17 de jul. de 2013

VEJA: Não me engana que eu não gosto

BRASIL - Opinião
Não me engana que eu não gosto
Diante das cobranças, o governo promete bilhões de reais que só existem no papel. Já o dinheiro de que dispõe de verdade, o Planalto não consegue gastar. Desde o início da onda de protestos no Brasil, o governo já anunciou a liberação de mais de 70 bilhões de reais do Orçamento da União, na tentativa de acalmar os descontentes. Sim, 70 bilhões — como se eles nascessem em árvores.

Foto: André Coelho/O Globo

Dilma Rousseff, vaia estrondosa dos prefeitos participantes da Marcha Anual dos Prefeitos, ao lado de Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM)

Postado por Toinho de Passira
Editorial da Revista Veja
Fonte:   Veja - 15/07/2013

A presidente Dilma Rousseff, cercada de seis ministros, chegou animada à Marcha Anual dos Prefeitos, na quarta-feira, em Brasília. Microfone na mão, anunciou a liberação de 3 bilhões de reais para investimentos nos municípios. Esperava ser aplaudida, mas, em vez disso, levou uma estrondosa vaia. Irritada, discutiu com os organizadores, fechou o semblante, apertou o passo e deixou o auditório. Mais tarde, disse que não entendeu a reação da plateia. Bastaria um pequeno esforço. Os prefeitos vaiaram a presidente por dois motivos. Primeiro, porque não ouviram o que queriam: o anúncio do aumento no repasse do Fundo de Participação dos Municípios. Depois, porque sabem que o que ouviram — a promessa de liberação de bilhões de reais para investimentos — provavelmente jamais se tomará realidade. Desde o início da onda de protestos no Brasil, o governo já anunciou a liberação de mais de 70 bilhões de reais do Orçamento da União, na tentativa de acalmar os descontentes. Sim, 70 bilhões — como se eles nascessem em árvores. Como sabem os prefeitos, isso não ocorre.

O Orçamento da União é uma peça fictícia montada com base em previsões — invariavelmente otimistas demais — de arrecadação e crescimento do PIB. Quando a realidade desaba sobre ele, a solução é passar a tesoura em obras e projetos, dado que itens como salários e despesas com a Previdência Social são intocáveis. É assim que a bolha dos bilhões imaginários desaparece no ar antes de virar hospitais, escolas, estradas e trilhos de metrô.

De todos os investimentos previstos no orçamento deste ano, o governo honrou pouco mais de 20%. Nos últimos nove anos, a média dos pagamentos realizados não chegou a 50%. Mais crítica é a situação do investimento federal na área que foi o gatilho para a onda de manifestações de junho: o transporte público – termo que o vocabulário do poder substituiu por “mobilidade urbana”. Desde 2008. foram reservados 6,5 bilhões de reais para obras de metrô, trem e corredores de ônibus nas principais cidades brasileiras. Desse valor, apenas 5% foram gastos no ano previsto e 12% foram pagos, com atraso, nos anos seguintes. O resto ficou na promessa. Agora, para atender os manifestantes, Dilma anunciou 50 bilhões de reais em novas obras de transporte. Se o governo mantiver a média de investir de fato apenas 5% do que promete, isso significa que os 50 bilhões serão, na verdade, 2,5 bilhões — o suficiente para construir não mais do que 12 quilômetros de metrô, sendo que o projeto de ampliação do transporte sobre trilhos no Brasil tem 610 quilômetros. Realmente, não é o caso de aplaudir.

Os investimentos necessários para o crescimento do país permanecem no papel não só porque o dinheiro para financiá-lo acaba cortado pela tesoura da realidade. Mesmo quando dispõe de recursos para investir, o governo não o faz porque não consegue gastar. E não consegue gastar porque não planeja, ou planeja mal. Tome-se o caso das licitações, que precedem o início de qualquer obra. Se o edital de convocação é malfeito, pode, por exemplo, deixar brechas para contestações dos concorrentes, o que acarreta atrasos e perda de dinheiro. Esses mesmos percalços ocorrem quando a obra é alvo de objeções por pane de órgãos de controle, como o Ministério Público, tribunais de contas e entidades ambientais. “Como não confiam na lisura do estado, esses órgãos têm um papel muito ativo, o que com frequência provoca paralisações desnecessárias”, diz Carlos Ari Sundfeld, professor da Fundação Getulio Vargas. Na raiz de tudo está o mau planejamento. “No mundo desenvolvido, demora-se mais para planejar obras do que para executá-las. No Brasil, acontece o contrário”, avalia o economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.

O preço que o Brasil paga por isso é alto — nos últimos dez anos, ele foi de 160 bilhões de reais, segundo levantamento da ONG Contas Abertas. O valor equivale a obras que foram paralisadas ou nem saíram do papel por falha de planejamento ou suspeita de corrupção. “Sem resolver os nós dos investimentos, as palavras da presidente continuarão um anúncio vazio”, afirma Gil Castelo Branco, secretário-geral do Contas Abertas. Uma medida que poderia atenuar o problema seria a adoção do orçamento impositivo, que obrigaria o governo a fazer previsões mais realistas, discuti-las com o Congresso e honrar o que fosse para o papel — além de tirar dele o poder discricionário de liberar verbas para obras patrocinadas por aliados e bloquear as de adversários políticos.

Um exemplo escandaloso da incompetência com que os governantes administram os investimentos em transporte é a construção do metrô de Salvador. Planejado para ter 12 quilômetros, começou a ser construído em 2000, com previsão de entrega em quarenta meses, ao custo de 307 milhões de reais. Treze anos depois, os gastos chegam a quase de 1 bilhão de reais, apenas 6 quilômetros foram concluídos e as seis composições e os 24 vagões, comprados por 100 milhões de reais, deterioram-se a céu aberto. Antes de entrarem em operação, precisarão ser revisados a expensas do governo, dado que a garantia do fabricante expirou. A obra já foi paralisada por suspeita de superfaturamento que envolve os governos federal, estadual e municipal. Enquanto isso, os 200 000 passageiros que se beneficiariam dela continuam se espremendo em ônibus lotados e caindo aos pedaços.

Na semana passada, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, recebeu seis governadores, dois vice-governadores e nove prefeitos de capitais. Como num jogo de faz de conta, cada um pediu a ela um naco dos 50 bilhões de reais imaginários. No mesmo espírito das rodas infantis, a ministra prometeu que daria um pouquinho a todo inundo. Como demonstraram os brasileiros nos últimos meses, essa brincadeira já perdeu a graça.

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