8 de jan. de 2011

Crônica: A COMADRE - Luis Fernando VERRISSIMO

Crônica
A COMADRE
Luis Fernando VERRISSIMO

O veraneio terminou mal. A idéia dos dois casais amigos, de muitos anos, de alugarem uma casa juntos deu errado. Tudo por culpa do comentário que o Itaborá fez ao ver a Mirma, a comadre Mirna de biquíni fio dental pela primeira vez. Nem tinha sido um comentário. Mais um som indefinido.

- Omnahnmon!

Aquilo pegara mal. A própria Mirma sorrira sem jeito. O compadre Adélio fechara a cara, mas decidira deixar passar. Afinal, primeiro dia dos quatro na praia, criar um caso naquela hora estragaria tudo. Eram amigos demais para que um simples deslize – o som involuntário, isto era claro - acabasse com tudo. E, ainda por cima, a casa já estava paga por um mês.

- Naquela noite, no quarto, a Isamar pediu satisfação ao marido.
- Pô, Itaborá. Qual é?

- Não pude controlar, puxa.
- Na cara do Adélio!

-"Eu sei. Foi chato. Mas saiu. Que que eu posso fazer?
- Nós conhecemos a Mima e o Adélio há o quê? Quase dez anos.

- Mas eu nunca tinha visto a bunda da Mima.
- Ora Itá!

- Não. Entende? A gente pode conviver com uma pessoa dez, vinte anos e ainda se surpreender com ela. A bunda da Mirna me surpreendeu, é isso. Me pegou desprevenido.
- Vai dizer que você nunca nem imaginou como era?

- Nunca. Juro. Nem me passou pela cabeça. E de repente estava ali toda. Sei lá. Toda ali.
- Pois vê se te controla.

Pelo resto do veraneio o Itaborá fez questão de nem olhar para o fio dental da comadre. Quando os quatro iam para a praia, se apressava a caminhar na frente. Se por acaso as nádegas da comadre passassem pelo seu campo de visão, olhava para o alto, tapava o rosto com o jornal, assobiava.

Um dia, o Itaborá e o Adélio sentados no quintal, a Mirna recém servira a caipirinha, de biquíni, e se dirigia de volta para a casa, e o Itaborá suspirou.

- Que foi?- perguntou o Adélio, agressivo.

- Essa política econômica - disse o Itaborá. - Sei não. Não levo fé.

- Ah - disse o Adélio.

Até o fim do veraneio ficou aquela coisa chata entre os quatro. O Itaborá não podia tossir que todos o olhavam, desconfiados


Crônica do livro “Comédia da Vida Privada” – 22ª Edição - Editora L&PM, Porto Alegre 1966

Um comentário:

AJ disse...

Olá amigo, seus post são sempre interessantes. Seria bom se tivesse a opção de botões de compartilhamento.