4 de nov. de 2012

Entrou areia, por Lucas Mendes, para a BBC Brasil

ESTADOS UNIDOS - Opinião
Entrou areia
Lucas Mendes comenta não meio da tempestade perfeita, Sandy a eleição, Obama-Romney, nem tanto...

Foto: Brendan Smialowski / AFP - Getty Images

Nova-iorquinos atravessam de ferry-boat o Rio Hundson, ao fundo Nova Iorque ainda parcialmente sem energia elétrica, 1° de novembro de 2012

Postado por Toinho de Passira
Texto de Lucas Mendes, de Nova York para a BBC Brasil
Fontes: BBC Brasil

A Véspera

No domingo, as eleições saíram dos jornais. Entrou "A Tempestade Perfeita", como no filme, um encontro de três tempestades em cima da região mais populosa do país: 65 milhões no caminho do furacão.

Já tinha visto preparativos antecipados e meticulosos para tempestades de neve, chuvas e para o furacão Gloria, mas Sandy foi anunciada com extraordinária antecedência e como a pior tempestade na história da região.

A cidade fica possuída de uma carga elétrica e solidária, uma atitude de confronto. A monumental Nova York, com sua vocação trágica e dramática, se transforma numa combinação de cenário de Hollywood e parque de aventuras.

Em 85 cobri o furacão Gloria. Por volta de dez da manhã, hora prevista para a entrada de Gloria, a cidade escureceu. Estava numa esquina da avenida Park quando fui avisado que Gloria ia passar ao largo da cidade e bater em Long Island. Saímos na perseguição.

A sensação de estar num carro numa auto-estrada de 8 pistas completamente vazia, debaixo d'água e ventos brutais, foi pior do que encontrar o furacão no subúrbio.

Depois de tantos preparativos e expectativas, Manhattan se sentiu traída. Queria enfrentar e vencer Gloria.

Vinte e quatro horas antes de Sandy, o prefeito anunciou a parada do metrô, dos ônibus, fechamento de túneis e pontes, evacuação obrigatória de milhares de residentes que vivem nas margens vulneráveis das ilhas que formam Nova York.

Só o bairro do Bronx fica em terra firme. O êxodo começou às cinco da tarde de sábado e as ruas do Village, meu bairro, ainda estavam em efervescência.

Novaiorquino tem fama de só pensar na natureza quando está tentando pegar um táxi na chuva. Diante de um furacão vira floridiano. Uma mulher na minha frente saiu do mercado com 84 ovos e 20 garrafas de água. Só para ela e o marido. Mal caminhava.

Água era o que menos faltaria nos próximos dias. Bastava colocar a panela na janela.

Foto: Shaul Schwarz / Reportagem - Getty Images para a NBC News

Solitário morador caminha pelas ruas de Coney Island no Brooklyn, pouco antes da chegada do furacão Sandy.

A Chegada

Estava prevista para sete e meia de segunda. Às cinco saí para uma caminhada pelas ruas vazias e percorri uns quarenta quarteirões.

Dois mercados pequenos ainda estavam abertos, um bar na University Place, uma confeitaria mexicana, apinhada, com um sinal na janela "não temos medo de Sandy" e a lanchonete coreana, campeã das lutas contra a natureza. Com seu time de quatro empregados latinos não fecha nunca. O patrão coreano fica de olho, ao lado do caixa.

A temperatura amena e a falta de vento forte e de chuva aumentam, em vez de diminuir, as expectativas. É a tal calmaria.

Duas horas depois, já com Sandy em terra, em Nova Jersey, faço outra exploração pelo bairro quase deserto com um áudio-livro sobre a passagem de Katrina por Nova Orleans, terra de furacões.

O escritor Walker Percy conta ao jornalista Walter Isaacson, que os furacões enriquecem, estimulam e tiram os moradores da apatia e da alienação.

Eles revigoram as cidades. Isto foi muito antes do Katrina e, neste caso, Percy que morreu bem antes, acertou na cabeça. Nova Orleans está em pleno vigor.

A televisão pulava de um repórter para outro debaixo da chuva, na ventania, mas as imagens fortes vinham do mar com ondas gigantes. Dali viria a maior destruição.

Foto: Frank Franklin II/AP

Os danos causados por um incêndio em Breezy Point, no Queens, NY

O Apagão

Pouco depois das oito na segunda e de uma explosão numa das estações da companhia Con Ed que ilumina a cidade, ficamos no escuro.

Na 5ª avenida, turistas e estudantes estrangeiros da New York University saíram para tirar fotos do Empire State ainda iluminado e da torre do Trade Center, em construção, também iluminada, no outro extremo.

Também tirei fotos. Péssimas. Tudo escuro.

A explosão, primeira suspeita pelo apagão, foi depois substituída pela explicação menos prosaica de invasão da Con Ed pelas águas do rio East, que na realidade é um braço de mar.

Da rua 33 para baixo, até o fim da ilha, para nós, mais de 300 mil moradores, era como se as luzes estivessem apagando e as cortinas abrindo para o começo do segundo ato.

A escuridão pouco a pouco conquistou outros bairros, as águas invadiram outras vizinhanças, incêndios queimaram centenas de casas e mais de quarenta pessoas que estavam conosco no começo do grande drama não estariam mais conosco para assistir o final.

Pelo gigantismo da destruição o número de mortes e feridos foi baixo. O alerta funcionou.

Foto: Aby Baker / Getty Images

Manhattan ainda sofre com falta de energia generalizada e inundações do furacão Sandy, 02 de novembro de 2012

Luzes de Manhatan

Perto da grande tragédia dos outros, vivo meu mini drama: Falta energia no estúdio da Globonews.

Desde o apagão, computadores e celulares não funcionam. Me refugiei na casa de parentes na parte iluminada da cidade. Más notícias.

A previsão de normalidade na energia é só para o fim de semana. Os planos de fazer o programa Manhattan Connection ao vivo neste próximo domingo, sobre as eleições americanas estão ameaçados, não só porque o estúdio está na área apagada mas, Diogo Mainardi não consegue confirmar o voo dele para Nova York. Entre outros problemas, Veneza está alagada.

Larry Dowing/Reuters
Sandy e a eleição

Nova York e Nova Jersey, dois Estados obamistas, foram as maiores vítimas, mas Sandy bateu noutros Estados, entre eles um que provavelmente vai definir a eleiçãao, Ohio.

No meio-oeste americano, Ohio é um mini Estados Unidos com redutos republicanos e democratas, indústrias e fazendas, estudantes liberais e evangélicos conservadores.

Se Obama perder o voto "blue collar", o do operariado, a eleição provavelmente está perdida.

Ohio foi o estado beneficiado pelo estímulo à indústria de automóveis.

Obama ou Romney, quem ganhou votos com Sandy?

O presidente demonstrou liderança e recebeu uma enxurada de elogios do governador de Nova Jersey, um ídolo republicano.

Criou constrangimento entre conservadores. Mas Obama talvez tenha perdido votos porque Sandy impediu que milhares de democratas votassem antes do dia 6. O presidente tem liderado por boa margem no voto antecipado.

Romney deve ter perdido votos porque uma das suas intenções é acabar com a FEMA, a agência federal que socorre Estados e cidades nestas crises.

Ele acha que os próprios Estados e a iniciativa privada sabem cuidar melhor das vítimas da natureza.

Estamos mais perto do que longe do final.

Uma parte da economia levou um tranco, outra vai ter um embalo. Sandy trouxe toneladas de areia, água salgada e destruição. Chega. Vamos votar e depois voltar para a apatia e alienação.

Foto: Sargento. Marcos Olsen / Força Aérea dos EUA através da EPA

Vistas aéreas dos danos causados pelo furacão Sandy para a costa de Nova Jersey, tomada durante uma missão de busca e resgate por helicóptero 1-150 Batalhão de Assalto, New Jersey Guarda Nacional do Exército, na terça-feira, 30.


*Acrescentamos subtítulo, foto e legenda a publicação original

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