No final, todos saíram felizes - O peemedebista Romero Jucá e Renan Calheiros comemoraram o arquivamento das acusações contra o senador José Sarney
Texto Otávio Cabral
Fonte: Veja
A operação que salvou o presidente do Senado, José Sarney, começou no fim da tarde da quarta-feira 12 de agosto. O presidente Lula convocou para uma conversa seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, e o presidente do PT, Ricardo Berzoini. Relatou aos dois um recado que havia recebido na véspera dos senadores José Sarney e Renan Calheiros.
A dupla avisara que, caso o PT se negasse a usar sua força para engavetar os processos contra o presidente do Senado, o PMDB abandonaria a campanha presidencial de Dilma Rousseff. "Não vamos aceitar jogo de cena do PT", disse Calheiros. Preocupado, Lula determinou a Berzoini e Carvalho que levassem a seguinte ordem ao senador Aloizio Mercadante, líder do partido no Senado: "É para salvar o Sarney".
Embora tenha sido exitosa, a missão não era simples. Os senadores do PT estavam divididos entre a lealdade ao presidente e a própria sobrevivência política. A maioria não tinha nenhum problema de consciência em absolver Sarney, mas temia se desgastar junto à opinião pública.
Afinal, cerca de 70% dos brasileiros, segundo pesquisa do instituto Datafolha, querem vê-lo fora do comando do Senado. Contrariar a opinião pública, faltando pouco mais de um ano para as eleições, é sempre uma temeridade.
O foco de resistência era o Conselho de Ética. Dois dos três representantes do partido, Delcídio Amaral e Ideli Salvatti, não queriam votar publicamente pela absolvição de Sarney, embora sejam ferrenhos aliados do senador. Estavam receosos do reflexo que isso poderia ter na campanha no ano que vem.
O único senador totalmente à vontade para defender Sarney era o amazonense João Pedro. Suplente, sem voto e, portanto, sem motivo para ter vergonha, João Pedro é um antigo companheiro de pescaria de Lula e faz qualquer coisa para agradar-lhe. Os dois votos petistas levariam Sarney ao cadafalso.
Fotos: Celso Junior/AE - Tarcisio Mattos/Tempo Editorial - Cristiano Mariz
Voto envergonhado : Delcídio tapou o rosto e disse "sim" a Sarney fora do microfone
Ele manda, ela faz : Ideli não queria se desgastar, mas teve de cumprir a ordem
Um líder para a história: Mercadante "renunciou à renúncia" e "revogou o irrevogável"
Para contornar o problema, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, sugeriu a substituição do senador Delcídio Amaral pelo suplente, Roberto Cavalcanti, do PRB da Paraíba (voto pró-Sarney). Ideli Salvatti se absteria na hora de verbalizar sua decisão e todos sairiam felizes. Havia, porém, outro problema.
O líder Aloizio Mercadante já tinha dito publicamente que não patrocinaria nenhuma manobra para salvar Sarney. Cabe apenas ao líder substituir os membros das comissões. Ficou acertado que, para evitar o constrangimento, Mercadante faria uma "viagem" ao Uruguai por uns dias. Ele topou a armação, mas, depois de pensar bem, voltou atrás. Na tarde da sexta-feira 14, ligou para Gilberto Carvalho para avisar que desmarcara a "viagem". Mercadante concluiu que a manobra o desgastaria ainda mais perante o eleitorado. "Não vou mais. Na segunda-feira estarei no Congresso." A quebra do acordo irritou o presidente Lula e o PT, que sentiu na decisão de Mercadante cheiro de traição e de uma indesejada rebelião no partido.
Foto: Ricardo Stuckert / PR
José Dirceu, a direita, foi convocado por Lula, ao centro, para salvar a candidatura de Dilma, a esquerda
No fim de semana, Lula resolveu cuidar pessoalmente do trabalho de alinhamento dos senadores petistas, escalando uma tropa de choque para convencê-los da importância da missão. E que tropa. José Dirceu, o "capitão" do time de Lula que hoje é réu sob a acusação de chefiar a quadrilha do mensalão, naquele tom que lhe é característico conforme o nível de servilismo ou resistência do interlocutor, falou aos colegas sobre a necessidade de salvar Sarney para ter o PMDB ao lado de Dilma em 2010.
Fotos: Fabio Rodrigues Pozzebom/Abr e Antonio Cruz/ABr
Tarso Genro foi convocado para silenciar Paulo Paim
Seu principal adversário dentro do PT, o ministro Tarso Genro, da Justiça, também ajudou na operação – usando a ameaça como argumento. A mando de Lula, Genro procurou o senador Paulo Paim, seu conterrâneo do Rio Grande do Sul, e falou que ele só seria candidato à reeleição se não fizesse nenhuma manifestação contra Sarney. Paim se calou.
Gilberto Carvalho e Berzoini,bastidores da conspiração do "fica Sarney" |
O senador Mercadante, já sem controle da bancada que acreditava liderar, passou a protagonizar um vexame atrás do outro. Depois de desistir da farsa uruguaia, ainda ouviu um sermão de Ricardo Berzoini e Gilberto Carvalho. Os dois disseram ao senador que o governo não aceitava sua posição dúbia e que ele deveria substituir, sim, Delcídio Amaral e Ideli Salvatti no Conselho de Ética.
Mercadante, então, ameaçou pela primeira vez renunciar à liderança do PT no Senado. Embora ninguém tenha pedido que ficasse, ele não consumou a ameaça, advertido por Berzoini de que ainda poderia ficar sem legenda para disputar a eleição paulista de 2010.
O passo seguinte foi chamar Delcídio e Ideli para uma conversa. "Ser governo tem ônus e bônus. Agora é a hora do ônus", explicou Berzoini. A dupla aceitou a missão. Na noite de terça-feira, Berzoini foi à casa da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e, na presença do senador, informou: "Vamos cumprir integralmente o acordo".
No rol de humilhações, a cúpula do PT produziu mais uma para enquadrar Mercadante. Exigiu que ele lesse uma nota do partido orientando os senadores a votar pela absolvição de Sarney. Quem acabou lendo a nota foi o suplente João Pedro. Delcídio e Ideli passaram a sessão calados e cabisbaixos, com o rosto enfiado em jornais e revistas, para fugir das câmeras de televisão. Na hora de votar, disseram "sim" para Sarney fora dos microfones.
Marina Silva e Flávio Arns, saindo do PT |
Mercadante anunciou que renunciaria à liderança do partido. O senador chegou a marcar a hora do discurso da renúncia, a qual anunciou como "irrevogável". Mas, depois de uma conversa com Lula, a coragem passou.
Ele então fez uma das mais convolutas piruetas político-semânticas de que se tem notícia. Mercadante conseguiu o feito digno de guru indiano de "renunciar à renúncia" e "revogar o irrevogável". Continuará liderando a tropa petista sobre a qual ele já não exerce liderança alguma.
Em sentido inverso, a senadora Marina Silva cumpriu o que anunciou e abandonou o PT. O mesmo ocorreu com o senador Flávio Arns, que nem anúncio prévio fez. Ao se transformar em um partido em que um Renan vale mais do que uma Marina Silva, o PT perdeu o pouco de brilho que sua estrela ainda emanava.
*”Os bastidores da operação que poupou Sarney” é o título original da matéria na Veja
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