9 de out. de 2012

A Blogueira cubana, Yoani Sánchez, comenta sua prisão

CUBA
A Blogueira cubana, Yoani Sánchez, comenta sua prisão
No jornal El pais e no seu blog, a internacionalmente famosa dissidente cubana conta os momentos de cárcere após ter sido detida, ao lado do marido, quando ia a serviço do jornal espanhol fazer a cobertura jornalística de um julgamento, na cidade de Bayamo, capital da província de Granma, distante 700 km de Havana

Foto: Arquivo

COMOÇÃO INTERNACIONAL - Quando se noticiou a prisão da blogueira Yoani Sánchez o governo americano e de diversos países europeus, mostraram-se preocupados e pediram sua libertação imediata

Postado por Toinho de Passira
Fontes: El Pais, "thepassiranews"

Em depoimento publicado, neste sábado, no jornal espanhol "El País", a blogueira cubana Yoani Sánchez comentou como foram as 30 horas em que passou como prisioneira do regime de Fidel.

Yoani foi detida a caminho em Bayamo, capital da província de Granma, na última quinta-feira (4), acompanhada do marido e de um amigo, quando, como colaboradora do jornal da Espanha, El Pais, ia cobrir o julgamento do espanhol Ángel Carromero, acusado pela morte, por atropelamento, de Payá, um ativista cubano.

Ela descreve como um gigantesco aparato militar, algo como uma operação para enfrentar o cartel de drogas ou prender um perigoso serial killer, posto na estrada para detê-la. O governo cubano supôs que a blogueira iria até a cidade onde ocorria o julgamento para tumultuar ação da justiça.

A cubana disse que decidiu ir assistir ao julgamento, pois lera no Jornal Granma, um órgão da imprensa cubana, ligado ao governo, que o julgamento iria ser público. Ela comenta que tudo aconteceu porque o jornal Granma, publicou uma mentira.

Diz que a desagradável experiência, serviu para ela ter uma pequena amostra da pressão que sofre um prisioneiro do regime, ao ser detida ilegalmente e privado dos seus direitos de cidadão.

Contou que ficou na custódia de três mulheres uniformizadas, que lhe confiscaram o celular e fizeram uma constrangedora revista, tentando inclusive despi-la, no que ela reagiu. Neste instante Yoani diz que pagou por não permitir ser despida, mas não esclarece se sofreu alguma violência.

Depois desses momentos de tensão, aconteceu o que chamou de segunda fase da prisão, quando foi abordada por uma militar, boazinha, como nos filmes de tortura, um personagem que serve para amolecer a resistência do prisioneiro.

Segundo ela a mulher disse que tinha o mesmo nome dela, “como se isso fosse algo de bom” e se propunha a dialogar. Yoani diz que esse truque, tantas vezes reptido, uma combinação de violência seguida de simpatia, não lhe afetou. Discutiu com a interlocutora longamente sobre a ilegalidade passou a repetir, por mais de três horas supõe, a frase: "Eu exijo que você deixe-me fazer uma chamada telefônica, é meu direito."

Segundo ela, o refrão a fez sentir-se forte contra aquelas pessoas treinadas com táticas para amolecer a resistência humana. “Uma obsessão era tudo o que eu precisava para enfrentá-los. E eu me tornei obcecada”, – disse na narrativa.

Embora parecesse não se importar com a sua reivindicação insistente, por algum tempo, a blogueira, diz que logo depois foi autorizada a fazer uma ligação e pode trocar algumas palavras com o seu pai, numa chamada obviamente grampeada.

Depois disso ela entrou numa fase de resistência que chamou de "hibernação", quando passou a recusar comer, e a beber qualquer líquido, não permitiu o exame médico, por várias vezes. A ideia era não colaborar de forma alguma com seus captores.

Comentou que grande parte do tempo em que esteve detida foi acompanhada por câmeras, e não sabe se vão usar as imagens em algum momento, na programação da TV estatal. Por isso ela disse que foi cuidadosa no que falava e nos sues movimentos, para evitar que essas cenas servissem como desculpas a sua prisão ilegal.

”Eu tentei, tornar o mais difícil possível, uma edição futura desse material”.

”Eu só fiz um pedido durante as 30 horas como prisioneira. Pedi para ir ao banheiro, pois, estava eu preparada para levar a batalha até o fim, mas minha bexiga não, - comentou.

Após isso diz que foi conduzida a um calabouço-suite. Ela disse ter se recusado a deitar na tentadora cama, e ficou o tempo todo numa cadeira, num canto enroscada, vigiada permanentemente por duas mulheres.

Ela disse que sabia que não podia confiar em nada do que estava aconteceu dentro daquele ambiente. “A água não pode ser água, a cama mais parecia uma armadilha e médico estava mais para um delator que para um profissional da medicina. Tudo o que me restava era mergulhar nas profundezas do "eu", fechar as portas para o exterior. Foi o que fiz. A fase de "hibernação" levou a um sono auto-induzido e a uma mudez total.

”Até o momento foi-me dito que eu "estava sendo transferido para Havana," me custou abrir as pálpebras e língua pareciam fora da boca pelos efeitos de sede prolongada. No entanto, senti que tinha vencido. Em um gesto final, um dos meus captores estendeu a mão para me ajudar a entrar no micro-ônibus, onde se encontrava o meu marido. "Eu não aceitei a cortesia do repressor".

Veja abaixo o post, sobre a prisão, que Yoani publicou, no seu Blog:

Rumpelstiltskin

Yoani Sánchez
Fonte:Generaciony Y

Ainda levo na pele e bem dentro das fossas nasais o suor daquelas três mulheres que me enfiaram num carro da polícia. Grandes, corpulentas, implacáveis, levaram-me até aquele quarto onde não havia janelas e o ventilador desfeito apenas jogava frescor até elas. Uma me olhava com especial ironia. Na melhor hipótese meu rosto lhe recordava alguém do passado: uma adversária na escola, uma mãe despótica ou uma amante perdida. Não sei. O que lembro é que, na tarde de 5 de outubro, seu olhar queria me destruir. Foi ela que apalpou sob minha saia com grande prazer, enquanto outras duas uniformizadas me agarravam para cumprirem a “exigência”. Mais do que buscar algum objeto escondido, essa busca perseguia o objetivo de me deixar com uma sensação de violação, de impotência e de estupro.

A cada seis horas trocavam minhas guardiãs. No turno da meia noite mostravam-se menos rígidas, porém eu me encerrei num mutismo e nunca respondi as suas perguntas. Fugi de mim mesma. Optei por dizer a mim mesma: “tiraram-me tudo, até o grampo de cabelo, porém – revistadores ridículos – não puderam tomar meu mundo interior”. Desse modo que decidi me refugiar, durante as longas horas de uma detenção ilegal, no único que possuía: minhas lembranças. O aposento queria parecer limpo e ordenado, porém cada coisa tinha sua porção de sujeira ou ruptura. O chão de placas de granito claro estava coberto por uma boa dose de limo acumulado. Fiquei olhando as figuras formadas pelas pedrinhas fundidas em cada azulejo e nas manchas de sujeira.

Lá surgia o magro semblante de Quixote, enquanto em cada canto consegui ver o frágil perfil do Bobo de Abela. Uns olhos oblíquos formados pela argamassa e as pedrinhas se pareciam, incrivelmente, aos da protagonista do filme Avatar. Eu ria e minhas vigilantes constantes começavam a acreditar que a minha negativa de provar alimentos ou água estava literalmente fritando o cérebro. Observei no granito irregular o Corcunda de Notre Dame e a figura esbelta de Gandalf, com báculo e tudo. Porém sobre todas aquelas formas que brotavam de tão tosco pavimento havia uma – mais intensa – que parecia brincar e se rir frente aos meus olhos. Talvez fosse o efeito da sede ou fome, a verdade é que não sei. Um anão de barba comprida e olhar cínico gracejava de maneira astuciosa.

Era Rumpelstiltskin, o protagonista de um conto infantil onde a rainha é obrigada a adivinhar seu nome complicado, pois do contrário deveria entregar ao anão despótico sua mais apreciada posse: seu próprio filho. O que aquele personagem fazia no meio da minha detenção temporária? Por que o via por cima de tantas outras referências visuais que acumulei na minha vida? Intuí a resposta imediatamente. “És Rumpelstiltskin, disse-lhe em voz alta e as minhas carcereiras me olharam preocupadas. “És Rumpelstiltskin – repeti – e sei como te chamas”. “És como as ditaduras que uma vez que alguém começa a chamá-las pelo seu nome, é como se começasse a destruí-las”.


*Acrescentamos subtítulo, foto e legenda a publicação original*Tradução do blog para a língua portuguesa por Humberto Sisley de Souza Neto


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