ELEIÇÕES 2010: A candidata conquista o ninho
ELEIÇÕES 2010 A candidata conquista o ninho O PT aceita oficialmente a candidatura imposta por Lula. Resta saber o que Dilma aceitará do PT no caso de chegar à Presidência da República
Foto: José Cruz/ABr Otávio Cabral e Gustavo Ribeir "Quando a gente pensa que já viu tudo, vê que não viu nada", disse Dilma Rousseff depois de assistir ao desfile carnavalesco da escola carioca vencedora, a Unidos da Tijuca, que apresentou o enredo O Segredo. A frase merece o comentário que Dilma mais aprecia: "A senhora tem razão!". Quem nunca pensou em vê-la sambar com um gari na avenida, viu. Quem achava impensável ver a ministra dar colo a Mercy Jones, filha de 4 anos de Madonna, rainha do pop, viu. E quem pensava que o mais conhecido segredo da República, a candidatura presidencial de Dilma, fosse um enredo com desfecho incerto, viu sua apoteose no congresso do PT na semana passada. Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula, foi finalmente apontada como a candidata à Presidência da República. O caminho daqui para a frente vai exigir de Dilma mais do que samba no pé e jeito com crianças. Seu repto eleitoral é de uma ousadia ímpar. Sem nunca ter enfrentado nem eleição de condomínio, ela vai buscar os votos dos eleitores para tentar suceder ao mais popular presidente da República da história brasileira recente. Organizada e centralizadora, ela vai se deixar levar caoticamente por uma caravana eleitoral que exige fôlego de atleta, concentração de enxadrista e prontidão circense. Com um humor superficial facilmente azedável e dona de opiniões incontrastáveis, quase hieráticas, sobre os temas técnicos mais arcanos, ela vai ter de retribuir com sorrisos artificiais nos palanques os comentários mais estúpidos. E tome buchada de bode, maionese, feijão-de-corda e copos de Cravo Escarlate, a infusão energizante feita com dezesseis ervas consumida pelos ritmistas da Imperatriz Leopoldinense durante o desfile de Carnaval. Dilma provou, quase se engasgou, mas recuperou o fôlego e secou o copo. Foto: Carlos Magno/Reuters A ministra já vinha ensaiando essa sua versão eleitoral exibida no Carnaval carioca. Ela foi testada mesmo em outra festa, a do IV Congresso do PT, que reuniu 1 300 dirigentes e militantes na capital federal, com o objetivo de aclamá-la pré-candidata do partido. A aclamação oficial pelo partido que lhe torcia o nariz, mas que agora depende dela para se manter no poder, é um desses momentos acrobáticos que só a política pode produzir.
Na semana passada, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente tangenciou o tema. "Não há nenhum crime ou equívoco no fato de um partido ter um programa mais progressista do que o governo", afirmou Lula. "O partido, muitas vezes, defende princípios e coisas que o governo não pode defender." É um pouco mais complexo que isso. Uma vez no governo, o PT tentou implementar teses ruinosas de ruptura revolucionária com avanços duramente conquistados pelos brasileiros, como observa a Carta ao Leitor desta edição. Dinheiro de impostos, transferido a entidades ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), financiou invasões de propriedades, saques e depredações de prédios públicos. Apesar disso, em seus sete anos de governo, Lula conseguiu evitar que os radicais do partido materializassem seus instintos mais nocivos. Dilma, se eleita, conseguirá o mesmo? A cinco meses do início da campanha, essa já é uma questão prioritária para a candidata. O ato inaugural dessa dinâmica deu-se na semana passada em Brasília. Em sua primeira aparição no evento do PT, a ministra discursou para comunistas e socialistas de países como China, Coreia do Norte, Cuba e Venezuela. Sua fala ocorreu a portas fechadas e não pôde ser acompanhada pela imprensa. Sabe-se que a ministra foi muito aplaudida e que recebeu o apoio do tiranete Hugo Chávez, transmitido por uma representante da Venezuela. Longe dos holofotes vermelhos, porém, Dilma e Lula tentam se desvencilhar dos pendores revolucionários do petismo. A Grande Transformação, que reúne propostas do PT para a candidata, precisou ser totalmente reformulado. O original, de autoria do coordenador de seu programa de governo, Marco Aurélio Garcia, defendia maior controle da economia, atacava a liberdade de expressão e propunha o controle dos canais de TV por assinatura. Lula e Dilma mandaram retirar essas passagens e incluir temas como a defesa da preservação da estabilidade econômica e um elogio à atuação dos bancos brasileiros na crise financeira que sacudiu o planeta. "Você tem de ser conciliadora, Dilma", insistiu Lula. A preocupação do presidente e de sua candidata com o radicalismo aliado não se limita aos excessos de radicais como Marco Aurélio Garcia, cujo relógio ideológico está parado há três décadas. "Parece que tem gente no PT com saudade do tempo em que perdíamos uma eleição atrás da outra", afirma o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, um dos estrategistas da ministra. O risco de o radicalismo petista contaminar a campanha de Dilma é tão grande que já existe até uma estratégia para detê-lo. Além de exigir mudanças nas sugestões para a candidata, o presidente já deixou claro, em conversas com os estrategistas da campanha, que as propostas do PT não se confundirão com o programa de governo de Dilma. Embora o radical Garcia seja oficialmente o coordenador do programa de governo, fórmula para tentar animar a combalida militância petista, Lula decidiu afastá-lo das articulações da campanha. Na área econômica, o principal alvo dos ataques tóxicos do radicalismo, os responsáveis serão o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, o presidente do Banco Central Henrique Meirelles e o ex-ministro Delfim Netto. "A maior contribuição do PT ao país é o governo Lula. Queremos dar continuidade a esse projeto com a Dilma", diz o senador petista Aloizio Mercadante. Foto: Wildes Barbosa/O Popular/Folhapress Se os arroubos autoritários do PT parecem estar contidos na campanha, o tamanho de sua participação num eventual governo de Dilma ainda é incerto. "Lula é maior que o PT e tem uma capacidade de liderança maior que a de Dilma. Isso cria uma oportunidade para que o PT exerça um protagonismo no governo Dilma", disse recentemente o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra. Foto: Ricardo Stuckert/PR Não há, evidentemente, uma relação direta entre a maneira de escolher um candidato e o seu desempenho no poder. Dilma virou candidata graças a uma rara conjunção de fatores. O principal deles talvez seja o processo de deterioração experimentado pelo PT nos últimos cinco anos. Foto: José Cruz/ABr Acompanhando o presidente em inaugurações de escolas, barragens e até canteiros de obras, a ministra passou de uma candidata desconhecida, com apenas 3% das intenções de voto, para uma forte concorrente, com 25%, marca que a coloca em segundo lugar, logo atrás do governador de São Paulo, José Serra. Tudo isso em menos de um ano.
A disputa pela simpatia do eleitorado e a difícil missão de neutralizar o radicalismo de seu partido, porém, não são os únicos desafios de Dilma. Agora mesmo, a turma do PT defenestrada pelo mensalão enxerga em sua candidatura uma maneira de se reabilitar na vida política. O exemplo mais notório é o ex-ministro José Dirceu, réu no Supremo Tribunal Federal sob a acusação de comandar a quadrilha que desviava dinheiro público para subornar parlamentares aliados do governo. Dirceu era um dos personagens mais animados no congresso petista que aclamou Dilma. "Terei papel oficial na campanha", dizia. "Mensalão, para mim, não é corrupção. É financiamento de campanha com caixa dois." Outro mensaleiro, o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha, tem a mesma ambição. Quer ocupar a Secretaria de Comunicação do PT e palpitar sobre a estratégia eleitoral de Dilma. O risco de dar corda a essa turma é enorme. Nos últimos meses, Dirceu tem percorrido os estados governados pelo PSB para, na base da chantagem, impedir a candidatura presidencial de Ciro Gomes. O método não é apropriado - e os benefícios para Dilma são incertos. De acordo com as últimas pesquisas, a saí-da de Ciro facilitaria uma vitória de Serra já no primeiro turno. Ciro é um desses fatores imponderáveis, de trajetória errática capaz de produzir fatos que, como disse Dilma, "quando a gente pensa que já viu tudo, vê que não viu nada". *Acrescentamos e substituímos fotos e legendas do texto original |
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