18 de abr. de 2009

Minhas veias abertas

Minhas veias abertas
Sobre o livro que Hugo Chávez presenteou Barck Obama

Foto:Getty Images

O presidente Hugo Chávez entre ao presidente Obama o livro: 'The Open Viens of Latin America' ("Veias Abertas da América Latina")

O escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano publicou pela primeira vez em 1971 sua famosa obra As veias Abertas da América Latina. Desde então, este livro tem sido um referencial para todos aqueles que se propõem a compreender melhor a história deste continente. Trata-se de uma obra rica em detalhes e escrita com fervor apaixonado por um homem que se reconhece como parte desta história, uma vez que, como latino-americano, tem consciência de que a ordem social na qual está inserido é uma resultante do que a conquista e a colonização européia legou a todos nós.

Ganhei um exemplar de Veias Abertas, que tinha uma apresentação de Antonio Callado, de Maria das Graças Melo Luna, que me considerava direitista e queria ver até onde eu ia agüentar um livro que dilacerava o capitalismo e os Estados Unidos, não sem antes, mostrar a face cruel do colonialismo inglês, português e espanhol, entre nos latinos americanos.

Não sofri, pois, não consegui ler o tal livrinho de capa branca, por mais que tivesse tentado. Achava chato, difícil e sem importância. Naquele tempo era conhecido como devorador de livros, mas preferia romances como os de Jorge Amado, de Malba Tahan, (o professor de matemática Júlio César de Melo e Sousa), de Julio Vernes e até de José Mauro de Vasconcelos (“Meu pé de Laranja Lima”) e outros que nem sei mais os nomes.

Creio ter sido pela qualidade das minhas leituras que acabei abandonado.

Só algumas mulheres depois, a professora Eneida Flores (pseudônimo) presenteou-me Quarup de Antônio Callado (as mulheres sempre queriam ver se eu melhorava). Como era um romance li de bom grado e mais de uma vez.

Depois disso lembrei-me de “Veias Abertas...” que pensava fosse também de Antônio Callado, mas ele só estava apresentado o exemplar que eu ganhara.

Lembro dos detalhes, até a natureza colaborou, foi um fim de semana chuvoso e passei todo lendo e relendo os capítulos do livrinho...

Fique insuportável, comprei não sei quanto exemplares, distribui com amigos e parentes, só queria falar do livro.

Quando encontrei Maria das Graças novamente falei que havia lido, comentei minha conclusões e ela me olhou como quem vê alguém precisando de um “upgrade” e falou que acabará de ler “O Capital” de Karl Max, no original, em Alemão, creio, até me deu um exemplar. Não sei onde estão nem o livro, nem ela.

Em 1845, os Estados Unidos tinham anexado os territórios mexicanos de Texas e Califórnia, onde restabeleceram a escravidão em nome da civilização.

Na guerra, o México também perdeu os atuais estados norte-americanos de Colorado, Arizona, Novo México, Nevada, Utah. Mais da metade do país. O território usurpado eqüivalia à extensão atual da Argentina.

“Coitado do México! - diz-se desde então - Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos.”

Trecho do prefácio de "As Veias Abertas da America Latina"

Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta.

Passaram os séculos, e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Este já não é o reino das maravilhas, onde a realidade derrotava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus das conquistas, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como um serviçal.

Continua existindo a serviço de necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que ganham, consumindo-os, muito mais do que a América Latina ganha produzindo-os.

São muito mais altos os impostos que cobram os compradores do que os preços que recebem os vendedores; e no final das contas, como declarou em julho de 1968 Covey T. Oliver, coordenador da Aliança para o Progresso, "falar de preços justos, atualmente, é um conceito medieval. Estamos em plena época da livre comercialização..."


Eduardo Hughes Galeano
Quanto mais liberdade se outorga aos negócios, mais cárceres se tornam necessário construir para aqueles que sofrem com os negócios. Nossos sistemas de inquisidores e carrascos não só funcionam para o mercado externo dominante; proporcionam também caudalosos mananciais de lucros que fluem dos empréstimos e inversões estrangeiras nos mercados internos dominados.

“Ouve-se falar de concessões feitas pela América Latina ao capital estrangeiro, mas não de concessões feitas pelos Estados Unidos ao capital de outros países... É que nós não fazemos concessões”, advertia, lá por 1913, o presidente norte-americano Woodrow Wilson.

Ele estava certo: “Um país - dizia - é possuído e dominado pelo capital que nele se tenha investido.” E tinha razão. Na caminhada, até perdemos o direito de chamarmo-nos americanos, ainda que os haitianos e os cubanos já aparecessem na História como povos novos, um século antes de os peregrinos do Mayflower se estabelecerem nas costas de Plymouth.

Agora, a América é, para o mundo, nada mais do que os Estados Unidos: nós habitamos, no máximo, numa sub-América, numa América de segunda classe, de nebulosa identificação.

É a América Latina, a região das veias abertas. Desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder.

Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm sido sucessivamente determinados, de fora, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo.

A cada um dá-se uma função, sempre em benefício do desenvolvimento da metrópole estrangeira do momento, e a cadeia das dependências sucessivas torna-se infinita, tendo muito mais de dois elos, e por certo também incluindo, dentro da América Latina, a opressão dos países pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro das fronteiras de cada país, a exploração que as grandes cidades e os portos exercem sobre suas fontes internas de víveres e mão-de-obra. (Há quatro séculos, já existiam dezesseis das vinte cidades latino-americanas mais populosas da atualidade.)

Para os que concebem a História como uma disputa, o atraso e a miséria da América Latina são o resultado de seu fracasso. Perdemos; outros ganharam. Mas acontece que aqueles que ganharam, ganharam graças ao que nós perdemos: a história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já se disse, a história do desenvolvimento do capitalismo mundial.

Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória alheia, nossa riqueza gerou sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros: os impérios e seus agentes nativos.

Na alquimia colonial e neocolonial, o ouro se transforma em sucata e os alimentos se convertem em veneno.

Potosí, Zacatecas e Ouro Preto caíram de ponta do cimo dos esplendores dos metais preciosos no fundo buraco dos filões vazios, e a ruína foi o destino do pampa chileno do salitre e da selva amazônica da borracha; o nordeste açucareiro do Brasil, as matas argentinas de quebrachos ou alguns povoados petrolíferos de Maracaibo têm dolorosas razões para crer na mortalidade das fortunas que a natureza outorga e o imperialismo usurpa.

A chuva que irriga os centros do poder imperialista afoga os vastos subúrbios do sistema. Do mesmo modo, e simetricamente, o bem-estar de nossas classes dominantes - dominantes para dentro, dominadas de fora - é a maldição de nossas multidões, condenadas a uma vida de bestas de carga.

Baixe o livro em PDF: As Veias abertas da América Latina"


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