15 de nov. de 2012

Ayres Brito, a última sessão: humor e humanidade

BRASIL – Supremo Tribunal Federal
Ayres Brito, a última sessão: humor e humanidade
Para o ministro Carlos Ayres Britto, a última década passou “em um piscar de olhos”. Integrante do Supremo Tribunal Federal (STF) desde junho de 2003, o magistrado presidiu nessa quarta-feira sua última sessão na Corte em meio a homenagens de colegas, parentes e representantes da advocacia. Britto, que completa 70 anos no domingo e que, por isso, terá de deixar o STF, se emocionou com os discursos de reverência e disse que se sente honrado e alegre por ter tido a oportunidade de integrar a mais alta Corte do país.

Foto: Gervásio Baptista/SCO/STF

Para o ministro Carlos Ayres Britto, a última década passou “em um piscar de olhos”, referia-se ao tempo em que foi Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Postado por Toinho de Passira
Fontes: Agência Globo, O Globo, Veja, Folha de S. Paulo, Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a sessão desta quarta-feira com uma homenagem ao presidente da corte, Carlos Ayres Britto, que participa de sua última reunião antes de se aposentar. Britto completa 70 anos no domingo e, pela norma, precisa deixar a corte.

O decano do Supremo, Celso de Mello, iniciou a sessão de elogios a Britto. Depois, fizeram o mesmo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante.

Celso de Mello lamentou que a idade-limite para a aposentadoria não seja maior do que os atuais 70 anos. Neste caso, disse ele, "o país e particularmente o STF poderiam continuar beneficiando-se da valiosa atuação, nesta corte, do eminente ministro Ayres Britto, cujos julgamentos luminosos tiveram impacto decisivo na vida dos cidadãos desta república e das instituições democráticas deste país".

O decano disse ainda que a obra de Ayres Britto vai perdurar: "Os grandes juízes nunca desaparecem. Eles permanecem presentes na memória e no respeito dos seus jurisdicionados para sempre".

Gurgel destacou a "condução magnífica" dada por Britto ao julgamento do mensalão. Ophir disse que "a cidadania deste país tem muito orgulho de ter um filho, um republicano, um brasileiro como vossa excelência". A família de Britto estava presente. O presidente do tribunal chorou enquanto ouvia as homenagens.

O presidente da corte disse ainda que se orgulha de sua passagem pela corte:" Eu sou um homem feliz porque estou chegando ao fim do meu mandato e do meu período no Supremo com saúde, ânimo, alegria e entusiasmo".

Ayres Britto lembrou que o Supremo tem um papel cada dia mais importante na sociedade. “O STF interfere mais e mais no curso da vida. O Supremo está mudando a cultura do país a partir da Constituição”, disse o presidente. Explicou que os ministros são “os guardiões da Constituição, que é o mais legítimo dos documentos jurídicos”.

O presidente também brincou com o fato de ser conhecido por causa de seu jeito tranquilo e sereno. “Dizem que sou pessoa calma e dizem que isso é uma virtude. Não vou fazer aqui autolisonja, mas, se tenho coeficiente emocional razoavelmente administrado, é por conta de algumas convicções”, disse. Para o magistrado, a sociedade tem o direito de se tranquilizar “sabendo que a sua causa está com um juiz sereno e equilibrado”.

Depois das homenagens, informalmente Ayres Britto falou:

- Não temos direito nem ao mau humor, tamanha a honra que é servir nosso país nessa Casa - e pregou o equilíbrio e a calma entre os ministros - Eu entendo que nossas rugas aumentam para que nossas rusgas diminuam. Derramamento de bílis e produção de neurônios não combinam.

Ainda antes do começo da sessão, fora do plenário, Britto havia pedido, apoio de líderes de partidos na Câmara e no Senado pela aprovação de aumento salarial para juízes e servidores do judiciário. Segundo o ministro, há quatro anos os salários da magistratura não são atualizados e acumulam perdas inflacionárias de mais de 28%. No caso dos servidores, as perdas são superiores a 54%.

Para o presidente do STF, a categoria experimenta um processo de “temerário desprestígio” e essa situação se reflete nos concursos públicos. De acordo com ele, “levas e levas” de servidores estão deixando o Judiciário para carreiras mais atraentes do ponto de vista remuneratório.

- A magistratura perde poder de competitividade - disse. - Estamos nos desprofissionalizando. Isso é realidade, não é retórica.

No relatório atual do Orçamento, o Executivo limitou o aumento para todas as categorias em cerca de 5% para 2013. Para os servidores do Judiciário, foram reservados de R$ 1,1 bilhão para o aumento.

Em resposta a uma ação movida por associações de juízes, ministro do Supremo Luiz Fux determinou, em caráter liminar, que o orçamento de 2013 inclua o pedido de reajuste do Judiciário, fixado em 28,86%. O índice havia sido desconsiderado pelo Executivo na proposta de Orçamento enviada em agosto para apreciação do Congresso.

Na sua despedida da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na véspera, Britto já havia feito discurso em defesa da corporação, ao afirmar que o Poder Judiciário é mais exigido e cobrado e o menos perdoado. Ele disse também que o Poder é o pior remunerado e que sofre privações por não poder fazer greve e nem ter cargos de confiança a seu dispor.

- O Poder Judiciário é o mais cobrado, o mais exigido e o menos perdoado. E o mais sacrificado em vedações. Não pode fazer greve. Não pode se sindicalizar. Não tem hora extraordinária. Não tem cargo de confiança e não tem autonomia financeira. É o único que se aposenta obrigatoriamente aos 70 anos - disse Ayres Britto.

Ayres Britto, verso e prosa

CACIQUE AYRES BRITTO - Fotomontagem de Toinho de Passira, ilustrando texto do processo da demarcação da "Raposa Serra do Sol", quando o ministro votou a favor da causa indígena.

Fonte:Agência Globo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto, se apresenta como poeta, faz meditação e não esconde de ninguém o gosto por Osho, um dos mais radicais gurus da contracultura.

Mas a simpatia e um eterno sorriso de autossatisfação que mantém estampado no rosto, inclusive nos momentos mais críticos, nem sempre dita a atuação do magistrado.

No final de seus nove anos de ministro do STF, Britto foi incisivo para garantir a realização do julgamento do mensalão. Também teve participação decisiva nas votações que resultaram na condenação de 25 dos 40 réus, entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.

O ministro também se destacou na votação de temas espinhosos e caros à cidadania como a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a aprovação do uso de células tronco em pesquisas científicas e o aborto de anencéfalos.

Britto pôs fim à Lei de Imprensa, editada em 1969, e ajudou a ratificar o decreto de demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em terras contínuas. A união civil entre pessoas do mesmo sexo, pesquisas com célula tronco e aborto de anencéfalos eram, até recentemente, temas tabus, que poucas autoridades ousavam defender abertamente.

Ex-candidato a deputado federal pelo PT, Britto demonstrou habilidade política pouco comum em magistrados. Com espírito conciliador, ajudou a minimizar o impacto dos constantes confrontos entre o relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, e o revisor Ricardo Lewandowski, desde o início do julgamento.

Ele se alinhou com Barbosa, mas não deixou Lewandowki romper com o relator. Britto completa 70 anos no domingo, idade limite para magistrados deixem a toga.

Britto foi indicado para o STF pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003. Até então pouco conhecido no cenário nacional, o ministro causou estranheza ao rechear os votos com citações poéticas ou mesmo fazer poesia durante as sessões.

Escreveu o ministro no poema "Causa e efeito":

"Quando a gente esquece
Por muito tempo
De se alegrar
Por muito tempo as coisas
Se lembram de piorar "

Versos assim, explica por que tenta colocar poesia em tudo o que faz, inclusive nos votos que, pelas recomendações acadêmicas, devem ser sempre objetivos e impessoais.

Ao longo dos anos, o ministro se impôs como um magistrado ponderado e atuante. O ministro ganhou quase todas as grandes batalhas no STF nos últimos anos. Uma delas foi a derrubada da antiga lei de imprensa, considerada um dos últimos resquícios da ditadura.

Para o ministro, a plena liberdade de expressão é o pressuposto básico da democracia. E o ministro costuma levar essa máxima ao pé da letra. Nos últimos dias, ele defendeu o direito dos réus, entre eles Dirceu, de criticar as decisões dos ministros no julgamento do mensalão.

Britto também teve coragem de se posicionar a favor do aborto em casos de anencefalia. O tema era tabu. Muita gente tinha medo da ira da Igreja Católica. Para o ministro, a não interrupção da gravidez em casos dessa natureza é uma violência contra a mulher.

- Proibir essa mulher gestante de interromper a gravidez, até por amor ao feto, parece que é proibí-la de fazer uma opção até lógica. Dar a luz a vida é dar vida e não dar a morte - disse Britto ao votar.

No julgamento, sobre união civil de homossexuais, saiu-se com essa:

- O órgão sexual é um 'plus', um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, um estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses.

Na lista de frases mirabolantes não poupou nem o colega Cezar Peluso durante a polêmica votação sobre a validade da lei Ficha Limpa.

- O senhor está dando um salto triplo carpado hermenêutico.


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