. Se em um país qualquer o comércio cresce mais do que a indústria, isso é um sinal de que os salários estão aumentando mais do que a produção. Para manter um equilíbrio saudável, o ideal é que a produção e os salários se elevem na mesma proporção. Bem, o "país qualquer" dos exemplos acima é o Brasil. Esses fenômenos inflacionários estão ocorrendo aqui e agora, com consequências funestas se suas causas não forem identificadas e combatidas.

Na semana passada, com a divulgação de que os índices de inflação superaram a meta estabelecida pelo governo, parece que se acendeu um alerta vermelho em Brasília. A avaliação geral é que a corrosão na credibilidade da política econômica foi longe demais. A inflação começa a preocupar os aliados de Dilma no Congresso. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), defende a ideia de que o governo adote medidas mais enérgicas para eliminar o problema. Alves alega que a mera duvida sobre a capacidade de debelar a escalada dos preços alimenta expectativas adversas entre os empresários, que por isso adiam investimentos e panem para a remarcação preventiva de seus preços. "As medidas anunciadas até agora foram paliativas e insuficientes", diz Alves. Para o ex-presidente da República José Sarney, que viveu na pele o drama da perda de popularidade em decorrência do fracasso do Cruzado e do descontrole inflacionário, o governo não pode afrouxar o rigor monetário. "A inflação desorganiza totalmente a economia e penaliza os mais pobres. Isso é a pior coisa que existe", afirma Sarney, "No meu governo, havia inflação com correção monetária, o que é pior ainda. No princípio do mês, todo mundo era rico. No fim do mês. todo mundo era pobre." Já o senador Delcídio Amaral (PT-MS) sai em defesa das medidas adotadas pela presidente: "O governo está fazendo todo o esforço. E ainda tem instrumentos para utilizar, como o aumento de juros pelo Banco Central".

O Congresso tem como colaborar nos esforços, rejeitando projetos eleitoreiros que elevam as despesas públicas e aprovando gastos orçamentários mais realistas. Justamente o contrário do comportamento observado nos últimos anos. A ajuda parlamentar, quando existe, restringe-se ao apoio a medidas baixadas pela presidente a fim de combater a carestia, caso da desoneração da cesta básica e da redução da conta de energia. Essas iniciativas se tornaram bandeiras publicitárias do governo, mas foram insuficientes para conter a disseminação dos reajustes. A boa notícia é" que as condições climáticas melhoraram no campo, e o preço do tomate e de outros produtos alimentícios está em queda. A má notícia é que as causas históricas e estruturais da ainda elevada inflação brasileira permanecem intactas. A falta de infraestrutura adequada fez com que os caminhões formassem filas nos portos, aumentando o preço do frete mesmo das mercadorias consumidas localmente.

Uma redução efetiva na carga tributária teria o poder de dar mais competitividade às empresas e baixar seus custos. No modelo de Margaret Thatcher, as oportunidades deveriam ser semelhantes para todos. No modelo petista, é o governo que escolhe aqueles que serão beneficiados. Do ponto de vista eleitoral, o governo conta com um cenário favorável. Os dias de euforia na economia ficaram para trás, mas mesmo o baixo ritmo de crescimento previsto para os próximos trimestres deverá ser suficiente para preservar a taxa de emprego em patamares historicamente altos. Cedo ou tarde. porém, mais cedo do que tarde, a inflação terá de ser combatida com medidas amargas, mas as únicas eficazes. Nessa hora é que as damas de ferro provam seu valor de estadistas.


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