Joaquim Barbosa: "O MENINO POBRE QUE MUDOU O BRASIL" - Revista Veja
BRASIL O MENINO POBRE QUE MUDOU O BRASIL O triunfo da Justiça A revista Veja traça um perfil do Ministro Joaquim Barbosa, o relator do processo do Mensalão e comenta sobre o andamento do processo Postado por Toinho de Passira Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr Na última quarta-feira, o ministro Joaquim Barbosa, 58 anos, apresentou seu voto sobre um dos mais marcantes capítulos do julgamento do mensalão - o “last act (bribery)”, “último ato (suborno)”, como ele anotou em inglês no envelope pardo que guardava o texto de sua decisão. Além do português, Barbosa domina quatro idiomas - inglês, alemão, italiano e francês. Pouco antes da sessão, o ministro fez uma última revisão no texto. Cortou algumas citações, acrescentou outras e destacou trechos. Não alterou em nada a essência da sua convicção, cristalizada depois de sete anos como relator do processo. Durante mais de três horas, Barbosa demoliu a defesa e as esperanças dos petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, mostrando como eles usaram dinheiro desviado dos cofres públicos para subornar parlamentares e comprar o apoio de partidos políticos ao governo Lula. Exaurido pela dor nas costas que o martiriza há anos, o ministro anunciou seu “last act” no mesmo tom monocórdio com que discorreu sobre as provas: condenou por crime de corrupção ativa Dirceu, Genoino e Delúbio, que formavam a cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT). Dois ministros acompanharam o relator e um aceitou em parte as teses da defesa. A votação continua nesta semana, quando os seis ministros restantes vão revelar suas decisões, mas o Supremo Tribunal Federal, o STF, já consolidou perante os brasileiros o conceito - sem o qual uma nação não se sustenta - de que a Justiça funciona também para os ricos e poderosos. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
O ministro Joaquim é relator do processo do mensalão. Por ter coordenado toda a fase de instrução do processo, é, em tese, quem conhece os mínimos detalhes das mais de 50000 páginas de depoimentos, laudos, memoriais e perícias. Seu voto, por isso, é diferenciado. Serve como bússola para os demais ministros. Dos 38 réus acusados de integrar a quadrilha, 26 já foram julgados e, destes, 22 acabaram condenados. Joaquim foi seguido pela maioria dos ministros em 53 de um total de 58 votações. Oito políticos, três banqueiros e vários empresários vão cumprir pena de prisão. Em Paracatu, no interior de Minas Gerais, “Fritz” já era uma celebridade. Desde criança, Joaquim trabalhou com o pai, ora ajudando a fazer tijolo, ora entregando lenha num caminhão velho que a família adquiriu em um período de maior prosperidade. O apelido germânico era uma troça dos colegas. O menino tinha alguns hábitos considerados estranhos: lia tudo o que encontrava, escrevia no ar, cantava em outros idiomas e gostava de andar com o peito estufado, imitando gente importante. “Todos viam que o Joaquim seria alguém quando crescesse”, diz o tio José Barbosa, de 78 anos. “Choro muito de emoção quando ouço a voz dele no rádio, no julgamento desse povo aí”, ressalta. Que povo? O tio não sabe direito. “São esses políticos aí...”. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr O hoje empresário Joaquim Rath, amigo de infância do ministro, lembra que na casa de adobe onde Joaquim Barbosa morava com os pais e mais sete irmãos não havia sofá, geladeira nem televisão. Só uma mesa com cadeiras. “Mas com o Joaquim não tinha essa história de negro humilde e pobre, e ele não se subordinava aos ricos e brancos”, conta. Em 2003, Joaquim Barbosa estava em Los Angeles, nos Estados Unidos, quando recebeu uma ligação de Márcio Thomaz Bastos - então ministro da Justiça e hoje advogado de um dos réus do mensalão - informando-o de que seu nome estava sendo cotado para uma vaga no Supremo Tribunal. O presidente Lula queria indicar um juiz negro para o cargo - celebrado como o primeiro na história da corte. Joaquim era o nome certo. Não tinha inimigos no PT e tinha currículo. Quando o velho caminhão do pai quebrou, em 1971, a família resolveu tentar a vida em Brasília, que fica a 250 quilômetros de Paracatu. Na capital, Joaquim se formou em direito, foi aprovado no concurso para oficial de chancelaria e depois em outro para procurador da República. Fez doutorado na Sorbonne, em Paris, foi professor visitante na Universidade Colúmbia, em Nova York, e na Universidade da Califórnia. Dois meses depois da primeira sondagem, saiu a indicação de Joaquim Barbosa para o STF. O ato foi assinado pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
”Minha vida é de muita luta, algumas vezes em ambientes hostis. Sou um sujeito que nunca pediu nada a ninguém, nunca me curvei a ninguém e tive muita sorte.” – Ministro Joaquim Barbosa Joaquim Barbosa, pela posição que ocupa, é quem mais se destaca no julgamento, mas coube ao decano do STF, ministro Celso de Mello, deixar clara a disposição do tribunal de punir os mensaleiros e mandar um recado de intransigência com as aves de rapina que dão rasantes sobre os cofres públicos. “A corrupção compromete a integralidade dos valores que dão significado à própria ideia de República, frustra a consolidação das instituições, compromete a execução de políticas públicas em áreas sensíveis, como as da saúde e da educação, além de afetar o próprio princípio democrático”. Celso de Mello foi duro e bem didático nas palavras. Ele disse que os réus do mensalão formaram uma “quadrilha de verdadeiros assaltantes dos cofres públicos” e comprometeram a República ao agir com “espírito de facção” para obter privilégios. Um voto histórico num julgamento histórico: “Este processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder, como se o exercício das instituições da República pudesse ser degradado a uma função de mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de desígnios pessoais”, disse o decano. Essa manifestação contundente, feita ao vivo na TV, diante de milhares de telespectadores, serve de alerta aos poderosos acostumados com um quadro secular de impunidade. Na última década, o Ministério Público e a polícia até avançaram em investigações de crimes de colarinho-branco, mas os resultados produzidos ainda são risíveis. Em 2008, havia 409 corruptos e corruptores presos no Brasil, num universo de quase 500000 detentos. No ano passado, o número subiu para módicos 632. Milhares de servidores, prefeitos e deputados são réus em ações criminais por corrupção e em processos civis por improbidade administrativa. Mas são casos paroquiais, com pouca divulgação e pequena repercussão. O bom exemplo, como se sabe, deve vir de cima - no caso, do STF com seus réus de foro privilegiado. “Ao condenar os mensaleiros, o Judiciário não está rompendo um padrão de impunidade absoluta, mas está rompendo o padrão da impunidade de quem tem sangue azul”, diz o sociólogo Demétrio Magnoli. O julgamento estendeu a notoriedade aos demais ministros do STF. Antes, o assédio a eles era tímido, protagonizado basicamente por estudantes de direito e advogados. Agora, os ministros são reconhecidos em restaurantes, aviões e até na praia. O decano Celso de Mello até já posou para fotos com uma criança no colo a pedido dos pais. “As pessoas comentam que o Supremo está projetando uma imagem que dá muito orgulho aos cidadãos, na medida em que demonstra intolerância ao fenômeno criminoso da corrupção. Este é um processo impregnado de alto valor pedagógico”, disse o decano. O ministro Marco Aurélio tem recebido uma média de trinta e-mails sobre o mensalão por dia no gabinete. É o dobro do que recebia antes do início do julgamento. “Percebo que há um acompanhamento da matéria, o que revela um avanço cultural da sociedade”. Luiz Fux, Cármen Lúcia e o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, até mudaram alguns hábitos e estão mais reclusos, para evitar acusações de que se tornaram vedetes. Fux não tem ido à praia e só anda em carros com película nos vidros. Cármen viaja menos de avião, e Britto sai menos para jantar fora. O ministro Lewandowski também está mais recluso, mas por outra razão. Devido a seus frequentes votos pela absolvição de réus, Lewandowski foi vaiado em um aeroporto e pediu reforço de segurança, por se sentir ameaçado. “Parece que somos pop stars e heróis, mas somos apenas servidores. Não estamos fazendo um justiçamento, mas julgando a partir da prova e com respeito a todas as garantias constitucionais”, diz Marco Aurélio. Joaquim Barbosa vai assumir a presidência do STF em novembro. Quem acompanha o julgamento pela televisão percebe que existe algo que incomoda o ministro tanto quanto tentar cooptá-lo. A todo instante, ele troca de posição, troca de cadeira, sai do plenário, transpira. Parece irritado. São as fortíssimas e constantes dores causadas pela sacroileíte, uma inflamação na base da coluna. Na quarta-feira, enquanto proclamava a condenação da cúpula do PT, o ministro experimentou uma almofada elétrica importada que aquece e relaxa os músculos. Não adiantou. O problema de saúde fez Joaquim abrir mão de uma de suas maiores paixões: jogar futebol. Antes disso, ele passou a ser muito requisitado para atuar em jogos disputados em campos desconhecidos, e isso o deixava constrangido. Foi convidado diversas vezes pelo então presidente Lula para participar de uma pelada com os convivas do Palácio da Alvorada, alguns deles agora sob julgamento. Joaquim Barbosa nunca aceitou. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr *Acrescentamos subtítulo, fotos e legendas a publicação original |
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