Mohamed Mursi não é mais presidente do Egito. O chefe do Exército, Abdel Fattah Al Sisi, anunciou a criação de um governo de transição e a convocação de eleições. Os planos anunciados preveem a suspensão temporária da Constituição, a formação de um governo tecnocrata e a transferência da administração dos assuntos de estado e da preparação de eleições presidenciais para uma Corte Constitucional. O chefe da Corte, Adly Mansour, deverá ser empossado como presidente interino nesta quinta.
O anúncio foi recebido com festa por milhares de manifestantes que ocupavam a Praça Tahrir, no Cairo.
“O Exército vê que o povo egípcio está pedindo a ele para ajudá-lo, não tomar o poder ou para reinar, mas para servir ao interesse público e proteger a revolução. Essa é a mensagem que as Forças Armadas receberam de todos os cantos do Egito”, disse o general, que também é ministro da Defesa. “O discurso do presidente na noite de ontem foi contrário às aspirações e demandas do povo. Foi necessário que as Forças Armadas consultassem figuras nacionais – políticas, religiosas e da juventude – e as que responderam concordaram em um roteiro que construirá um Egito forte uma sociedade egípcia unida”.
Foto: Suhaib Salem / Reuters
A multidão reage com euforia ao tomar conhecimento da deposição do presidente
Pouco antes do pronunciamento, a agência estatal Al Ahram afirmou que Mursi havia sido comunicado que não era mais presidente. As Forças Armadas egípcias mobilizaram tanques e soldados nas imediações do palácio presidencial, no Cairo, onde Mursi estaria entrincheirado depois do término do prazo de 48 horas estabelecido pelo Exército para que o presidente atendesse às demandas dos manifestantes que se reúnem aos milhares há uma semana pedindo sua renúncia. Também há informações de que Mursi estaria em um escritório presidencial que fica nas dependências da Guarda Republicana, no subúrbio do Cairo.
Mursi manifestou-se pelas redes sociais e classificou o anúncio do Exército como um golpe militar. Ele tentou manter a postura desafiadora do pronunciamento desta terça, ao pedir a restauração da Constituição e chamar os cidadãos egípcios a seguir a lei e evitar um "derramamento de sangue". Também há informações de um áudio do agora ex-presidente divulgado a manifestantes favoráveis a Mursi, no qual ele diz que ainda é presidente, informou o jornal britânico The Guardian.
Mona al-Qazzaz, porta-voz da Irmandade, disse à rede britânica BBC que a ação dos militares é um golpe que o mundo deve impedir.
Há informações que o presidente deposto, Mohamed Mursi, estaria sendo mantido sob custódia, com seus principais assessores em uma instalação militar, após exército ter tornado suspensa a Constituição Nacional.
A agência Al Ahram informou que canais de TV islâmicos, incluindo um canal de propriedade da Irmandade Muçulmana, foram fechados pela polícia e seus diretores foram detidos pouco depois do anúncio do Exército.
Forças de segurança invadiram redações da Al Jazeera no Cairo e prenderam alguns funcionários. O canal foi impedido de divulgar informações sobre uma manifestação pró-Mursi, informou a agência Reuters. A rede do Catar passou a funcionar no Egito depois da revolta de 2011 que resultou na queda de Mubarak e tem sido acusada por críticos de fazer uma cobertura simpática à Irmandade Muçulmana.
Foto: Yusuf Sayman/The New York Times
Essa é a segunda revolução egípcia em dois anos
MOBILIZAÇÃO
O Egito registrou no último domingo as maiores manifestações desde a derrubada do ditador Hosni Mubarak, em 2011. O dia 30 de junho marcou um ano da posse de Mursi e milhares de pessoas foram às ruas para pedir sua renúncia. Depois do anúncio do Exército, nesta quarta, Mohamed El-Baradei afirmou que o roteiro de transição “garante a conquista da mais básica demanda do povo egípcio – ter eleições antecipadas durante um período de transição, enquanto a constituição é reescrita”.
Considerado líder da oposição liberal, ele acrescentou: “Esperamos que esse roteiro seja o começo de um novo início da revolução de 25 de janeiro, no qual o povo egípcio pagou um preço alto para conseguir liberdade e dignidade”.
O membro da Irmandade Muçulmana assumiu o poder depois de um período de mais de um ano de o comando ficar nas mãos de uma Junta Militar. No período em que os militares estavam no comando do país, os manifestantes os acusavam de minar os esforços para a construção da democracia. Mas, antes mesmo de largar o poder, a junta negociava para manter alguma relevância dentro do novo governo.
Mursi assumiu a Presidência, mandou para a reserva os generais mais influentes e substituiu-os por outros simpáticos à Irmandade Muçulmana, grupo fundamentalista criado em 1928 que, embora tenha passado quase toda sua história na clandestinidade, nunca perdeu sua consistência e organização.
Soldado de carreira, Al Sisi, de 58 anos, foi apontado para o Ministério da Defesa em agosto do ano passado. Ele substituiu Marshal Hussein Tantawi, que já estava perto dos 80 anos. Ex-chefe da inteligência militar, o general também integrou o Conselho Supremo das Forças Armadas, e tinha reputação de ser simpático à Irmandade, o que teria levado Mursi a escolhê-lo para o cargo.
O presidente estava sob intensa pressão para deixar o cargo após a renúncia de seis de seus ministros na última segunda-feira, incluindo o chanceler Kamel Amr.
Foto: : Reuters
Presidente do Egito, Mohamed Mursi reunido com ministro da Defesa, general Abdel Fattah al-Sisi, no Cairo, 22 de agosto de 2012.
PRESIDENTE ELEITO
Mursi tornou-se o primeiro presidente egípcio com uma plataforma islâmica a ser eleito democraticamente no dia 30 de junho de 2012, após vencer eleições presidenciais que se seguiram à queda do ex-presidente Hosni Mubarak.
Mas desde que Mursi assumiu o posto, o descontentamento aumentou gradativamente no Egito. Parte da população dizia-se pouco satisfeita com as mudanças ocorridas durante o período pós-revolucionário no Egito e acusou a Irmandade Muçulmana ─ o partido de Morsi ─ de tentar proteger seus próprios interesses.
No entanto, Morsi e a Irmandade Muçulmana ainda tinham amplo apoio popular, e ambos os lados levaram às ruas um grande número de manifestantes nos últimos dias.
Uma multidão voltou a se reunir nesta quarta-feira na Praça Tahrir pelo quarto dia seguido.
Houve focos de violência em várias partes da capital: no mais violento deles, 16 pessoas foram mortas e cerca de 200 ficaram feridas na Universidade do Cairo, em Giza.
Desde o domingo, o saldo de mortos já chega a 39 pessoas.
Pelo menos mais 14 pessoas foram mortas quando adversários e simpatizantes do presidente deposto, Mohamed Mursi, entraram em confronto depois que o Exército anunciou sua retirada nesta quarta-feira. Dois membros das forças de segurança estão entre os mortos, resultante do embate.
Foto: Khaled Desouki/AFP
Manifestantes escreveram com laser “Games is over”, num edifício no centro do Cairo
ENTENDA O CASO
• Na onda das revoltas árabes, egípcios iniciaram, em janeiro de 2011, uma série de protestos exigindo a saída do ditador Hosni Mubarak, há trinta anos no poder. Ele renunciou no dia 11 de fevereiro.
• Durante as manifestações, mais de 800 rebeldes morreram em confronto com as forças de segurança de Mubarak, que foi condenado à prisão perpétua acusado de ordenar os assassinatos.
• Uma Junta Militar assumiu o poder logo após a queda do ditador e até a posse de Mohamed Mursi, eleito em junho de 2012.
• Membro da organização radical islâmica Irmandade Muçulmana, Mursi ampliou os próprios poderes e acelerou a aprovação de uma Constituição de viés autoritário.
• Opositores foram às ruas protestar contra o governo e pedir a renúncia de Mursi, que não conseguiu trazer estabilidade ao país nem resolver a grave crise econômica. |
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