A fiscal que fiscalizava – ou a incrível petista honesta que desagradou a companheirada
BRASIL - Corrupção A FISCAL QUE FISCALIZAVA A incrível petista honesta que desagradou a companheirada Maria Suely Fernandes, uma petista de longa data, foi nomeada para fiscalizar a Fundação Banco do Brasil – e, pensou que era para levar à sério, encontrou irregularidades, denunciou e colaborou com as investigações, por causa disso, sua vida se transformou num inferno Foto: Adriano Machado/Bloomberg/Getty Images Postado por Toinho de Passira A administradora de empresas Maria Suely Fernandes, funcionária de carreira do Banco do Brasil, sempre quis trabalhar com projetos sociais. Há três anos, graças à indicação do PT, teve sua chance. Aos 29 anos, conseguiu uma vaga na Fundação Banco do Brasil, braço filantrópico da empresa, dominado pelo PT há dez anos. Com um orçamento anual de R$ 200 milhões, ele se dedica a financiar projetos sociais. Suely era filiada ao PT de Minas Gerais desde a adolescência e fora indicada ao cargo pelo sindicalista Jacques Pena, ex-presidente da fundação e quadro influente do partido em Brasília – ele foi um dos coordenadores da campanha presidencial de Dilma na capital da República, em 2010. Quando assumiu o posto, Suely recebeu uma missão delicada: fiscalizar – ou não – a correta aplicação do dinheiro investido pela fundação em projetos sociais, a maioria deles ligados ao PT. Suely e o sindicalista Pena logo descobririam ter cometido os maiores erros de suas vidas. Para desgosto de Pena e do grupo petista que controla a fundação, Suely ignorou o apadrinhamento do partido. Resolveu fazer seu trabalho – e era boa nele, segundo funcionários da fundação que conviviam com ela. Descobria tudo, fossem pequenas falhas na apresentação de projetos, fossem fraudes complexas em contratos milionários. Os casos acumulavam-se. Revelavam, pelas semelhanças e nomes dos beneficiários, que a fundação desviava, sistematicamente, dinheiro para gente do PT. Ingênua, Suely relatava as falcatruas encontradas – a maioria envolvendo seu padrinho político, Jacques Pena – a seus superiores na fundação e no Banco do Brasil. Era ignorada. Ela insistiu, insistiu, insistiu… até que, em dezembro passado, convencida de que ali ninguém nada faria, juntou seus relatórios e denunciou as fraudes ao Ministério Público do Distrito Federal e à Polícia Civil de Brasília. A polícia e o MP passaram a investigar o caso. Os dirigentes da fundação, ao saber da colaboração de Suely com as autoridades, promoveram-na ao almoxarifado. Não tardou para que ela deixasse a fundação e voltasse ao serviço no Banco do Brasil. Foi então que Suely finalmente percebeu com quem estava se metendo. Poucos dias depois de deixar a fundação, segundo relatos, recebeu um torpedo no celular com seu nome, local de trabalho e nome e idade de seu filho, que tem 6 anos. Suely interpretou o torpedo como uma ameaça velada. Comunicou o ocorrido aos delegados que investigavam a fundação. A polícia não conseguiu rastrear a origem da ameaça. Dias depois, Suely recebeu outro torpedo. Ele continha informações sobre seu cotidiano e de seu filho, como horário em que ele deixara a escola e a placa da van que o transportava diariamente. Apavorada, temendo por sua vida e pela vida de seu filho, Suely conseguiu convencer a direção do Banco do Brasil a transferi-la para outro Estado. A decisão de enfrentar o esquema montado pelo padrinho custara-lhe a vida em Brasília. Teve de deixar tudo para trás. Levou apenas o filho. Hoje, vive longe, e vive com medo. Tanto medo que, procurada por ÉPOCA, recusou-se a dar entrevista sobre o caso. O drama de Suely, ao menos, não foi em vão. Com autorização da Justiça, os delegados e promotores do caso interceptaram os telefones dos dirigentes da fundação, incluindo o sindicalista Pena. As escutas confirmaram as informações prestadas por Suely e revelaram mais casos de desvio de dinheiro. Há dez dias, o juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Frederico Ernesto Maciel, autorizou a polícia e o MP a apreender documentos e computadores na sede da fundação, em Brasília, e nos escritórios dos suspeitos de integrar o esquema. ÉPOCA teve acesso à decisão do juiz. Assim o juiz Maciel explica o que foi descoberto nas escutas: “Os representados (suspeitos) planejam a forma de burlar a lei para desviar dinheiro público, discutem entre si expressivos valores que poderão obter ilegalmente, irregularidade de pagamentos, fraudes em contratos e convênios e execuções de projetos que possam se apropriar do dinheiro público”. Foto: Rodrigo Lima/Nitro/ÉPOCA Os investigadores também descobriram, por meio das escutas, que a ONG de Joy Pena apresentou uma nota fiscal fria para receber recursos antecipados da fundação. As conversas interceptadas mostram, ainda, que Joy Pena atuava como lobista do grupo. Buscava “projetos sociais”, sempre de gente ligada ao PT, que pudessem receber dinheiro da fundação. É dos quadros do PT o prefeito do município gaúcho de Canoas, Jairo Jorge, cunhado de Pena – a fundação financiou em Canoas projetos de reciclagem de lixo e “inclusão digital”. Numa das escutas realizadas pela polícia, funcionários da fundação cogitavam transferir um equipamento de triturar lixo de obra – adquirido para o município vizinho de São Leopoldo, com recursos da fundação – para Canoas, em razão de a prefeitura de São Leopoldo ter passado para as mãos de PSDB nas últimas eleições.
Quanto mais os investigadores cavavam na fundação, mais encontravam. Numa das escutas, funcionários disseram que o presidente da cooperativa de catadores de lixo de Uberaba, a Cooperu, se apropriara de dois caminhões doados com dinheiro da fundação, para transportar material de uma empresa particular. Os funcionários da fundação ainda apelidaram a cooperativa de Coopergato, numa alusão à quantidade fantasiosa de catadores de lixo associados à cooperativa. Descobriu-se que a fundação investe em qualquer coo¬perativa. Uma delas, espécie de cooperativa do novo milênio, chamada Casa das Redes, recebeu R$ 370 mil.
A associação é comandada pelo jornalista Pablo Capilé, guru do Movimento Fora do Eixo e da Mídia Ninja. O dinheiro serviria para criar uma “estação digital” em Brasília. E o que faria essa estação? Difícil saber. O argumento de Capilé para convencer a fundação a lhe entregar dinheiro é irresistível: chaleirar o governo petista. “Na gestão Lula, o acesso aos recursos e bens de produção, principalmente sustentados pelas novas tecnologias, somados ao empoderamento da sociedade civil, como partícipe da construção de políticas públicas para o setor foram medidas importantes que contribuíram para a articulação, fortalecimento e ampliação de alternativas econômicas à classe cultural em todo o país”, escreveu Capilé. Com o dinheiro na mão, Capilé e seus amigos Fora do Eixo alugaram uma casa bacana em Brasília. Mobiliaram e equiparam a casa com tudo o que têm direito: bons móveis, TVs de LCD, computadores MacBook, mas não quaisquer MacBooks: MacBooks Air, aqueles fininhos, mais modernos e charmosos. A fundação banca o aluguel, contas de água, luz e telefone de nove ativistas e um bebê de 9 meses, Benjamin, filho de um deles. (Não se sabe se a fundação paga as fraldas.) Por dentro, a tal casa criativa parece mais uma start up de tecnologia que uma comunidade de “agitadores culturais”, como eles se definem. Como a luta de Capilé e de seus amigos Fora do Eixo nunca foi pelos 20 centavos, há também um carro para servir a casa. Até recentemente, de acordo com uma apuração da própria fundação, o carro circulava pelas ruas de São Carlos, no interior paulista. Jacques Pena afirma que saiu da fundação há mais de três anos e que não comentaria assuntos da instituição. A gestora da Casa das Redes, Carolina Tokuyo, diz que atendeu a todas as exigências da fundação. O prefeito de Canoas, Jairo Jorge, diz que ser cunhado de Jacques Pena só atrasou a aprovação de um convênio solicitado pela prefeitura. O presidente da Cooperu, José Eustáquio de Oliveira, afirma não ter se apropriado dos caminhões doados com recursos da Fundação Banco do Brasil. A Fundação Banco do Brasil disse que colabora com as investigações e que “atua em conformidade às normas dos órgãos de administração, controle e fiscalização externos e internos”. A direção do Banco do Brasil afirma que não tem conhecimento das irregularidades praticadas na fundação. |
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