Um dia após serem retirados do local em ação das polícias Federal e Militar que deixou um morto, índios terena voltaram a invadir nesta sexta-feira (31) a fazenda Buriti, em Sidrolândia (72 km de Campo Grande).
Preocupada com a repercussão do assassinato de uma liderança indígena em Mato Grosso do Sul na quinta-feira, a presidente Dilma Rousseff convocou ontem reunião de emergência no Palácio da Alvorada para analisar a situação.
Orientada pelo Planalto, a Funai divulgou nota à noite em que diz "lamentar a falta de diálogo" e a reintegração de posse das fazendas Cambará e Buriti, na zona rural do município de Sidrolândia.
Foto: Autor não identificado
Os amigos de Oziel, socorrem o índio mortalmente ferido
O corpo do índio terena Oziel Gabriel, 35 anos, morto no conflito foi autopsiado pelo médico legista Walney Pereira. No laudo, ele atesta que o tiro disparado entrou abaixo do tórax, acertou o fígado e saiu pelas costas do terena, causando "choque hipovolêmico". A hipótese mais viável é a de que ele tenha sido atingido por uma bala de grosso calibre.
Em protesto, os terenas voltaram a invadir as fazendas de Sidrolândia ontem. Pelo menos 100 índios entraram nos imóveis no final da manhã. No local havia outros 200 índios que conseguiram driblar as forças policiais que realizaram a ação de despejo na quinta-feira.
Foto: Moisés Palácios/Futura Press
Bloqueio dos Terenas
A Funai criticou o cumprimento da ordem de reintegração de posse na fazenda, propriedade do ex-deputado Ricardo Bacha (PSDB), antes do julgamento de recurso que a instituição havia impetrado e que está em andamento no Tribunal Regional Federal da 3.ª Região.
"A Funai considera lamentável o fato de ter sido determinado o cumprimento da ordem de reintegração antes do julgamento desse recurso, sem que pudesse informar e dialogar previamente com os indígenas, bem como acompanhar as medidas voltadas à efetivação da decisão", diz a nota.
Estudos de identificação para definição dos limites da terra indígena Buriti começaram em 1993.
O juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e coordenador do Fórum de Assuntos Fundiários, Rodrigo Rigamonte, será enviado hoje a Campo Grande para acompanhar de perto o conflito entre indígenas e fazendeiros.
O major Marcos Paulo Gimenez, que comandou a Polícia Militar na operação de despejo, afirmou ontem que 75 policiais portavam arma com projéteis letais. A informação contradiz o governador André Puccinelli (PMDB), que no dia da tragédia afirmou que a PM usou só balas de borracha.
O comandante da Polícia Militar, coronel Alberto David dos Santos, informou que foi aberto inquérito para apurar se o disparo partiu de militares ou não. A Polícia Federal informou ontem que índios também usaram arma de fogo no dia do conflito.
Foto: Moisés Palácios/Futura Press
O índios atearam fogo na sede da fazenda
Os índios montaram uma barreira na entrada da propriedade e bloquearam uma estrada vicinal que leva à fazenda, que teve instalações queimadas pelos indígenas ainda na quinta-feira.
A posse do local é disputada na Justiça com o ex-deputado estadual Ricardo Bacha (PSDB), que afirma que a área pertence à família dele desde 1927.
A Polícia Federal em Mato Grosso do Sul informou, por meio de assessoria, ter conhecimento da ação dos índios, mas que não poderá cumprir uma nova operação de retirada sem nova ordem da Justiça.
A Polícia Militar foi na mesma linha. "Uma ação isolada da Polícia Militar não pode e nem vai existir", disse o comandante geral da PM de MS, coronel Carlos Alberto David.
Em mais um exemplo da tensão fundiária envolvendo índios em Mato Grosso do Sul, outro grupo de índios terena invadiu, na madrugada desta sexta, uma fazenda na região de Aquidauana (139 km de Campo Grande).
De acordo com a Funai, a área passou por estudos de identificação e delimitação e há um processo em curso no Ministério da Justiça para análise.
O proprietário da fazenda Buriti, o ex-deputado estadual Ricardo Bacha, disse que não irá acionar a Justiça por ora e destacou que já tem decisões judiciais favoráveis a ele. "Eu acho que agora eu não tenho mais que ficar mexendo com isso, porque está demonstrado o vácuo de autoridade no Brasil", afirmou.
"Quando os índios resistem a uma reintegração de posse, armados, contra uma decisão judicial, o que está acontecendo é desobediência civil. Não tem outro nome." Para Bacha, a situação na região é "gravíssima".
Foto: Marcos Tomé/ Região News
O filho do terena Oziel Gabriel, chorando no velório do pai.
Oziel Gabriel foi o segundo índio morto em confronto com a Polícia Federal no governo Dilma Rousseff. Em novembro do ano passado, a PF deflagrou uma operação contra o garimpo ilegal na região do rio Teles Pires, entre Mato Grosso e Pará. O índio mundurucu, Adenilson Kirixi, acabou morto -a PF disse que revidava a uma "emboscada" dos índios.
O laudo cadavérico realizado pela Polícia Civil do Mato Grosso confirmou que Adenilson Kirixi sofrera três tiros nas pernas e um tiro frontal na cabeça. Não há informação se houve apreensão e perícia na arma que efetuou – ou nas armas que efetuaram – os tiros.
Ninguém, até hoje, foi responsabilizado pela morte.
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