2 de set. de 2014

Quem segura esta mulher?

BRASIL - Eleição 2014 - Opinião
Quem segura esta mulher?
A menos de cinco semanas da eleição, PT e PSDB empurram um para o outro a responsabilidade pela arriscada operação de atacar Marina, que segue em disparada com seu discurso inatacável: a favor de tudo o que é bom e contra tudo o que é ruim


Marina pode parecer uma candidata extraordinária, mas isso não fará dela, automaticamente, uma presidente extraordinária.

Postado por Toinho de Passira
Fonte: Veja

A sátira circula freneticamente nas redes sociais: "Marina, você vai querer carne, frango, peixe, massa ou salada?". Responde a candidata do PSB à Presidência da República:

"Eu acho que a gente tem de parar com os rótulos. Ninguém é dono da verdade. Todos os pratos têm coisas boas e ruins. Eu quero o que tem de bom em cada um deles e quero tirar o que tem de ruim. Essa coisa de achar que tem de escolher um prato é a velha refeição. Vamos comer tudo, desde que preparado com eficiência e visão estratégica. Isso é a nova refeição".

A sabedoria coletiva da rede digital acertou em cheio na mais evidente fragilidade da candidata que disparou na frente de Dilma Rousseff e Aécio Neves, deixando meio mundo perplexo. A crítica espirituosa na internet brinca, para ficarmos na metáfora gastronômica, com a evidente impossibilidade prática de fazer omelete sem quebrar ovos — o que em Brasília equivale a governar sem contrariar interesses.

O mais espantoso não é Marina Silva fazer campanha com a promessa simplória de liderar as forças do bem em uma cruzada cívica contra as do mal na política. O espanto está em as pessoas — dezenas de milhões de eleitores, como se constata por seu desempenho nas pesquisas de intenção de voto — acharem que vale a pena dar-lhe uma chance.

O sucesso evidente de Marina nas pesquisas a coloca a pouco mais de quatro semanas de conseguir essa chance nas urnas. Com tão pouco tempo, como mostra a Carta ao Leitor desta edição, para ela ser conhecida de verdade, o fenômeno Marina é uma inegável realidade eleitoral, fato que nada revela sobre como seria um governo com ela à frente do Executivo.

Nos debates, nas entrevistas e no programa de governo entregue ao TSE na sexta-feira passada, ela deu garantias inequívocas de compromisso com uma política econômica adequada a um Brasil moderno, dinâmico, sintonizado com o mundo. Isso é animador.

Até 5 de outubro, data das eleições em primeiro turno, no entanto, Marina precisa mostrar como e com que equipe pretende administrai- o Brasil — e, principalmente, quais são seus planos para amarrar o guizo no pescoço do tigre no Congresso Nacional, do outro lado da Praça dos Três Poderes.

A turma ali não é brinquedo. Quase todos os presidentes em períodos democráticos — os puros e os venais, os bons de conversa e os durões, os populares e os detestados pelo povo — que tentaram cavalgar o tigre terminaram dentro da barriga do bicho. Que ninguém se iluda: para Marina conseguir governar, terá de contar com apoio no Parlamento. Como? Negociando. Com que moeda de troca? O Brasil espera que não seja a mesma que vem sendo utilizada até aqui.

Faria um bem enorme a Marina e a seus seguidores que eles se lembrassem da sábia constatação de James Madison quando, depois de vencerem o mal (a Inglaterra), os bons (os fundadores dos Estados Unidos) discutiam sobre como funcionaria a nova política. Madison escreveu:

"Se os homens fossem anjos, nenhuma forma de governo seria necessária. Se fosse dado aos anjos governar os homens, igualmente, nenhuma forma de controle sobre o governo, seja interna ou externa, seria necessária. Mas, como estamos esboçando um governo em que homens vão mandar em homens, temos de enfrentar as dificuldades de criar controles mútuos".

Marina pode concorrer como anjo — e está concorrendo —, mas vai governar e negociar com seres humanos, espécie que já deu mostras de não se adaptar a nenhum arranjo de poder que, para funcionar, exija desapego material, sentimento de igualdade e renúncia às ambições de todo tipo.

Estudioso dos grupos de animais em que a coesão é garantida pela cooperação desinteressada com o próximo, o biólogo E.O. Wilson, de Harvard, disse: "Socialismo. Regime certo. Espécie errada".

Mostrada como a encarnação da bondade, fica difícil para os concorrentes atacar Marina. "Ela é um alvo que pode fazer a artilharia se voltar contra o atirador", diz um integrante da campanha da presidente Dilma Rousseff. Com razão. Como apontar como fraqueza de Marina sua inexperiência administrativa? Na campanha o argumento não cola desde que se tentou, em vão, usá-lo contra Lula.

Já no campo de Aécio Neves, o candidato do PSDB, fica difícil engrandecer o senador mineiro com a ênfase no seu projeto de Brasil, uma arquitetura sólida baseada em ótimas ideias e grandes realizações como governador. Marina representa o sonho. Aécio, o projeto.

Como mostrou a pesquisadora americana Cynthia Emrich em um estudo sobre retórica, carisma e grandeza em presidentes americanos, quando candidato e eleitores têm o mesmo sonho a liga é quase inquebrantável. Ela ilustra esse ponto com a seguinte conjectura:

"Se em seu famoso discurso em Washington o líder negro Martin Luther King, em vez de dizer "Eu tenho um sonho", tivesse dito "Eu tenho um projeto", seria esquecido na semana seguinte".

Foto: Arquivo

Por essa e outras razões é que Aécio e Dilma esperam que o outro bata em Marina.

"Ou Dilma mata a Marina agora ou é ela quem estará morta depois", avaliou um coordenador da campanha de Aécio.

Na equipe petista, a lógica é inversa: "Vamos continuar defendendo o governo e apresentando propostas para o futuro. E deixar o papel de bater na Marina para o Aécio, que é o mais prejudicado pela candidatura dela", diz um integrante da cúpula da campanha.

O máximo que estrategistas recomendam até o momento aos seus candidatos são esforços, ensaiados ao longo da semana que passou, para pintar Marina como uma "aventura" de futuro incerto.

A comparação nos bastidores é com o ex-presidente e aventureiro Fernando Collor de Mello, mas ninguém ousou levá-la a público até agora. No QG dilmista a ordem é apenas insinuar criticas a Marina, pondo em dúvida, por exemplo, sua capacidade de descer do plano "sonhático" para o real.

Não são apenas as circunstâncias a impor limites ao ataque petista, porém. Numa de suas primeiras tentativas de desconstruir o discurso de Marina sobre "governar com os melhores de todos os partidos", Dilma teve outro de seus desencontros com a língua portuguesa.

Disse a presidente: "Eu acho que as pessoas não têm de ser más, não têm de ser... todas as pessoas são... podem ser boas ou podem ser más. Mas as boas pessoas podem não ter compromisso. A pessoa é muito boa, mas o compromisso dela é com outra coisa".

Por esses motivos, o jogo pesado contra Marina será terceirizado para a falconaria petista e, se for necessário, para os locutores da propaganda na TV e no rádio. Na linha de frente, os pit bulls de sempre: Rui Falcão, presidente do PT, e Franklin Martins, ex-ministro da Comunicação Social.

Enquanto eles batem, um grupo de ministros e de assessores graduados do governo já recebeu ordens de percorrer as cidades com até 50 000 habitantes, onde está o grosso do eleitorado de Dilma, a fim de garantir a fidelidade à presidente. Na sexta (29) o Datafolha divulgou uma nova pesquisa que mostra Dilma e Marina empatadas com 34%.

Do lado do candidato Aécio Neves, que apareceu com 15%, a estratégia é concentrar esforços na tentativa de "chamar à razão" os eleitores tradicionais do PSDB, mais ricos e escolarizados, e os ex-indecisos que pularam para o barco de Marina nas últimas semanas.

A ideia é mostrar que a ex-senadora não tem um projeto de governo consistente e que lhe faltam condições para realizar com segurança as mudanças necessárias para o país. Foi para reforçar o argumento de que, à diferença da ex-senadora, ele tem um projeto e um time que Aécio anunciou, ao fim do debate na Band, na terça passada, o nome do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga como seu ministro da Fazenda, em caso de vitória.

O tempo corre contra a razão. Marina é uma candidata extraordinária, mas isso não fará dela, automaticamente, uma presidente extraordinária. Eis o dilema dos brasileiros às vésperas de eleger um novo presidente da República.

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