AFEGANISTÃO: Hamid Karzai – O homem que ludibriou o ocidente
Afeganistão Hamid Karzai – O homem que ludibriou o ocidente Por R. Lobo
Editorial do Jornal espanhol El País Foto: White House Fontes: El Pais , UOL
Em um mundo governado pela imagem, Hamid Karzai obteve metade de seu êxito internacional graças a seus trajes exóticos: a capa verde de seda chamada chapam e seu gorro karakul. Essa elegância causou sensação em sua primeira aparição nos Estados Unidos. Era fevereiro de 2002. O contraste entre aquele homem educado que se expressava em um inglês perfeito e os grosseiros talebans que disparavam seus canhões contra os Budas de Bamiyan e maltratavam as mulheres resultou na mais eficaz campanha política. Agora, passados os anos, os fracassos políticos, os casos de corrupção e os soldados ocidentais mortos em um país que em vez de avançar retrocede, a imagem do amigo afegão começa a se diluir. As virtudes viram defeitos, e a memória enfraquece. Ninguém se lembra de mais nada, nem os arquivos da imprensa. Foi o escolhido para o dia seguinte pela administração americana anterior, lançada a uma guerra internacional contra o terror que tanto servia para expulsar os talebans como para derrubar velhos amigos como Saddam Hussein. A ele lhe foi entregue o governo de Cabul, simbolicamente (quem tem Cabul tem o poder), e em Cabul continua, fechado em seu palácio do qual quase não sai, mais como prefeito de uma cidade que é uma ilha de relativa segurança em um mar de tubarões. Foto:Getty Images É um homem encurralado por medos e ameaças reais e imaginárias que vão recortando seu espaço vital, seu ar político.
Então negociou e voltou a negociar este ano com os grandes senhores da guerra, os que destroçaram o país depois da saída dos soviéticos. Em agosto, às vésperas do primeiro turno, mandou aprovar uma lei que contentava os xiitas hazaras mais conservadores, segundo a qual a mulher poderia ser privada de alimento caso negasse ter relações sexuais com seu marido. A mudança de uma administração Bush para uma Obama o atropelou de surpresa. Suas desavenças com o enviado especial americano, Richard Holbrook, mostram uma nova distância, são a prova de que o homem-de-palha adquiriu vida própria e já não gosta de seus criadores. Em um mundo governado pela imagem, o Ocidente se vestiu com sua própria capa de seda e cobriu com ela os olhos para não enxergar. As primeiras imagens de Cabul libertada dos talebans, onde os homens raspavam a barba e as mulheres descobriam o rosto oculto pela burca diante das câmeras de televisão, se revelaram tão falsas quanto as últimas eleições.
"Os anos de Karzai, o homem do Ocidente, não melhoraram a situação da mulher, submetida frequentemente a uma tradição feudal e machista. Karzai esconde sua esposa Zinat, confina-a em seu palácio em um papel secundário, apesar de ser uma mulher instruída e capaz que bem poderia encabeçar uma verdadeira mudança. Meu esposo não gosta, não posso sair sem sua permissão", declarou em uma ocasião. A imagem projetada por esse gesto, por essas palavras, é devastadora. Hamid Karzai é um pashtun, a etnia majoritária do país, da qual surgem os talebans. Pertence à mesma tribo do mulá Omar e do pai de seu rival Abdullah Abdullah, que é visto no Afeganistão como tadjique por causa de sua mãe, e porque foi braço direito do líder histórico dos tadjiques afegãos, Ahmed Masud. A biografia de Karzai ressalta que ele lutou contra a invasão soviética, mas o fez a partir do gabinete de um dos chefes mujahidin próximo da CIA. Dessa época vêm suas ligações com os Estados Unidos, que com o tempo se tornaram mais complexas, com seu trabalho para a petroleira californiana Unocal, uma colaboração que anos depois continua gerando muita notícia em um país inclinado à exageração histórica, e no qual todos os afegãos veem uma conspiração estrangeira em cada movimento político. *Acrescentamos ao texto original do jornal espanhol "El País", fotos e legendas **Alteramos o título e acrescentamos subtitulo. ***Utilizamos basicamente a tradução de Lana Lim da UOL |
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