Os dois senadores
OPINIÃO Os dois senadores O Conselho de Ética se prepara para cassar o mandato de Demóstenes Torres — político elogiado pelo comportamento exemplar, mas que tinha uma vida paralela Foto: Orlando Brito/Congresso em Foco Gustavo Ribeiro As decisões sobre a perda de mandato são políticas e independem de provas cabais ou ritos observados na Justiça. No caso de Demóstenes, pesa sobremaneira o fato de ele ter se destacado como um personagem de dupla personalidade. Durante as investigações da Polícia Federal, que monitorou as atividades de Carlos Cachoeira, descobriu-se que o contraventor pagava despesas pessoais de Demóstenes e o remunerava por serviços de lobby realizados e governos estaduais e órgãos federais. Quando surgiram as primeiras evidências da ligação de Demóstenes com Cachoeira, seus pares no Senado se recusaram a acreditar. Embalado pelo prestígio construído ao longo de quase uma década, Demóstenes recebeu manifestações de apoio de mais de quarenta senadores de todos os partidos, que foram à tribuna defendê-lo. Os senadores ainda estão perplexos com a revelação do lado obscuro do colega. “Naquele dia defendi o parlamentar que conhecia. Um homem que se mostrava correto. Ele nunca havia dado sinal algum de comportamento antiético”. disse o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) na semana passada. A sucessão de revelações constrangedoras minou o apoio político a Demóstenes. Primeiro, ele foi obrigado a se desligar do DEM. Agora, está prestes a ter o mandato cassado. Nas conversas gravadas pela PF, Demóstenes aparece supostamente recebendo do contraventor instruções diretas sobre como deveria se comportar no Congresso em matérias do seu interesse. Outros trechos falam das contrapartidas recebidas: eletrodomésticos importados de última geração, viagens de avião e até uma encomenda especialíssima, garrafas do vinho francês Château Cheval Blanc, safra de 1947, cujo preço unitário pode passar de 10000 dólares. Segundo o procurador-geral da República. Roberto Gurgel, o senador teria recebido do contraventor cerca de 3,1 milhões de reais em dinheiro. Houve uma mistura inequívoca de interesses públicos e privados, circunstância que teria provocado no antigo Demóstenes, o público defensor da ética, uma reação colérica. O Demóstenes desmascarado pediu prorrogação de prazo para fazer sua defesa. Ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitou a exclusão de todas as escutas telefônicas do rol de provas do processo. Por ter foro privilegiado, alega que não poderia ter sido gravado sem autorização prévia do STF. “São escutas ilegais, que extrapolam a competência da PF e carecem de perícia”, disse Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado do senador. Os congressistas tendem historicamente a relevar desvios de conduta de colegas. Não será o caso agora. Os senadores sentiram-se traídos por Demóstenes, que durante muito tempo posou de vestal e deu lições de moral aos colegas. Demóstenes encarna à perfeição a frase atribuída ao maior presidente americano, Abraham Lincoln: “Você pode enganar uma pessoa por muito tempo; algumas por algum tempo; mas não consegue enganar a todas por todo o tempo". Foto: Orlando Brito/Congresso em Foco *Acrescentamos subtítulo, foto e legenda ao texto original **Utilizamos fotos do site Congresso em Foco, do fotografo Orlando Brito |
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