4 de jan. de 2010

OPINIÃO: Tragédias que se repetem

OPINIÃO
Tragédias que se repetem

Foto: Reuters

Visão aérea do local do deslizamento em Angra dos Reis

Marina Silva
Fontes: Folha de São Paulo

Fim de 2008, início de 2009, tragédia em Santa Catarina.

Fim de 2009, início de 2010, tragédia no Rio de Janeiro. Não bastava um episódio tão doloroso?

Não teria sido possível evitar as proporções terríveis do segundo? O mais dramático nesses e em tantos outros casos é a repetição. Sugere inércia e uma irresponsabilidade insuportável que, passado o impacto inicial de vidas perdidas e a devastação de patrimônios tão duramente conquistados, retoma a rotina. E o discurso de que foi o excesso de chuvas a razão do desastre.

Áreas frágeis e não recomendadas para habitação continuam a ser ocupadas. Medidas preventivas permanecem sendo tomadas de maneira paliativa, com pouca verba, empenho e prioridade. Há iniciativas como o estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre as vulnerabilidades do litoral do Estado às mudanças climáticas, mas sem consequências práticas.

As pessoas atingidas continuam a depender quase que unicamente do heroísmo de bombeiros, de grupos de defesa civil, de voluntários que, não raro, aparecem nos noticiários impotentes diante da desproporção entre suas forças e a enormidade da perda e da dor.

Não sei o que se pode dizer aos familiares e amigos das vítimas das chuvas e deslizamentos, mais do que foi dito às vítimas de Santa Catarina. As catástrofes causadas pelo mortífero tripé -chuvas fortes, encostas instáveis e construção em áreas inadequadas- só mudam de lugar. O que parece não acontecer é uma intervenção no único vetor do qual temos controle: o uso e ocupação das áreas.

Sei por experiência própria o que é a perda radical, como a que acontece quando uma correnteza avassaladora invade a casa, leva as pessoas e desmonta o nosso mundo. Não há nada a fazer, a não ser tentar salvar-se e a quem esteja ao alcance da mão. Tudo tão brutal que muitas vezes nem as lágrimas acodem.

John Owen (1616-1683), pastor e teólogo, dizia que os pregadores precisam "experimentar o poder da verdade que pregam em e sobre suas próprias almas". Quem não sente a alma incomodada pelo calvário daqueles que são atingidos de maneira frontal -e, na maioria das vezes, evitável- pelos fenômenos naturais não tem sensibilidade suficiente para mitigá-lo.

Não é justo, não é aceitável que a cada ano mais pessoas passem por tal experiência limite, quando se sabe que é possível fazer mais.

A melhor homenagem às vítimas é lutar para construir e instituir, até porque a tendência é aumentar a ocorrência dos fenômenos climáticos que agravarão ainda mais esse tipo de catástrofe, o que já deveria ser um pleno e efetivo direito da sociedade: a segurança ambiental.

Chega a 50 o número de mortos em Angra
Subsecretário de Defesa Civil diz que mais vítimas podem ser encontradas. Já foram achados 21 corpos no Morro da Carioca e 29 na Ilha Grande

Foto: Associated Press

Bombeiros conduzindo corpo de uma das vítimas

Fonte: G1

A Defesa Civil confirmou no início da tarde desta segunda-feira (4) que 50 corpos foram encontrados na região de Angra dos Reis. Até o início desta tarde, mais quatro vítimas foram encontradas soterradas no Morro da Carioca, no Centro de Angra.

Os bombeiros trabalham com a possibilidade de que mais pessoas podem estar sob os escombros. Com isso, sobe para 72 o número de mortos em decorrência das chuvas em todo o estado do Rio.

Mais cedo, o prefeito de Angra, Tuca Jordão (PSDB-RJ), visitou o morro atingido e classificou o ocorrido como "um aborto da natureza". Em decreto, ele proibiu novas construções e acréscimos em 16 morros do Centro. Segundo a prefeitura, 100 casas devem ser demolidas.

Uma estrutura que atuará como um muro de contenção será construída no morro para evitar o impacto da terra sobre novas casas em caso de novos deslizamentos. Nesta segunda (4), moradores da região foram autorizados a retirar seus pertences das casas ameaçadas.

As buscas por vítimas dos deslizamentos em Angra dos Reis entraram no quarto dia na manhã desta segunda. Na enseada do Bananal, na Ilha Grande, outras três pessoas são procuradas.

Homens da Defesa Civil, Marinha, Polícia Militar e Instituto Estadual do Ambiente, ajudam nos trabalho. Segundo a secretaria, mergulhadores, oito cães farejadores e quatro retroescavadeiras reforçam a busca.



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