CORRUPÇÃO NA CASA CIVIL – Parte 2 A seguir, mais uma história edificante
A segunda parte da matéria publica na Revista VEJA desta semana
Foto: Cristiano Mariz/Veja-Abril
José Roberto Carvalho Campos, marido de Erenice, enraizado também no esquemão Diego Escosteguy e Otávio Cabral Fontes: Revista VEJA, Blog do Noblat
Em outros episódios, a participação da Casa Civil aparece de forma mais clara. VEJA apurou mais um caso no qual o poder da Casa Civil dentro do governo misturou-se aos interesses comerciais da ex-ministra, resultando numa negociata de 100 milhões de reais. Desta vez, o lobista central da traficância não é o filho, mas o atual marido de Erenice Guerra, o engenheiro elétrico José Roberto Camargo Campos.
Com a ministra Dilma Rousseff na Casa Civil e a esposa Erenice Guerra como seu braço direito, Camargo convenceu dois amigos donos de uma minúscula empresa de comunicações a disputar o milionário mercado da telefonia móvel. Negócio arriscado, que exige muito capital e experiência num ramo cobiçado e disputado por multinacionais. Isso não era problema para Camargo e seus sócios. Eles não tinham dinheiro nem experiência, mas sim o que efetivamente importa em negócios com o governo: os contatos certos – e poderosos.
Em 2005, a empresa Unicel, tendo Camargo como diretor comercial, conseguiu uma concessão da Anatel para operar telefonia celular em São Paulo. Por decisão pessoal do então presidente da agência, Elifas Gurgel, a empresa do marido ganhou o direto de entrar no mercado. De tão exótica, a decisão foi contestada pelos setores técnicos da Anatel, que alegaram que a empresa sequer havia apresentado garantias sobre sua capacidade técnica e financeira para tocar o negócio.
O recurso levou dois anos para ser julgado pela Anatel. Nesse período, Erenice e seu marido conversaram pessoalmente com o presidente da agência, conselheiros e técnicos, defendendo a legalidade da operação. “A Erenice fazia pressão para que os técnicos revissem seus parecereres e os conselheiros mudassem seu voto”, conta um dos membros do conselho, também alvo da pressão da ex-ministra.
A pressão deu certo. O técnico que questionou a legalidade da concessão, Jarbas Valente, voltou atrás e mudou seu parecer, admitindo os “argumentos” da Casa Civil. Logo depois, Valente foi promovido a conselheiro da Anatel. Um segundo conselheiro, Pedro Jaime Ziller, também referendou a concessão a Unicel. Não se entende bem a relação entre uma coisa e a outra, mas dois assessores de Ziller, logo depois, trocaram a Anatel por cargos bem remunerados na Unicel.
Talvez tenham sido seduzidos pelos altos salários pagos pela empresa, algo em torno de 30 000 reais – muito, mas muito mais do que se paga no serviço público. O presidente Elifas foi pressionado diretamente pelo Ministro das Comunicações, mas nem precisava: ele foi colega de Exéricito de um dos sócios da Unicel. Tudo certo? Não. Havia ainda um problema a ser sanado.
A legislação obriga as concessionárias a pagar 10% do valor do contrato como entrada para sacramentar o negócio. A concessão foi fixada em 93 milhões de reais. A empresa, portanto, deveria pagar 9,3 milhões de reais. A Unicel não tinha dinheiro.
Novamente com Erenice à frente, a Unicel conseguiu uma façanha. O conselho da Anatel acatou o pedido para que o sinal fosse reduzido para 1% do valor do negócio, ou seja, pouco mais de 900 000 reais. A insólita decisão foi contestada pelo Ministério Público e, há duas semanas, considerada ilegal pela Justiça.
Com a ajuda estatal, a empresa anunciou o início da operação em outubro de 2008, com o nome fantasia de AEIOU, prometendo tarifas mais baixas para atrair o público jovem, com o compromisso de chegar a um milhão de clientes em dois anos. Como foi previsto pelos técnicos, nada disso aconteceu.
Hoje, a empresa tem 20 000 assinantes, sua única loja foi fechada por falta de pagamento de aluguel e responde a mais de 30 processos por dívidas, que ultrapassam 20 milhões de reais. Mau negócio? Apesar da aparência, não. A grande tacada ainda está por vir.
O alvo do marido de Erenice é o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – uma invenção que vai consumir 14 bilhões de reais para universalizar o acesso a internet no Brasil. O grupo trabalha para “convencer” o governo a considerar que a concessão da Unicel é de utilidade pública para o projeto. Com isso, espera receber uma indenização. Valor calculado por técnicos do setor: se tudo der certo, a empresa sairá com 100 milhões de reais no bolso, limpinhos.
Dinheiro dos brasileiros honestos que trabalham e pagam impostos.
A participação da Casa Civil no episódio ultrapassa a intolerável fronteira das facilidades e da pressão política. Aqui, aparecem diretamente as promíscuas relações entre os negócios da família Guerra e os funcionários que, dentro da Presidência da República, deveriam zelar pelo bem público.
A Unicel contou, em especial, com os favores de Gabriel Boavista Lainder, assessor da Presidência da República e dirigente do Comitê Gestor dos Programas de Inclusão Digital, que comanda o PNBL. Antes de ocupar o cargo, Gabriel trabalhou por oito anos com os donos da Unicel. Mas isso é, como de costume, apenas uma coincidência – como também é coincidência o fato de ele ter sido indicado ao cargo pelo marido de Erenice.
“O marido da Erenice é um cara que admirava meu trabalho. Ela me disse que precisava de alguém para coordenar o PNBL”, diz Laender. E completa: “O PNBL não contempla o uso da faixa da Unicel, mas ela pode operar a banda larga do governo se fizer adaptações técnicas” É um escárnio.
Camargo indicou o homem que pode resolver os problemas de sua empresa. Procurado, o marido de Erenice não quis se pronunciar. Na Junta Comercial, o nome de Camargo aparece como sócio de uma empresa de mineração, que funciona em modesto escritório em Brasília. Um probleminha que pode chamar a atenção dos investigadores: a Unicel está registrada no mesmo endereço, que também era usado para receber empresários interessados em negócios com o governo. Certamente mais uma coincidência.
Com reportagem de Rodrigo Rangel, Daniel Pereira, Gustavo Ribeiro e Fernando Mello |
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