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21 de ago. de 2013

Topless literário em Nova Iorque

ESTADOS UNIDOS – Erótico – Cultural
Topless literário em Nova Iorque
Grupo de mulheres aproveitam o verão novaiorquino para fazer leitura nos parques, com as “tetas ao léu”, como dizem os portugueses. É um hábito saudável e cultural ao mesmo tempo. Embora não haja uma preocupação qualitativa da leitura, experimentam uma liberdade, que segundo elas é desfrutadas pelos homens, e deve também ser pelas mulheres.

Fotos: The Outdoor Co-ed Topless Pulp Fiction Aprecciation Society/divulgação

As vezes mostrar os seios é mais importante que ler

Postado por Toinho de Passira
Fontes: The Outdoor Co-ed Topless Pulp Fiction Aprecciation Society, Huffington Post, Uol

Juntando seios à mostra com literatura, um grupo de entusiastas do topless decidiu tirar a blusa para ler nos gramados dos parques de Nova York, nos EUA, durante o verão. O grupo tem um blog: "The Outdoor Co-ed Topless Pulp Fiction Aprecciation Society" (Sociedade de topless que aprecia literatura popular, ao ar livre) onde são divulgados os locais onde acontece os eventos e publicadas as fotos das participantes, que visivelmente muitas vezes estão mais interessadas em exibir as tetas, que fazer qualquer leitura.

Uma das líderes do grupo que usa o pseudônimo, Alethea Andrews, para falar sobre as atividades. Todas do grupo usam apelidos para evitar que sejam reconhecidas e perseguidas por empregadores ou por familiares caretas, disse que as atividades são realizadas quase toda semana enquanto o clima permite, e cerca de cem mulheres e alguns poucos homens (mais para dar apoio, segundo ela) participaram dos encontros nos últimos três verões.



O blog divulga a programação, os livros que as garotas gostam de ler e se deixar fotografar "bem à vontade" nos parques da cidade.

"Estar pelada melhora tudo", disse Alethea. "Melhora especialmente a sensação de estar ao livre em um dia ensolarado e quente. Os homens podem andar por aí confortavelmente sem camisa. Por que não as mulheres?"

Participar dos encontros não requer sofisticação literária; obrigatório mesmo é ficar sem roupa. E assim Alethea define a experiência: "Um dos grandes prazeres na vida é ler enquanto a brisa acaricia seus seios." (Soa provocante, não?)



As moças recebem apoio de uma loja online de romances policiais, e o gênero pulp fiction é o preferido.

Pulp fiction é aquele livro de segunda categoria, que inclui romances policiais do tipo B: o suspense da história se desenvolve enquanto vai ficando mais quente o affair entre o personagem homem-machão-viril e a personagem mulher-atraente-vulnerável.

"É divertido, provocante e sexy, e sempre tem em suas capas mulheres vestindo tão pouco quanto nós", explica Alethea. Apesar disso, todo tipo de livro pode ser compartilhado. Já pintou até um Paulo Coelho, apresentado por uma das integrantes (mas que Alethea não teve a oportunidade de ler).

Segundo as integrantes, a maioria das pessoas que se depara com o grupo, reunido lendo com os seios a mostra nos parques, não tem nenhuma reação em particular. Apenas uma minoria, diz ou faz qualquer coisa, que pode ser uma aprovação com o polegar erguido, um gesto de reprovação ou uma insinuação desagradável. Mas segundo elas isso é bem raro e é fácil de ignorar quando acontece."



Pelas fotos divulgadas no blog e no Twitter do grupo, as garotas não podem ser descritas como sutis ou envergonhadas. "Talvez por sermos um clube de livro, para pessoas que adoram ler, parece que atraímos um grupo incomum de mulheres inteligentes, interessantes, divertidas", diz Alethea.

Defende que deve ler sem blusa, ‘em parte pelo conforto físico –quando está quente, quem não prefere ficar com o dorso nu em vez de ficar suando embaixo de uma ou duas camadas de roupa? (camiseta e sutiã) Mas, também para defender uma ideia: se homens e mulheres são iguais, eles precisam ter os mesmos direitos e liberdades e oportunidades. Se os homens podem andar por aí com seus mamilos descobertos, mulheres também podem.

Concordamos, apoiamos e incentivamos. Com as mulheres dos outros, é claro!


Essa participante foi identificada, pelo Blog, como sendo uma brasileira de férias, que resolveu entrar no grupo. Só não deu para ver o livro que ela estava lendo

29 de jan. de 2011

Crônica: LIXO - Luis Fernando VERRISSIMO

Crônica
LIXO
Luis Fernando VERRISSIMO

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia.
- Bom dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612.
- É ...
- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
- Pois é...

- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo
- O meu quê?
- O seu lixo.
- Ah...
- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena
- Na verdade sou só eu.

- Mmmm. Notei também que o senhor usa muita comida em lata.
- É que eu tenho que fazer minha própria comida não sei cozinhar...
- Entendo.
- A senhora também...
- Me chame de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas te alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisa assim...
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas como moro sozinha, às vezes sobra...

- A senhora... Você não tem família?
- Tenho, mas não aqui.
- No Espírito Santo.
- Como é que você sabe?
- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora?
- Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.

- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é
- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
- Más notícias?
- Meu pai. Morreu.
- Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe?
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo.
- Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.

- Você brigou com o namorado, certo?
- Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante. Mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
- É que eu estou com um pouco de coriza.
- Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.

- Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você já está analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
- Não! Você viu meus poemas? - Vi e gostei muito.
- Mas são muito ruins!
- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Se eu soubesse que você ia ler...
- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...

- Ontem, no seu lixo...
- O quê?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
- Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
- Jantar juntos?
- É...
- Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha.
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
- No seu lixo ou no meu?


Crônica do livro “Comédia da Vida Privada” – 22ª Edição - Editora L&PM, Porto Alegre 1966

22 de jan. de 2011

Crônica: FALANDO SÉRIO - Luis Fernando VERRISSIMO

Crônica
FALANDO SÉRIO
Luis Fernando VERRISSIMO

Foto: Natalia Franco/Flickr

Ele disse:
- Ora, reforma agrária...
Ela disse:
- Vai dizer que você é contra? Ele tentou cair fora:
- O assunto é muito complexo. Ela insistiu:
- Espera um pouquinho.
- Dá um beijo, vai.
- Espera isto é importante. Eu quero saber.
- O quê?
- A Reforma agrária. Você é contra?
- Por quê? Você é a favor?
- Mas só sou.
- Você quer que o velho divida as terras dele?
- Teu pai é latifundiário?
- Tremendo lati.
- Eu não sabia!
- Tem muita coisa a meu respeito que você ainda não sabe, boneca. Vem cá que eu te mostro...
- Espera. Falando sério.
- Da uma beijoca.
- Falando sério, pomba.
- Está bem. O que você quer saber?
- Seu pai. Quantos hectares ele tem? Ou acres? É acres ou hectares?
- E eu sei? Nunca fui lá.
- Quantos?
- Um monte.
- Mais ou menos?
- Olha, eles pegam o jipe da fazenda e, num dia, não conseguem chegar ao fim das nossas terras.
- Meu Deus do céu!
- É que o jipe quebra sempre. Dá um beijo, poxa
- Pára.
- Vem cá, mulher!
- Não vou. Olha, nunca pensei, viu?
- O quê? Que meu velho fosse fazendeiro? Como é que você pensa que eu tou pagando a faculdade? E o carro? E o apartamento? E as nossas alianças de noivado?
- Ele tem terra improdutiva?
- Tem. Exatamente a parte que ele está guardando pra me dar quando eu casar. A nossa terra, amor.
- Mas E o seu discurso?
- Bom...
- Até eu achava radical. E olha que eu sou meio PT.
- Não vamos brigar por causa disto.
- Tudo o que você vive dizendo. Justiça social...
- Confere.
- A insensibilidade dos ricos no Brasil
- Mantenho.
- Os escândalos dos sem terra num país deste tamanho.
- Sustento.
- Vem cá. Outra noite, aqui mesmo, neste bar, você disse que toda a propriedade é um roubo. Eu achei bacanérrimo.
- Foi uma frase que me ocorreu na hora. Mas escuta...
- E agora vem dizer que é contra a reforma agrária.
- Eu não sou contra a reforma agrária. Teoricamente, sou a favor.
- E então?
- Você não entende? Agora não é teoria. Agora são as terras do velho!


Crônica do livro “Comédia da Vida Privada” – 22ª Edição - Editora L&PM, Porto Alegre 1966


Veja todas as Crônicas de Luis Fernando VERRISSIMO já publicadas no “thepassiranews”

15 de jan. de 2011

Crônica: SAUDADE - Luis Fernando VERRISSIMO

Crônica
SAUDADE
Luis Fernando VERRISSIMO

A ilha só não é uma ilha deserta de cartum porque em vez de uma palmeira tem várias. Mas no resto é igual. Os náufragos são dois. Dá para ver o tempo que estão na ilha pelo comprimento das suas barbas, e as barbas batem no joelho. Estão falando sobre mulher.

- Tem um ponto, acho que é aqui no pescoço - faz tanto tempo - em que todas cheiram igual.
- Bobagem. Cada uma tem um cheiro diferente.
- Não, não. Tenho certeza quase absoluta. É aqui, nesta dobra. Um cheiro, assim, doce. Todas.
- E você cheirou todas?
- Todas as que eu conheci tinham o mesmo cheiro aqui. Eu enchia as narinas, meu Deus. Eu ...
- Não vá começar a chorar outra vez. Você prometeu.

- Sabe o que é que eu me lembro? O antebraço.
- Onde é que ficava isso?
- Aqui em cima. O antebraço é a coxa do braço. O braço era embaixo.
- Não é o contrário?
- Não importa o nome. Aquela parte carnuda, em cima.
- Já localizei. O que que tem?
- É a parte da mulher que envelhece mais devagar.
- Você está delirando.
- É fato. Quando a mulher é nova, a carne ali é rija. Depois de uma certa idade ela perde a rigidez, mas não fica flácida logo. Fica, assim, cheia. Roliça.
- História.
- Até nas magras, aquela parte é carnuda. Nunca conheci uma magra que não tivesse, pelos menos ali, um montinho remissor. Alguma coisa onde se meter os dentes.

- Lembra as magras de peito grande?
- Lá vem você com peito.
- Sempre fui um homem de peitos.
- Está bem, está bem. Mas não generaliza. Pense naquela curva aqui, saindo da axila e inchando suavemente, suavemente ... Dizem que não existem dois seios iguais no mundo.
- Como que não? Pelos menos dois tem que haver.
- Não há! Não é fantástico? O esquerdo é diferente do direito.
- Vem com essa. Só porque cada um olha para um lado.
- Não. São diferentes. Têm personalidades diferentes, tudo.
- E eu tenho que agüentar ...

- Lembra nuca?
- Nuca ...
- Quando elas puxavam o cabelo para cima, sempre sobravam uns fios na nuca.
- Puxa. Eu tinha me esquecido da nuca.
- É onde a mulher tem o cabelo mais fino.
- Não vem com teoria.

- A curva do ombro. As costas quentes. Aquele ponto onde ainda não é a nádega mas já há uma elevação, um prenúncio ...
- A junção da nádega com a parte de trás da coxa ...
- Ah, aquela prega.
- Não tinha prega nenhuma.
- Comoque não? Uma espécie de subnádega. Cansei de ver.
- Nas suas, talvez. Que eu me lembre, terminava a nádega e começava a coxa, direto.
- Por amor de Deus. E aqueles riscos que elas tinham embaixo da nádega, o que eram? Bigodes?
- Nunca vi risco nenhum.
- Porque você não prestou atenção. Só via peito.
- Está bem. Concedo a prega.

- Agora, formidável era como a frente das coxas se projetava, lembra?
- Mmmm.
- A curva das coxas se salientava. Era uma curva longa, do quadril até o joelho. Um leve arco protuberante.
- Dos joelhos, sempre preferi a parte de trás.
- Os vãos. Exato.
- Nas coxas, às vezes, você não via, mas olhando de perto notava uma leve penugem.
- Tão leve que passando a mão não se sentia.
- Muitas raspavam as pernas.
- Às vezes ficavam cortes. Pequenos cortes.
- Isso. Criavam casca.
- Só olhando bem de perto a gente via.
- A pele macia e aquele cortezinho. Pobrezinhas.
- A pele macia ...
- A perna atrás. Do vão dos joelhos até o tornozelo.
- O tornozelo. Enrugadinho, mas lindo.

- O dedinho do pé, sempre meio encurvado para dentro.
- Todo aquele grande trecho do pescoço, da orelha até o ombro.
- Orelha!
- A boca.
- Não fala.
- O lábio inferior um pouquinho maior que o superior.
- Os dentinhos, às vezes saltados. Mmmm.
- A gente encostava a cabeça num seio e ouvia o coração.
- Era morno. Tudo era morno.
- Aquelas duas entrâncias na base das costas.

- O umbigo ...
- Ah ...
- Você prometeu que não ia chorar mais.
- Por que você foi falar no umbigo?


Crônica do livro “Comédia da Vida Privada” – 22ª Edição - Editora L&PM, Porto Alegre 1966

8 de jan. de 2011

Crônica: A COMADRE - Luis Fernando VERRISSIMO

Crônica
A COMADRE
Luis Fernando VERRISSIMO

O veraneio terminou mal. A idéia dos dois casais amigos, de muitos anos, de alugarem uma casa juntos deu errado. Tudo por culpa do comentário que o Itaborá fez ao ver a Mirma, a comadre Mirna de biquíni fio dental pela primeira vez. Nem tinha sido um comentário. Mais um som indefinido.

- Omnahnmon!

Aquilo pegara mal. A própria Mirma sorrira sem jeito. O compadre Adélio fechara a cara, mas decidira deixar passar. Afinal, primeiro dia dos quatro na praia, criar um caso naquela hora estragaria tudo. Eram amigos demais para que um simples deslize – o som involuntário, isto era claro - acabasse com tudo. E, ainda por cima, a casa já estava paga por um mês.

- Naquela noite, no quarto, a Isamar pediu satisfação ao marido.
- Pô, Itaborá. Qual é?

- Não pude controlar, puxa.
- Na cara do Adélio!

-"Eu sei. Foi chato. Mas saiu. Que que eu posso fazer?
- Nós conhecemos a Mima e o Adélio há o quê? Quase dez anos.

- Mas eu nunca tinha visto a bunda da Mima.
- Ora Itá!

- Não. Entende? A gente pode conviver com uma pessoa dez, vinte anos e ainda se surpreender com ela. A bunda da Mirna me surpreendeu, é isso. Me pegou desprevenido.
- Vai dizer que você nunca nem imaginou como era?

- Nunca. Juro. Nem me passou pela cabeça. E de repente estava ali toda. Sei lá. Toda ali.
- Pois vê se te controla.

Pelo resto do veraneio o Itaborá fez questão de nem olhar para o fio dental da comadre. Quando os quatro iam para a praia, se apressava a caminhar na frente. Se por acaso as nádegas da comadre passassem pelo seu campo de visão, olhava para o alto, tapava o rosto com o jornal, assobiava.

Um dia, o Itaborá e o Adélio sentados no quintal, a Mirna recém servira a caipirinha, de biquíni, e se dirigia de volta para a casa, e o Itaborá suspirou.

- Que foi?- perguntou o Adélio, agressivo.

- Essa política econômica - disse o Itaborá. - Sei não. Não levo fé.

- Ah - disse o Adélio.

Até o fim do veraneio ficou aquela coisa chata entre os quatro. O Itaborá não podia tossir que todos o olhavam, desconfiados


Crônica do livro “Comédia da Vida Privada” – 22ª Edição - Editora L&PM, Porto Alegre 1966

11 de dez. de 2010

Raimundo Carrero acredita no veneno milagroso e salvador de sua literatura

DEPOIMENTO
Raimundo Carrero acredita no veneno
milagroso e salvador de sua literatura

Foto: Arquivo

Marcelino Freire
Fontes: Folha de São Paulo, ”thepassiranews”

Segui Carrero até o hotel. Sem que ele soubesse. Na sombra, até a porta. "Ora, deixa que eu me viro, pode ir embora."

Fui, mas dei meia-volta. De longe, o acompanhei. Como quem guarda um pai. Zela por um grande mestre.

Faz uns dois anos. Carrero havia extraído um tumor da garganta. Veio, depois, a Sampa. Com a voz já recuperada. Mas a alma severa. Assustada. Feito um preso, frágil, colocou suas mãos no meu ombro. E fomos, juntos, atravessando a avenida Paulista. Em liberdade. Essa imagem eu não esqueço. Ave! E agradeço aquela primeira batalha, vencida.

Aí veio o infarto, em seguida. Putz-grila! Socorreram, às pressas, seu coração. Bonachão. O meu, em frangalhos. O que está acontecendo? Meu Cristo! Sofri calado. E lembro: do tempo em que nos conhecemos. Ele, de peito inflado. Apaixonado por Graciliano Ramos, Flaubert.

Ensinando-me os ossos do ofício. Os caminhos do ofídio. Nada fácil. Foi um soco, certeiro, a oficina de criação literária que fiz com Carrero, no Recife, em 1988. Um golpe assombroso. Era o primeiro escritor que eu via. Em carne viva. Cangaceiro e sanguinário. O matador de advérbios, o perseguidor de adjetivos. Este homem grande, duro na queda. "Duro", neca. Leve. Sempre bem-humorado. Colecionador de causos. Hilários. Piadista.

Foi ele quem, na Flip, confundiu o escritor americano Paul Auster com um gerente de pousada. Foi quem puxou um papo em francês -sem saber francês- com o escritor Pierre Michon. "O segredo, quando não se sabe uma língua, Marcelino, é falar baixo", revelou-me ele a técnica.

Entre tantas técnicas. E ensinamentos. Como, por exemplo, na manhã em que estive em sua casa para fazer uma visita. Carrero, velho guerreiro, enfrentando mais uma rasteira. Da vida. Recuperando os movimentos da perna. Das mãos. Vencendo um derrame com aquele seu jeito. Palhaço. De pedra que não se consome.

"A doença já me deu um romance", me falou. E os olhos dele faiscavam. "A banda não tocou. O galo não cantou. O mundo não mudou. Eu estava morrendo." Recitou, apaixonado, o trecho do livro e levantou um sorriso. Vencedor. Certo de que a literatura é o melhor remédio. O veneno milagroso. E salvador. De quem serei para sempre -como o mestre me ensinou- seu humilde seguidor.


Marcelino Freire é escritor. É autor, entre outros, de "Contos Negreiros" (editora Record).

19 de jun. de 2010

JOSÉ SARAMAGO: "De como a Personagem Foi Mestre e o Autor Seu Aprendiz"

JOSÉ SARAMAGO:
"De como a Personagem Foi Mestre e o Autor Seu Aprendiz"
Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito sábia, não alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas palavras.

Discurso de José Saramago ao receber o Nobel de literatura
Fonte: Publico

O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher.

Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom carácter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável. Ajudei muitas vezes este meu avô Jerónimo nas suas andanças de pastor, cavei muitas vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei lenha para o lume, muitas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de ferro que accionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e a transportei ao ombro, muitas vezes, às escondidas dos guardas das searas, fui com a minha avó, também pela madrugada, munidos de ancinho, panal e corda, a recolher nos restolhos a palha solta que depois haveria de servir para a cama do gado. E algumas vezes, em noites quentes de Verão, depois da ceia, meu avô me disse: "José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira". Havia outras duas figueiras, mas aquela, certamente por ser a maior, por ser a mais antiga, por ser a de sempre, era, para toda as pessoas da casa, a figueira. Mais ou menos por antonomásia, palavra erudita que só muitos anos depois viria a conhecer e a saber o que significava... No meio da paz nocturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direcção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea, o Caminho de Santiago, como ainda lhe chamávamos na aldeia. Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me acalentava. Nunca pude saber se ele se calava quando se apercebia de que eu tinha adormecido, ou se continuava a falar para não deixar em meio a resposta à pergunta que invariavelmente lhe fazia nas pausas mais demoradas que ele calculadamente metia no relato: "E depois?". Talvez repetisse as histórias para si próprio, quer fosse para não as esquecer, quer fosse para as enriquecer com peripécias novas. Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo. Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os seus animais, deixando-me a dormir. Então levantava-me, dobrava a manta e, descalço (na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos), ainda com palhas agarradas ao cabelo, passava da parte cultivada do quintal para a outra onde se encontravam as pocilgas, ao lado da casa. Minha avó, já a pé antes do meu avô, punha-me na frente uma grande tigela de café com pedaços de pão e perguntava-me se tinha dormido bem. Se eu lhe contava algum mau sonho nascido das histórias do avô, ela sempre me tranquilizava: "Não faças caso, em sonhos não há firmeza". Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito sábia, não alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas palavras. Foi só muitos anos depois, quando o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprias filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver.

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18 de jun. de 2010

Morreu Saramago o escritor português universal

PORTUGAL - LUTO
Morreu Saramago o escritor português universal
José Saramago foi o único escritor de língua portuguesa a ganhar o Prêmio Nobel de literatura. Ateu, comunista e polêmico. Delicado, denso e amoroso. Um narrador tradicional que inovava no texto, na forma e sobretudo no tema

Foto: Reuters

Toinho de Passira
Fontes: Caderno José Saramago, Publico, G1, BBC Brasil

O escritor português José Saramago, 87 anos, morreu hoje, sexta-feira, na localidade de Tías, em Lanzarote, Ilhas Canárias na Espanha. Saramago é um dos maiores nomes da literatura contemporânea, o único escritor da língua portuguesa a ser laureado com o prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998. Ganhou também um prêmio Camões - a mais importante condecoração da língua portuguesa.

Entre seus livros mais conhecidos estão "Memorial do convento", "O ano da morte de Ricardo Reis", "O evangelho segundo Jesus Cristo", "A jangada de pedra" e "A viagem do elefante". O mais recente romance publicado pelo escritor foi "Caim", de 2009. Seu estilo de escrita era caracterizado, entre outras experimentações de linguagem, pelos parágrafos muito longos e o uso incomum de pontuações.

"Ensaio sobre a cegueira", que conta a história de uma epidemia branca que cega as pessoas, metáfora da cegueira social, foi levado às telas em um produção hollywoodiana filmada pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles (de "Cidade de Deus") em 2008. O autor, normalmente avesso a adaptações de suas obras, aprovou o trabalho de Meirelles.

Saramago era considerado como o criador de um dos universos literários mais pessoais e sólidos do século XX e uniu a atividade de escritor com a de homem crítico da sociedade, denunciando injustiças e se pronunciando sobre conflitos políticos de sua época. Em 1997, escreveu a introdução para o livro de fotos "Terra", em que o fotógrafo Sebastião Salgado retratava a rotina do movimento dos sem-terra no Brasil.

Saramago nasceu na aldeia de Azinhaga, na Golegã, a 16 de Novembro de 1922, e apesar da mudança com a família para Lisboa, com apenas dois anos, o local de nascimento seria uma marca constante ao longo da sua vida, como se referiria na Academia Sueca em 1998, aos 76 anos, quando da sua distinção com o Nobel da Literatura.

A austeridade material da sua infância, contraposta a uma riqueza humana que o marcaria indelevelmente, seria um dos pontos fulcrais do discurso, onde destacou longamente a avó Josefa e o avô Jerônimo, "capaz de pôr o universo em movimento com apenas duas palavras."

O escritor português junto de Fidel Castro durante um protesto contra o bloqueio a Cuba, em 1998. Depois romperia com o regime de Castro, devido a fuzilamento de presos políticos.
Estudante no Liceu Gil Vicente, que é obrigado a abandonar por dificuldades econômicas, matriculando-se na Escola Industrial Afonso Domingues, termina em 1939 os estudos de Serralharia Mecânica.

Em 1944, casa com a gravadora e pintora Ilda Reis. A filha única do casal, Violante Saramago Matos, nasceria em 1947, o mesmo em que publica a sua primeira obra, “Terras do Pecado”. O título original, “Viúva”, foi alterado por imposição do editor da Minerva.

Saramago desvaloriza o livro, que nunca incluiu na sua bibliografia. Uma das razões apontadas pelo seu autor para a exclusão foi, precisamente, a alteração forçada do título. “Clarabóia”, que seria o sucessor de “Terras do Pecado”, foi recusado pelo seu editor e permanece inédito até hoje.

Foto: Christina Fallara

Fotografado, em Lisboa, pela fotografa americana Christina Fallara

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