Crônica ESCALÕES Luis Fernando VERRISSIMO
- Sabe quem está muito cotado para fazer parte do Governo? - Conta. - O marido da Alba. - Que Alba? - Aquela baixinha. Você conheceu no cabeleireiro. - Tenho uma vaga lembrança - Uma que pinta o cabelo de cobre. Fala muito barra porque ouviu na novela. - Acho que sei quem é. Que horror. - Pois é. Vai para Brasília. - O marido é militar, é? - Não, não. Área econômica. Parece coisa importante. - Preciso investigar.
- Alô! - Alô, Albinha? Aqui quem fala é Vivian Malheiros de Lima e Lima. Nos conhecemos no ca ... - Mas claro! Como vai? - Muito bem. E você? Já fazendo as malas? - Nem me fala. Uma barra. - Os amigos podem saber para que posto vai o ... o ... - O Jorge Augusto? Olha, Vivian, a coisa ainda é meio secreta. O Jorge Augusto não fala muito no assunto, em casa. Só sei que é coisa certa. - Está me cheirando a primeiro escalão ... - A quê? - Ministério, Albinha. E o Jorge Augusto merece. - Não sei. Vai ser uma barra ... - O que é isso, querida? Precisamos comemorar. Vocês estão livres na sexta? - Sexta-feira? Bem ... - Quero oferecer um jantarzinho para vocês, meu bem. Meu marido, de tanto me ouvir falar em vocês, está louco para conhecer o João Augusto. - Jorge Augusto. Olha, acho que vai dar. Mas depois da novela, hein? - Nove e meia, está bem? Só nós e mais uns três ou quatro casais. - Ótimo, Vivian. - As minhas amigas me chamam de Vica. - Ótimo, Vica!
- Jorge Augusto Souza Santos? Nunca ouvi falar. - Ou Santos Souza. Por aí. - Tem certeza de que é primeiro escalão? - Coisa certa. - Estranho ...
- Alô, Vica? É a Alba. - Oi, Albinha! - Estou telefonando por uma bobagem, mas é que eu sou meio chata nessas coisas, sabe como é? O jantar na sua casa, é com que traje? - Esportivo, Albinha, esportivíssimo. Coisa bem informal. É só para os nossos maridos se conhecerem melhor. Venham como quiserem. - Então está bom, Vica ... - Alguma novidade sobre o posto do Jorge, Albinha? - Ah! Parece que não é primeiro não. - Primeiro o quê? - Escalão. - Mmmm. - Segundo escalão é até melhor. Mais estáveL O tráfego de influência é maior. - Espero que você reconheça o que estou fazendo por você, Antônio. Ter que agüentar a tal de Alba ... Aposto que ela vem ao meu jantar de tafetá.
- Alô, Vica? - Sim, Alba. - Sobre o jantar de amanhã, outra vez. O Jorge Augusto que- ria levar alguma coisa. Quem sabe um vinho ... - Não precisa nada, Alba. A bebida está incluída no preço. - Essa é boa, Vica. Você, hein? Uma barra. - Alguma notícia de Brasília, Alba? - Bom, já sabemos que segundo escalão não é. - Terceiro? - Tem alguma coisa abaixo de terceiro, Vica? - Tem, mas aí já é subsolo, Alba. - Parece que é quarto escalão.
- Já sei. O cara vai ser contínuo. Você e as suas amizades, Vica. - Minhas amizades, não senhor. Nem conheço a peça. E ago¬ ra? O jantar está marcado. - Problema seu.
- Alô, Sra. Alba Santos Souza? - Souza Santos. Sim, sou eu. - Aqui é da parte de Vivian Malheiros de Lima e Lima. A senhora Lima e Lima lamenta, mas não poderá receber para jantar hoje, como estava combinado. - Por quê? Algum problema? - Hepatite.
Crônica do livro “Comédia da Vida Privada” – 22ª Edição - Editora L&PM, Porto Alegre 1966 |
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