30 de abr. de 2010

STF mantém Lei da Anistia, por ampla maioria

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
STF mantém Lei da Anistia, por ampla maioria
Por 7 votos a 2, o pleno do Supremo considera que não lhe cabe alterar a Lei da Anistia, nem interpretá-la de forma diversa do entendimento dos últimos 31 anos. Os Ministros Lewandowski e Ayres Britto divergiram do relator, e foram votos vencidos. Para eles tortura é crime comum, mas maioria disse que perdão foi consensual

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Sessão plenária do Supremo Tribnunal Federal durante julgamento da ação sobre a Lei de Anistia

Toinho de Passira
Fontes: Folha Online, BBC Brasil, STF, Estadão

“Só o homem perdoa, só uma sociedade superior qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar. Porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que os seus inimigos é capaz de sobreviver.” - A afirmação é do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, último a votar no julgamento em que a Corte rejeitou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por uma revisão na Lei da Anistia.

A Ordem pretendia que a Suprema Corte anulasse o perdão dado aos representantes do Estado (policiais e militares) acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar. O caso foi julgado improcedente por 7 votos a 2.

Pela pretensão da Ordem dos Advogados do Brasil, só os terroristas, guerrilheiros e assaltantes de Bancos, da resistência esquerdista, quem mataram, sequestraram e torturam durante o regime militar, merecia perdão.

Foto: Gil Ferreira/SCO/STF

O voto vencedor foi do ministro Eros Grau (foto), relator do processo, o único dos 11 membros do STF a ter sofrido tortura durante o regime militar, por advogar em favor de presos opositores do regime

O Ministro Eros Grau, no primeiro dia de sessão que tratou da Lei de Anistia, na condição de relator do processo, fez uma minuciosa reconstituição histórica e política das circunstâncias que levaram à edição da Lei da Anistia e ressaltou que não cabe ao Poder Judiciário rever o acordo político que, na transição do regime militar para a democracia, resultou na anistia de todos aqueles que cometeram crimes políticos e conexos a eles no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

Além do ministro Eros Grau, posicionaram-se dessa maneira as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, e os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso.

Defenderam uma revisão da lei, alegando que a anistia não teve caráter amplo, geral e irrestrito, os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. Para eles, certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política pura ou por conexão.

O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento porque estava à frente da Advocacia Geral da União à época em que a ação foi ajuizada e chegou a anexar informações ao processo. O ministro Joaquim Barbosa está de licença médica.

Tecnicamente o voto de Eros Grau dizia que mesmo que quisesse o Supremo não poderia modificar uma lei, feita pelo legislativo, única instância numa democracia que pode legislar.

Se o poder legislativo até hoje não fez nenhuma modificação na Lei de Anistia, não alterou o seu teor, nem reduziu sua amplitude, o STF não tem poderes para fazê-lo.

É preciso que se compreenda que as decisões do Supremo Tribunal Federal têm que se basear nos princípios constitucionais. Se a Lei de Anistia em vigor, não fere a constituição, foi elaborada corretamente, não cabe aos Ministros do Supremo intervir.

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O presidente Do STF, ministro Cezar Peluso, pronunciando o seu voto favorável a manutenção da Lei de Anistia como está

O último voto proferido foi o do presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Ele iniciou dizendo que nenhum ministro tem dúvida sobre a profunda aversão por todos os crimes praticados, desde homicídios, sequestros, tortura e outros abusos, não apenas pelos nossos regimes de exceção, mas pelos regimes de exceção de todos os lugares e de todos os tempos.

Contudo, a ação discutida não tratava da reprovação ética dessas práticas, de acordo com Peluso.

Ele avaliou que a anistia aos crimes políticos é, sim, estendida aos crimes conexos, como diz a lei, e esses crimes são de qualquer ordem. Para o presidente da Corte, a Lei de Anistia transcende o campo dos crimes políticos ou praticados por motivação política.

Peluso nas suas considerações conclusivas interpretou que a anistia é de sentido amplo e de generosidade, e não restrito, a norma em xeque não ofende o princípio da igualdade porque abrange crimes do regime contra os opositores tanto quanto os cometidos pelos opositores contra o regime.

Considerou ainda que a ação não trata do chamado direito à verdade histórica, porque há como se apurar responsabilidades históricas sem modificar a Lei de Anistia. Frisou que a lei de anistia é fruto de um acordo de quem tinha legitimidade social e política para, naquele momento histórico, celebrá-lo.

Disse que não se trata de caso de autoanistia, como acusava a OAB, porque a lei é fruto de um acordo feito no âmbito do Legislativo. Finalmente, Peluso classificou a demanda da OAB de imprópria e estéril porque, caso a ADPF fosse julgada procedente, ainda assim não haveria repercussão de ordem prática, já que todas as ações criminais e cíveis estariam prescritas 31 anos depois de sancionada a lei.

Peluso rechaçou a ideia de que a Lei de Anistia tenha obscuridades, como sugere a OAB na Arguição de descumprimento de preceito fundamental. O que no fundo motiva essa ação [da OAB] é exatamente a percepção da clareza da lei. Ele explicou que a prova disso é que a OAB pede exatamente a declaração do Supremo em sentido contrário ao texto da lei, para anular a anistia aos agentes do Estado.

Sobre a OAB, aliás, ele classificou como anacrônica a sua proposição e disse não entender por que a Ordem, 30 anos depois de exercer papel decisivo na aprovação da Lei de Anistia, revê seu próprio juízo e refaz seu pensamento numa consciência tardia de que essa norma não corresponde à ordem constitucional vigente.

Ao finalizar, Peluso comentou que se é verdade que cada povo resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura, com os seus sentimentos, com a sua índole e também com a sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia.

O presidente do Supremo declarou, ainda, que uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos com as mesmas armas, com os mesmos instrumentos, com os mesmos sentimentos está condenada a um fracasso histórico.


*Utilizamos como texto base a notícia publicada na página do STF, com exclusões, observações, comentários e complementos de outras origens.

Um comentário:

Ana Cecília Sabbá disse...

A gente se choca com aqueles que governam o nosso país.
Como falar em consciência histórica se a Lei de Anistia esconde a própria realidade facutal dos acontecimentos? Como falar em perdão se não sabemos nem o que aconteceu?!
Um país que não tem a coragem a assumir publicamente seus erros, repete-os. É prova estatística que onde houve qualquer tipo de retratação às atrocidades cometidas, há uma incidência menor de violações aos direitos humanos. É esse um dos maiores motivos de ainda haver tortura nas celas de todo o país. Queria que os filhos dos ilustríssimos presidentes do STF que votaram contra, fossem desparecidos políticos, para ver se eles iriam continuam achando que é mexer em ferida aberta sem ganhar nada em troca.