OPINIÃO - Uma revolução puramente egípcia - Rogério Simões
OPINIÃO Uma revolução puramente egípcia “Em seus últimos pronunciamentos, Mubarak apresentou-se como um patriota. Lembrando seu passado de militar, defensor da integridade política e territorial do Egito, inclusive durante a ocupação israelense da Península do Sinai, ele disse ser um servo da pátria. O que os milhões de manifestantes nas ruas do país lhe respondiam, entretanto, era que a pátria não precisava mais de seus serviços’.
Foto: Getty Images Rogério Simões O presidente Hosni Mubarak renunciou. O líder de um dos mais autoritários regimes do Oriente Médio não sobreviveu aos 18 dias de protestos nas ruas do Egito, que atraíram milhões de pessoas. O movimento não contou com líderes claros ou tendências políticas definidas. Reuniu muçulmanos, cristãos e diferentes ideologias. A banida Irmandade Muçulmana reforçou o coro da população insatisfeita, e o ex-chefe da agência da ONU para energia atômica Mohamed Elbaradei chegou a apresentar-se como um possívél líder das massas. Mas o movimento não queria bandeiras ou representantes específicos. Seu objetivo era simples: derrubar o regime, pôr um fim no modelo político baseado na repressão de vozes populares. Sua reivindicação principal era a saída do líder da ditadura, e o que parecia impossível foi obtido diante dos olhares do mundo todo. Hosni Mubarak, um ex-comandante da Força Aérea do Egito que acabou chefiando o país por três décadas, não escolheu exatamente a carreira de ditador. Quando, em uma de suas falas recentes, lembrou que nunca quis o cargo que ocupava, Mubarak não estava exatamente mentindo. O que o levou ao posto foi o assassinato de Anwar Sadat por radicais islâmicos, fato que deixou a Presidência no colo de Mubarak. Sua obrigação, em um momento extremamente delicado para o país, era preservar um regime que já existia desde os anos 50. Ao longo de 30 anos, entretanto, a figura de Mubarak ganhou força, e seu plano de passar o poder para seu filho indicava uma característica mais personalista da ditadura. Mubarak, que se utilizou de uma brutal polícia repressora e, segundo denúncias, possui uma fortuna bilionária no exterior, foi assumindo com o passar do tempo todas as credenciais de um típico déspota. Em seus últimos pronunciamentos, Mubarak apresentou-se como um patriota. Lembrando seu passado de militar, defensor da integridade política e territorial do Egito, inclusive durante a ocupação israelense da Península do Sinai, ele disse ser um servo da pátria. O que os milhões de manifestantes nas ruas do país lhe respondiam, entretanto, era que a pátria não precisava mais de seus serviços. O tempo havia mudado, as necessidades eram outras, e o Egito entrara numa nova fase da sua história. O próprio Exército, enviado inicialmente para conter os protestos, foi forçado a admitir a legitimidade de suas reivindicações. A população disse continuar admirando seus militares, que tanto fizeram pelo país no passado, mas deixou claro que um novo regime deveria nascer das manifestações de rua. O futuro do Egito ainda está para ser definido, e entre os espectadores mais atentos estão três governos com passados e agendas políticas muito diferentes. Estados Unidos, Israel e Irã gozavam de um certo conforto com o regime de Mubarak. Com ele Israel estabeleceu uma paz essencial para a segurança de grande parte do seu território. Washington tinha em Mubarak o maior aliado no mundo árabe, que ao mesmo tempo controlava o avanço fundamentalista e garantia estabilidade a Israel. Já o Irã, adversário de nações sunistas como o Egito, compartilhava com Mubarak a crença de que a democracia plena não era uma alternativa viável para a região. Agora os três países precisam, por motivos diferentes, adaptar-se à nova realidade. O regime islâmico do Irã, apesar de ver com bons olhos o possível avanço no Egito de ideologias contrárias ao Ocidente, vai combater a ideia de que a voz do povo merece ser sempre ouvida. Por isso mesmo, promoveu a interrupção dos sinais do canal persa da BBC, que vinha fazendo cobertura extensiva dos acontecimentos no Cairo. Os Estados Unidos tentarão manter a aliança com os militares egípcios, que são o alicerce do poder no país, enquanto Israel torce para que o possível estabelecimento da democracia não permita avançar no vizinho um sentimento hostil ao Estado judeu. O que os recentes acontecimentos no Cairo mostram, no entanto, é que as potências estrangeiras terão de acatar a vontade dos egípcios e de suas instituições. Apesar de instigado pelos acontecimentos da Tunísia, que semanas antes derrubou o seu próprio ditador, o movimento iniciado em 25 de janeiro, com a ajuda da internet e suas redes sociais, foi uma revolução puramente egípcia. Uma nova geração de cidadãos foi às ruas pela derrubada de um regime que deixara de atender às suas aspirações, sem copiar ninguém ou atender ao chamado de algum líder. Qualquer que seja o caminho a ser tomado pelo Egito, ele parece estar sendo traçado de forma espontânea e independente. Foto: Getty Images *Acrescentamos subtítulo, foto e legenda ao texto original |
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