6 de mar. de 2010

Senador Demóstenes defende pobres de qualquer cor

BRASIL
Senador Demóstenes defende pobres de qualquer cor
Por defender o fim das cotas raciais para ingresso nas universidades públicas o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que defende as cotas sociais - que privilegiariam pobres de todas as raças - está sendo caluniado indiretamente pelo ministro Edson Santos, da Secretaria Especial de Igualdade Racial, que quer jogar contra ele o movimento negro e a pecha injusta de rascista

Foto: Waldemir Barreto/Ag Senado

Demostenes Torres defendendo o direito de todos

Fontes: Valor Economico , Portal Democratas, Blog Luis Nassif, Afrobras, Blog Democratas

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que ficou sob a mira do movimento negro ao defender o fim das rotas raciais para ingresso nas universidades públicas, disse ontem que o país vive a "ditadura do politicamente correto", defendeu as cotas sociais - que privilegiariam pobres de todas as raças - e afirmou que o ministro Edson Santos, da Secretaria Especial de Igualdade Racial, usa de "desonestidade intelectual" quando afirma que o fim da cota racial irá inviabilizar as demais políticas sociais afirmativas.

Em entrevista ao Valor, Torres afirmou que o movimento negro criou index - odeia Gilberto Freire, Darcy Ribeiro e Jorge Amado e "excomunga" a princesa Isabel - e reiterou que não considera a miscigenação brasileira como resultado do estupro e da violência, mas de uma relação consensual entre o branco livre e a negra escrava, "ainda que sob dominação". O senador não teme prejuízo eleitoral para seu partido decorrente de seu engajamento na tese. Abaixo, a entrevista:

Valor: Em véspera de eleição, o senhor considera popular a posição de combater o uso das cotas raciais nas universidades?

Demóstenes Torres:
Se é popular não interessa, interessa o que é certo para o país. Eu defendo as cotas sociais, ou seja, quem é pobre tem o direito a entrar na faculdade por meio do sistema de cotas de até 20%, e o pobre pode ser preto, pode ser negro, amarelo, preto, de qualquer cor. O problema estrutural no Brasil não é o racismo, mas a pobreza.

O rico negro sempre teve tranquilamente o seu assento à sociedade. Na época do escravagismo, tínhamos traficantes de escravos negros, senhores de escravos negros e assim por diante. Todo arcabouço jurídico que foi constituído no país foi para acabar com a discriminação, em especial com o racismo.

A lei é duríssima. Desde a promulgação da Constituição até agora foram criados 16 diplomas antirracistas. Por que vamos criar uma lei que racializa a sociedade entre negros e brancos? Até porque 87% da população têm sangue negro, mais de 90% têm sangue branco, mais de 60% têm sangue indígena.

Como vamos classificar? O Brasil é miscigenado, graças a Deus. Não precisamos criar mecanismos para racializar o Brasil porque o conceito de raça já acabou.

Valor: Como foram as reações a essa posição? O senhor recebeu pressões para recuar?

Demóstenes Torres:
Há três anos sustento essa posição. Não existe pressão que me faça recuar do que eu penso, do que eu estudo. Eu sou um estudioso. Eu sou pela cota social, que beneficia todos os pobres independente de sua cor. Sou autor da emenda constitucional que pretende criar a escola integral, pois não existe universidade que cure analfabetismo, ignorância. A cota, mesmo que social, deve ter um efeito limitado para que a educação um dia possa ser elevada a um patamar de excelência no Brasil. Não existe um passe de mágica para isso, existe trabalho.

Valor: Um dos argumentos do ministro Edson Santos em favor das cotas é que o PNAD do IBGE aponta maior pobreza e menos escolaridade entre os negros.

Demóstenes Torres:
Dentro do mesmo nível de escolaridade, negro e branco têm o mesmo tratamento. A cota racial tem uma coisa muito grave porque acolhe o negro rico. E como vamos tratar os 19 milhões de brancos pobres no país?

Valor: O sr. expõe isso ao eleitor?

Demóstenes Torres:
Claro.

Valor: O que o seu eleitor acha?

Demóstenes Torres:
Isso pesa a meu favor. O eleitor entende que não há razão para privilegiar uma cor. Quem é que pode ser contra acudir o pobre? O caboclo pobre, a mistura do europeu com o índio lá do Amazonas, por exemplo, não está nessa cota. Há uma parte expressiva da inteligência brasileira que concorda com esse posicionamento. Cota social é a mais correta, até porque no Brasil não há qualquer possibilidade de fazer uma diferenciação de cor. No Brasil, menos de 6% são pretos conforme a denominação do IBGE. Os pardos, mistura de branco e negro, são em torno de 42%. E isso autodeclarados.

Como vamos classificar a cor, qual o critério, vamos olhar para as pessoas e definir? Chega-se ao absurdo de gêmeos idênticos serem considerados um negro e outro, não. Cria-se um tribunal racial dentro da universidade. Estão tentando seguir no Brasil o exemplo fracassado americano. Não quero enfrentamento, apenas quero levar essa discussão para o país: o que melhor para o Brasil, a cota social ou a racial?

O reitor da UnB disse que nós poderíamos colocar uma cota de 20% para negros, 20% para pobres e 30% para originários das escolas públicas e isso não é real.

O presidente da Associação dos Reitores das Universidades Federais disse, em audiência pública no Senado, que é impossível ter autonomia universitária com algo acima de 20% de cotas, porque o mérito será totalmente escamoteado.

Valor: Outra argumentação polêmica é a de que a miscigenação de se deu sem violência.

Demóstenes Torres:
É só ler Gilberto Freire. Querem dar a impressão que no Brasil as negras foram estupradas e a miscigenação se deu de forma violenta. A integração da casa grande e da senzala, ainda que com dominação, foi muito mais consensual do que gostaria o movimento negro. Hoje o movimento negro tem umas pessoas que são odiadas. Gilberto Freire é uma delas. Darcy Ribeiro é outro, dizem que ele é o pirata da antropologia. O Jorge Amado, falam que abate moralmente o negro. Encontraram racismo até na obra "O Lavrador de Café" do Portinari porque coloca o pé do negro muito proeminente.

Valor: Isso é discriminação?

Demóstenes Torres:
Estamos vivendo no Brasil na ditadura do politicamente correto. A princesa Isabel é excomungada. Joaquim Nabuco é quase que um pária. Algumas coisas são absolutamente ridículas em termos de pesquisa. Será que é verdade que os negros brasileiros têm menos esgoto que os brancos, ou seja, que o esgoto que passa a céu aberto na casa do pobre ele escolhe a cor?

Valor: A história não justifica uma proteção ao negro?

Demóstenes Torres:
Muito antes do Brasil existir, a África já fornecia escravos para o mundo. Isso não quer dizer que devemos ficar contentes, mas não vamos solucionar esse problema aprovando uma legislação racista no Brasil separando os brancos e os negros. Não temo expor a minha opinião.

Valor: O que o senhor acha da nota do ministro, que afirma que uma decisão do STF contrária às cotas pode inviabilizar as demais políticas sociais afirmativas?

Demóstenes Torres:
O ministro cometeu um crime de responsabilidade ao enviar esse ofício. Esse argumento foi para criar animosidade em relação a uma posição partidária e em especial a mim. E mais ainda, o ministro está usando todos os recursos que tem o ministério para convocar o movimento social, inclusive patrocinando muita coisa, como eventos, para pressionar o STF . Os ministros do Supremo não podem sofrer pressão. São 11 julgadores que devem julgar com a maior isenção. A argumentação de que uma decisão contrária vai inviabilizar ações afirmativas no Brasil é falaciosa e, além de tudo, uma desonestidade intelectual.

COMENTAMOS: Irretocável o pensamento do Senador Demóstenes Torres. Aliás, nesta, como em outras ocasiões, o senador Demóstenes está sempre do lado certo, do bom senso e da correção. Obvio que seria bem mais cômodo não comprar uma briga deste tamanho. Mas ele o faz porque seu senso de justiça não o deixa quieto diante de um absurdo.

O absurdo é não querer seguir o seu pensamento democrático, apoiado por tantos outros, de querer abranger nas cotas as pessoas que margeiam a sociedade e se defrontam com barreiras de acesso as oportunidades apenas pela condição social.

Nada menos preconceituoso do que reunir com as mesmas oportunidades um grupo social sem lhes perguntar a cor, ou a origem.

Nessas ocasiões sempre é citada a análise do DNA de um grupo de 120 negros brasileiros feitos pelo geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, que detectou, por exemplo, que a ginasta Daiane dos Santos tem ancestralidade mais européia do que africana.

Na verdade conclui-se que a Daine é uma brasileira típica, com 39,7% de ancestralidade africana, 40,8% européia e 19,6% ameríndia.

Naquela ocasião disse o cientista: a cor da pele é um “péssimo indicador de ancestralidade” porque representa uma parte ínfima do código genético humano.

Estamos mais uma vez com Demóstenes Torres e fazemos questão de dizer que ele é uma das poucos e saudáveis exemplo de políticos brasileiro que honram o mandato que receberam do povo.


Um comentário:

david kura minuzzo disse...

A posição do Movimento Contra o Desvirtuamento do Espírito do Programa de Ações Afirmativas é a favor da cotas sociais com comprovação de renda, porque este critério permite a inclusão social e compatibiliza a política de ações afirmativas com a Carta Magna.
Na Audiência Pública realizada no STF o debate não foi somente entre anti-cotistas e cotistas. Houve uma terceira posição, sustentada pela nossa advogada Dra. Wanda Siqueira, a favor das cotas sociais e contra o DESVIRTUAMENTO do Espírito do Programa de Ações Afirmativas. Tive a possibilidade de falar em nome dos estudantes gaúchos na audiência pública graças à sensibilidade do Ministro Ricardo Lewandowski, que concedeu esse espaço a mim e a um estudante da UFRJ. Esclareci aos anti-cotas e cotistas, que se não houver ilegalidade nos processos seletivos a inclusão dos estudantes hipossuficientes (brancos, negros, mestiços, caboclos, índios etc.) será assegurada, desde que o critério de seleção seja a renda familiar, sem ferir o princípio do mérito, porque os cotistas concorreriam entre si, dentro do limite de vagas a eles reservadas.
É importante que a imprensa divulgue esta 3ª via para a implantação das cotas sociais e assim evitar cisão entre ricos e pobres, brancos e negros, e para atender os reclamos da sociedade e dos estudantes.
Em nome do Movimento Contra o Desvirtuamento do Espírito do Programa de Ações Afirmativas:
David Kura Minuzzo