13 de jul. de 2013

CARTAS MARCADAS: As suspeitas sobre licitações de R$ 1,2 bilhão no Rio

BRASIL - Corrupção
CARTAS MARCADAS:
As suspeitas sobre licitações de R$ 1,2 bilhão no Rio
Um vencedor antecipado por ÉPOCA, em anúncio de jornal, e indícios de sobrepreço lançam suspeitas sobre licitações de R$ 1,2 bilhão no Rio. As empreiteiras estariam loteando as licitações, num perde ganha programado, com sobrepreço para todo lado.

Foto: Custódio Coimbra/O Globo

Perto do Teto - A Lagoa de Jacarepaguá...

Postado por Toinho de Passira
Texto de Isabel Clemente, para Época
Fontes: Época

Um dos grandes passivos ambientais do Rio de Janeiro é o complexo de quatro lagoas na Barra da Tijuca e Jacarepaguá, área de rápida expansão na Zona Oeste da cidade. Assoreada e poluída, essa bacia hidrográfica se estende por um perímetro de 15 quilômetros, numa região populosa e industrial. Recuperá-la é um dos compromissos do governador Sérgio Cabral para a Olimpíada de 2016. O projeto, discutido em audiência pública no ano passado, conta com apoio de moradores, ambientalistas e empresas privadas. Promete interromper a degradação ambiental da região, que será o principal palco dos Jogos Olímpicos. Orçada em R$ 673 milhões pelo governo do Rio, a obra prevê até a construção de uma ilha-parque, com espaço de lazer para a população.

A largada para esse ambicioso projeto foi dada em junho, com o anúncio do vencedor da licitação. Ganhou um consórcio formado por três das maiores construtoras do país: Queiroz Galvão, OAS e Andrade Gutierrez. O desfecho dessa concorrência não era uma incógnita para interessados, só para o grande público. Informada sobre um arranjo para entregar a obra ao consórcio, ÉPOCA publicou, no dia 11 de junho, nos classificados de um jornal fluminense, um anúncio cifrado com o resultado. Só no dia 14 de junho, a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) abriu as portas para a reunião a que os concorrentes compareceriam para entregar suas propostas lacradas. Até então, oito construtoras tinham feito visita técnica à obra, um pré-requisito para entrar na concorrência. Eram oito potenciais interessados.

No dia marcado, apenas dois representantes foram até a Avenida Venezuela, na região portuária do Rio. O critério era o menor preço. O que se seguiu confirmou o script do anúncio. No dia 17 de junho, numa nova reunião, às 17 horas, após a confirmação de que os dois concorrentes preenchiam as exigências do edital, foram abertos os envelopes das propostas financeiras. Ganhou o consórcio Complexo Lagunar, formado pelas três empreiteiras, com uma oferta 0,07% mais barata do que o máximo que o governo se dispunha a pagar. A construtora Odebrecht, segunda colocada, entrou com um lance quase igual ao orçado pelo governo. Diante do resultado anunciado na própria reunião, curiosamente, as empreiteiras não questionaram nada. Aceitaram, assinaram e foram embora.

“Uma empresa que oferece quase zero de desconto entra para perder. Nenhum orçamento é tão apertado que não admita um mínimo de desconto. Quando há disputa para valer, as construtoras partem para a guerra, tentam desqualificar a proposta e a habilitação da outra”, diz o procurador da República Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público Federal no Tribunal de Contas da União (TCU). Oliveira comentou em tese o caso desta reportagem. Não acompanhou nem conhecia o nome das empresas participantes da concorrência. Como especialista em licitações públicas, estranhou a estratégia mansa dessa competição por uma obra tão cara no Rio.


o anúncio cifrado publicado por ÉPOCA (à esq.) e o resultado da licitação (à dir.)
O desconto sobre o preço máximo foi de 0,07%

O presidente da Comissão Permanente de Licitação da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio, José Almeoni Mendes da Silva Pinho, riu ao ser informado de que ÉPOCA soube o resultado da concorrência antes. Almeoni diz que, antes da abertura dos envelopes, não dá para adivinhar quem ganhará ou fará proposta e que ele não sabia de nada. “Se eu soubesse de algo, teria levado aos meus superiores, porque aí estão burlando um processo que não é deles. É nosso. Não são eles que escolhem quem ganhará”, diz.

Treze dias antes da reunião para receber as propostas, a Odebrecht, perdedora na concorrência das lagoas, conquistara uma obra da Secretaria de Estado do Ambiente. Num consórcio com a construtora Carioca Christiani-Nielsen, sagrou-se vencedora numa licitação de R$ 600 milhões, um valor muito próximo da obra para recuperar as lagoas. O projeto destina-se a prevenir enchentes dos rios Pomba e Muriaé, no Noroeste do Estado. As perdedoras, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão – vencedoras na obra das lagoas –, fizeram, separadamente, propostas muito próximas ao lance vencedor.

De novo, ninguém brigou. No projeto para os rios Pomba e Muriaé – que inclui construção de barragens, diques, muretas de concreto nas margens e recuperação de pontes –, 14 das 31 empresas que compraram o edital foram conhecer de perto o que deveria ser feito. Um desses construtores afirmou que o orçamento estava alto demais. “As obras não valem tudo isso”, disse, sob a condição de se manter anônimo. O TCU trabalha com a mesma hipótese.

ÉPOCA apurou que auditores do Tribunal encontraram indícios de sobrepreço da ordem de R$ 109 milhões, ou 18% do valor total estimado pelo governo do Estado. O cálculo exagerado veio, segundo informações preliminares da auditoria, de preços excessivos atribuídos a diversos serviços técnicos – algo sofisticado, que escapa ao olhar de um leigo.

Os fiscais já pediram explicações aos responsáveis, entre eles o subsecretário Antonio Da Hora, da secretaria comandada pelo ex-ministro Carlos Minc (PV). Se ficar comprovada a suspeita, que inclui ainda a elaboração de um edital com cláusulas restritivas à participação de mais interessados, a licitação poderá, no limite, ser cancelada pelo TCU ou sofrer alguma reviravolta.

O TCU auditou a concorrência porque ela é em parte bancada com verba federal e por sua relevância econômico-social, em áreas com alto risco de enchentes. As licitações estão reguladas pela Lei nº 8.666. Não segui-la pode configurar de ilícitos administrativos a crimes sujeitos a pena de detenção e multa.

Em junho do ano passado, o governo do Rio pegou um empréstimo de R$ 3,6 bilhões do Banco do Brasil para o Programa de Melhoria da Infraestrutura Rodoviária e Urbana e da Mobilidade das Cidades do Estado do Rio de Janeiro. Parte desse dinheiro deveria ser usada na re¬cuperação do sistema de lagoas da Barra e de Jacarepaguá.

Estudos confirmam a necessidade de dragagem para desassorear as lagoas, que mal trocam água com o mar. Essa asfixia contribui para a proliferação de algas tóxicas e compromete a vida do mangue numa paisagem bela, mas repleta de lixo. O governo afirma já ter investido R$ 550 milhões em rede de saneamento para reduzir o despejo de esgoto nas lagoas. É urgente fechar todos os canais por onde escoa essa sujeira.

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