30 de mai. de 2013

Status no lixo, de Lucas Mendes, de Nova York para a BBC Brasil

USA - Nova Iorque
Status no lixo
A "Lixóloga" Robin Nagle, citando um apanhador de lixo: "Você pode passar toda a sua vida sem ter que chamar um policial, sem nunca chamar um bombeiro. Mas você precisa de um lixeiro todos os dias."

Foto: Arquivo pessoal Robin Nagle

LIXÓLOGA - Robin Nagle, a antropóloga da Universidade de Nova York, entre os caminhões de lixo, o mundo que ela gosta de estudar e louvar.

Postado por Toinho de Passira
Texto de Lucas Mendes , de Nova York para a BBC Brasil
Fontes: BBC Brasil, The New York Times, Waste Recycling, New York Daily News

Gorjeta do carteiro? Confere. Gorjeta do zelador? Confere. Gorjeta do estacionamento? 8 pessoas. Putz! Confere.

Gorjeta do entregador do jornal? Confere. Gorjeta da diarista? Confere. Do engraxate? Confere. Do garçom? Confere.

Gorjeta do lixeiro? Nem vem qui num tem.

O lixeiro é tão ou mais essencial no nosso dia a dia do que a maioria dos que nos servem, mas continua invisível e pouco apreciado. Chama atenção quando faz barulho ou bloqueia a rua com seu caminhão. Então mandamos recados para a mãe dele e fazemos coro de insulto na buzina.

Nova York viveu 200 anos sem eles. Quando os moradores começaram a morrer de doenças contagiosas e intoxicações, foi criado o Departamento de Saneamento Público. Sucesso. Até então, o lixo era entregue aos porcos que viviam soltos na cidade.

Foto: Arquivo da Biblioteca do Congresso USA

Lixeiros perfilados para desfilar pelas ruas de Nova Iorque. Curiosidade entre 1895 a 1930, os lixeiros nova-iorquinos usavam uniformes brancos.

A limpeza e o fim do mau cheiro trouxeram alívio e alegria. Os lixeiros foram homenageados num desfile pela Quinta Avenida como fazem hoje com os astronautas, times campeões e outros heróis. Com suas vassouras nos ombros, foram aplaudidos do começo ao fim e não houve arremesso de papel picado das janelas.

Quando o atual prefeito de Nova York disse que era mais perigoso ser lixeiro do que policial, levou cacetadas nos editorais e dos sindicatos, mas quando saiu o relato anual das profissões mais perigosas do país, os lixeiros apareceram em quarto lugar.

A lista varia de ano para ano, mas a coleta de lixo está sempre entre as dez profissões mais perigosas. Lixeiros são vítimas de atropelamentos e produtos tóxicos. Policiais e bombeiros nunca entram na lista das 10 mais perigosas. Estão mais perto das profissões mais seguras do país.

Quantos filhos ou mulheres batem no peito com orgulho para anunciar que o pai ou o marido é lixeiro? A maioria esconde, nos conta a ex-lixeira e antropóloga do lixo, Robin Nagle, que acaba de lançar o livro Picking Up, com um raio-X do lixo e dos lixeiros de Nova York. Ela passou nos testes, viveu o cheiro, os perigos, subiu na carreira, dirigiu os caminhões, enfim, fez de tudo no mundo do lixo durante dois anos.

Com o salário, pagou parte dos estudos e hoje é professora de antropologia e estudos urbanos da New York University, mas nas várias entrevistas informa que limpar o lixo oferece gratificações pessoais mais imediatas do que o magistério. Também tem o posto de "antropóloga residente" no DSNY, Departamento de Saneamento de Nova York.

O salário inicial da universidade é mais alto, mas empatam depois de cinco anos, na faixa de US$ 5 mil por mês (US$ 10 mil). Em ano de furacão e nevascas, com as horas extras, o salário chega a US$ 90 mil. Supervisores estão na faixa de US$ 100 mil ou pouco acima. Só 10% dos americanos ganham mais do que US$ 111 mil por ano e a maioria não têm os benefícios dos lixeiros.

Foto: Arquivo Departamento Saneamento de New York

Varredor de rua, em meio ao transito de Nova Iorque, 1920

Esta semana, depois de 5 anos, a prefeitura abriu concurso para os "san men", como preferem ser chamados. Há menos do que mil vagas e mais de 32 mil candidatos dispostos a pagar US$ 49 para fazer o teste.

A prefeitura achou que era injusto e sorteou 12 mil nomes para o concurso, entre eles um número recordista de mulheres. No momento, elas são apenas 196 numa força de 7.200 que coleta 10 mil toneladas de lixo residencial por dia e outras 2 mil toneladas de recicláveis.

Quem ficou fora do sorteio protestou. Entre os candidatos, há filhos de lixeiros que se orgulham da profissão e do padrão de vida que receberam dos pais. Ainda são poucos, mas cada vez mais numerosos.

Além das estatísticas, sempre importantes e quase sempre chatas, Robin conta boas histórias, inclusive sobre o vocabulário dos lixeiros. "Mongo", como substantivo, significa o lixo que tanto a população quanto lixeiros levam das ruas para casa. A rigor, o lixo pertence à cidade, mas ninguém foi preso pelo crime. O verbo, to mongo, é a prática de "mongar".

Para os lixeiros, a primavera é "maggot", porque os vermes enchem as lixeiras; "air mail", via aérea, é lixo arremessado do alto pelos preguiçosos que não querem descer e subir escadas. Tentam arremessar os sacos na carroceria do caminhão. Raramente acertam.

Um livro não vai transformar lixeiros em heróis, mas acelera um processo rumo ao respeito e status que merecem. Os "mongadores" não vão encontrar o livro de Robin nas latas de lixo.

Foto: Debbie Egan-Chin/New York Daily News

MISS LIXO - Mary Ellen Connolly, 36 anos, ex-técnica de raio-X, uma das recém contratadas pela prefeitura como coletora de lixo, foi notícia em várias publicações americanas. Representa um novo perfil de profissionais no ramo, atraídos pelos salários, benefícios e aposentadoria em 20 anos de serviço.


*Acrescentamos subtítulo, fotos e legendas a publicação original

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