Pelo direito de voltar a Passira, quando chegar a hora
Foto: Toinho de Passira
Passira : túmulos aglomerados no cemitério com superlotação
Postado por Toinho de Passira
Minha avó tinha quase cem anos. Aproveitou minha visita ao seu quarto, para fazer um pedido. Com seu jeito índia não fez arrodeio: “quero ser enterrada em Passira!” Tentei fugir do assunto, mas ela foi categórica, fez-me prometer, que voltaria a sua terra natal, para a última morada.
Poucos dias depois, segurando a minha mão, uma lágrima escorreu por sua face e ela se foi serenamente. Lembrei que Passira em tupi-guarani e quer dizer "acordar suave".
Estava na hora de cumprir a promessa. Ligamos para os parentes em Passira e descobrimos que o cemitério não tinha espaço para novos túmulos. Ficamos atordoados sem saber o que fazer até que um amigo prestimoso ofereceu o túmulo da família.
Enquanto ocorria o velório da minha avó, o sino da igreja badalava em sinal de luto. Formou-se uma pequena multidão para homenageá-la. Constatamos que ela estava certa. Fosse longe dali, ela seria mais uma anônima a ser sepultada, em Passira era uma celebridade, cortejada e lacrimejada por muitos.
Pouco tempo depois meu pai, seguiu o mesmo caminho. Ele nem precisou pedir, sempre foi sabido que, quando chegasse a hora, voltaria a sua terra natal. Ser sepultado no solo da sua querida Passira era seu desejo natural. De novo dificuldade para conseguir um local no cemitério.
Desde então tentamos adquirir um jazigo no cemitério local, para acomodar mais gente da família - incluindo esse que vos fala - sem os percalços e as dificuldades encontradas anteriormente. Mas o que ficou evidente é que, desde então, a situação só fez se agravar.
Apesar de simpático, bem cuidado e digno, o cemitério de Passira tem uma superlotação incômoda e vexatória, com covas em localização improvisada, invadindo espaços onde deveriam ser às ruelas e corredores. Há gente sepultada em todos os lugares, como se fora como uma favela de mausoléus.
Caminhar por lá requer malabarismo: passagem por becos exíguos, andar por cima de túmulos, espremer-se entre catacumbas. Encontrar os túmulos dos parentes é um jogo de adivinhação, pois o cenário muda a cada ano e perde-se qualquer referência.
Fomos informados que a área destinada ao cemitério é praticamente o mesmo desde os anos cinquenta. As administrações municipais desde então, nada fizeram para ampliá-lo apesar do aumento populacional e do progresso da cidade.
Politicamente sabe-se que cemitérios não se inauguram, não se põe placa, não consta do discurso de obras realizadas, mas são necessários e até imprescindíveis no contexto de qualquer sociedade organizada.
A desapropriação de áreas contigua ao atual cemitério, ou a criação de um novo espaço para funcionar como campo santo, não são medidas administrativas complexas e dispendiosas. Por sinal, os custos, quase que na sua totalidade, podem ser financiados pela venda de túmulos.
Esse será o endereço de todos nós. Com o avançar da idade essa realidade fica mais evidente. Gostaríamos, como tantos outros passirenses, de ser ‘plantado’ em Passira, como quis minha avó e meu pai e outros membros da família. Mas esperamos que esse desejo não representasse embaraços para a família, amigos e conterrâneos.
Aproveitamos o Dia De Finados, dia de homenagearmos nossos antepassados, para sugerir que se criem espaços novos, para acolher no seio de Passira, seus filhos, adormecidos da vida, e que aqui possam repousar em paz, suave e eternamente.
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