Nas asas estatais - Miriam Leitão
OPINIÃO Nas asas estatais "O grupo que ganhou a disputa pelo Aeroporto Juscelino Kubitschek, de Brasília, é o mesmo que ganhou o de São Gonçalo do Amarante e ainda não conseguiu terminar o project finance, e por isso está tendo dificuldade de se financiar. A Engevix, que esteve envolvida em alguns casos— controversos, está associada a um grupo argentino no aeroporto. Foi quem deu o maior ágio: de 679%." Foto: Elza Fiúza/ABr Míriam Leitão e Alvaro Gribel A privatização dos aeroportos foi um sucesso de ágio, houve disputa, mas, como a privatização dos tucanos, foi estatizada demais. O defeito é o mesmo. Fundos de pensão de estatais garantem as empresas privadas, o BNDES financiará 80% dos investimentos, e a Infraero vai pagar parte da conta. Os maiores operadores mundiais perderam o leilão nos três aeroportos. O consórcio Ivepar, que comprou Guarulhos, em São Paulo, é 80% formado por Previ, Petros e Funcex, ou seja, os mesmos fundos de pensão estatais que sustentaram as privatizações do governo Fernando Henrique. A diferença é que naquela época era mais difícil conseguir financiamento para o Brasil. Tem como sócio o operador de vários aeroportos da África do Sul. Além disso, a estatal que vendeu o ativo, a Infraero, permanece com 49% e, portanto, pagará metade da conta de R$ 16,2 bilhões. Fica na estranha situação de pagar por ter vendido. Há ainda o compromisso de em Guarulhos investir R$ 4,5 bilhões em 15 anos, sendo R$ 1,4 bilhão até a Copa. O BNDES vai emprestar 80% dos recursos. — O que achei estranho é que os grandes operadores — aeroportos como os de Cingapura, Zurique e Houston — perderam. Também ficaram de fora as empreiteiras mais sólidas, como Odebrecht e CCR. O ágio foi alto, mas se fosse com os grandes operadores, tudo bem, porque eles estão acostumados a tirar leite de pedra, mas os pequenos, talvez não — avalia o especialista em aviação Respício do Espírito Santo. O mesmo ceticismo é compartilhado por outro analista: o professor Hugo Ferreira Braga Tadeu, da Fundação Dom Cabral e autor do livro “Logística Aeroportuária”. — Lá fora, os projetos são pensados como cidades-aeroportos, com o entorno, acessos, hotéis, shopping centers. Isso tudo permite que a rentabilidade das empresas fique muito maior, com mais espaço para investimentos. A taxa de retorno é de 20%; aqui, é de 6%. No Brasil se pensa em aeroportos como terminal e pista, apenas — afirmou. O grupo que ganhou a disputa pelo Aeroporto Juscelino Kubitschek, de Brasília, é o mesmo que ganhou o de São Gonçalo do Amarante e ainda não conseguiu terminar o project finance, e por isso está tendo dificuldade de se financiar. A Engevix, que esteve envolvida em alguns casos— controversos, está associada a um grupo argentino no aeroporto. Foi quem deu o maior ágio: de 679%. O grupo que ganhou o aeroporto de Viracopos, em Campinas, é o mesmo que venceu um leilão do governo de São Paulo para administrar a Rodovia dos Trabalhadores. O problema é que ele não conseguiu apresentar as garantias e foi desclassificado em favor da Eco Rodovias, que estava em segundo lugar. O que ganhou Guarulhos, a Invepar, é operador do Metrô do Rio, da Linha Amarela e da Rodovia Rio-Teresópolis. A ACSA, da África do Sul, administra aeroportos pelos quais passam 30 milhões de passageiros por ano. Seu maior trunfo, no entanto, é que 80% do consórcio são os três maiores fundos de pensão de estatais. O modelo do leilão privilegiou o tamanho do ágio. Venceu quem deu o maior lance. O mesmo modelo dos tucanos que foi muito criticado principalmente pela presidente Dilma Rousseff quando era ministra. Ela, naquele tempo, preferia o que chamava de “modicidade tarifária”. Ou seja, quem cobrasse menos do consumidor. Nos aeroportos, voltou a ser o maior ágio.— Os grupos terão que pagar grandes ágios, fazer investimentos e ainda entregar parte da receita para um fundo que vai investir em aeroportos menos rentáveis. O especialista em logística Paulo Fleury, do instituto Ilos, acha que esse é um ponto a favor do modelo: — Desta forma, vai se investir em aeroportos que não são rentáveis agora, mas são importantes na logística do país. Sobre a excessiva participação estatal nos consórcios, através de fundos de pensão, investimentos financiados pelo BNDES e a sociedade da Infraero, Paulo Fleury explica: — Isso é um defeito da nossa economia, os grupos privados são excessivamente dependentes do Estado. O investimento em infraestrutura não pode ser feito com financiamento privado porque é caro demais. Seja como for, há o fato de que a Infraero terá metade do custo do ágio de lances dos quais não participou; terá metade do custo, mas não terá qualquer influência na gestão, que será toda das empresas privadas.— Não há dúvida de que o passo da privatização dos aeroportos precisava ser dado, e não pela Copa ou Olimpíadas, que são eventos que terão um tempo específico. A demanda brasileira é que está aumentando em um ritmo muito rápido. O professor Braga Tadeu disse que um estudo da Boeing mostra que o transporte aéreo de passageiros tem crescido 10% ao ano no Brasil e assim deve continuar pelos próximos 10 anos. — Isso significa dobrar o setor em uma década. Em 2011, tivemos 130 milhões de passageiros, e em 2014 teremos 160 milhões. Não é preciso Copa do Mundo e Olimpíadas para que o setor fique estrangulado, ele já está — afirmou. Resta torcer para que novos gestores e o compromisso de investimento aumentem a eficiência dos aeroportos. E que a modelagem da segunda rodada — que deve incluir os aeroportos do Galeão, de Confins e Recife — tenha aperfeiçoamentos que permitam a entrada de grandes operadores do mundo com experiência e conhecimento. Desta vez, os mais experientes não quiseram pagar tão alto quanto os menos experientes se dispuseram a pagar. *Acrescentamos subtítulo, foto e legenda a publicação original |
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