14 de jul. de 2013

O preço dos erros, de Míriam Leitão, para O Globo

BRASIL - Opinião
O preço dos erros
O governo reagiu à crise de 2008 plantando os problemas que o país está colhendo agora. O Banco Central aumentou muito a oferta de liquidez para evitar que aquele evento se transformasse numa crise de crédito. Bancos foram resgatados através do Fundo Garantidor de Crédito em operações muito controversas.

Foto: Gustavo Mirand/O Globo

Num primeiro momento, o estímulo ao consumo funcionou, produzindo a bolha de crescimento de 2010 que elegeu a presidente Dilma Rousseff e manteve Mantega na Fazenda

Postado por Toinho de Passira
Texto de Míriam Leitão, para O Globo
Fonte:   Blog de Míriam Leitão

Como foi mesmo que o Brasil chegou nesta situação? A inflação está alta; o crescimento, baixo; os empresários estão suspendendo emissões e captações; os juros, subindo; a expectativa, piorando; o real, perdendo valor. Na economia, há um preço a pagar pelos erros, e o governo errou demais. Não é o fim do mundo, não há uma crise iminente, mas as escolhas equivocadas não ficaram impunes.

Há incertezas no mundo, mas o pior passou e não é a crise externa que explica o quadro que os economistas já começam a definir como de estagflação, essa palavra feia e pesada que na vida real é o que estamos vendo: o país cresce pouco, e a inflação permanece alta. Os Estados Unidos discutem o ritmo da recuperação econômica já em curso, e a projeção para a Europa é de crescer, ainda que pouco, no ano que vem.

As agências de risco colocaram o Brasil em perspectiva negativa, o que significa um risco de, no médio prazo, o país ser rebaixado. A balança comercial deteriorou-se rapidamente e teve déficit na primeira metade do ano. O saldo comercial será positivo, mas pequeno. O déficit em transações correntes se aprofundou.

O governo reagiu à crise de 2008 plantando os problemas que o país está colhendo agora. A crise chegou aqui como uma onda forte, derrubando o crescimento e ameaçando inúmeras empresas com operações de derivativos cambiais. O primeiro movimento foi para salvar essas empresas, induzindo fusões das maiores que atuavam no mesmo setor. O Banco Central aumentou muito a oferta de liquidez para evitar que aquele evento se transformasse numa crise de crédito. Bancos foram resgatados através do Fundo Garantidor de Crédito em operações muito controversas. Tudo foi justificado como a forma de contornar os efeitos aqui da eclosão da pior crise da história recente.

Mas a reação seguinte foi pior. Era natural que o governo incentivasse a economia, que entrou em recessão em 2009. Mas o problema foi a escolha e a permanência dos instrumentos de estímulo que foram equivocados e continuam em uso.

O governo adotou uma coleção interminável de pacotes setoriais que ampliaram os gastos e criaram subsídios para estimular o consumo. Uma das formas de injetar incentivos à economia foi através dos bancos públicos. Foi recriado o pior do chamado “desenvolvimentismo” e da expansão monetária através da relação incestuosa entre bancos públicos e Tesouro. Tudo isso esteve em voga no governo militar e produziu a crise que a democracia debelou.

A partir de 2008, aumentou-se a estatização da economia, retomou-se o deletério processo de escolha de campeãs nacionais, foi reinstalado o balcão de favores para distribuir desonerações aos setores escolhidos. A inflação passou a ser escamoteada por truques e subsídios como o que zerou a Cide e manteve o preço da gasolina congelado por vários anos. A indústria automobilística foi a grande beneficiária dos incentivos fiscais. O uso de estatais para controlar a inflação está descapitalizando as empresas, principalmente a Petrobras. Isso apequena os investimentos e pode afugentar o investidor privado das concessões.

Num primeiro momento, o estímulo ao consumo funcionou, produzindo a bolha de crescimento de 2010 que elegeu a presidente Dilma Rousseff. Desde então, a inflação mudou de patamar, ficando mais perto do teto da meta. Os pacotes foram perdendo a capacidade de gerar crescimento. Os ciclos de recuperação ficaram mais fracos e mais curtos.

Para esconder o estrago, feito nas bases da política fiscal, o governo escolheu o pior caminho: usar truques contábeis para adulterar os indicadores das contas públicas. Todos juntos produziram o seguinte estrago: ninguém mais acredita em alguns dos números fiscais brasileiros, como superávit primário e dívida pública líquida.

Intervenções excessivas na regulação e a ocupação política das agências reguladoras aumentaram a insegurança jurídica, dificultando os investimentos. O crescimento baseado apenas no consumo alimentou a inflação e endividou as famílias. Não será impossível corrigir essas distorções, mas exigirá do país um esforço que deveria estar sendo dedicado a superar outros obstáculos. Os erros que estão cobrando seu preço são erros velhos. A história ensina que deveriam ter sido evitados.
*Acrescentamos subtítulo, foto e legenda a publicação original

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