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3 de jan. de 2015

O palanque e a tribuna - Ruy Fabiano

BRASIL – Opinião
O palanque e a tribuna
Dilma se empossa num ambiente de insegurança e suspeita, com seu próprio mandato condicionado às investigações que diz promover. Confirmado o que disse o doleiro Alberto Youssef – de que ela e Lula sabiam de tudo – ela corre o risco de um impeachment. Enquanto o 'mensalão' estava sendo julgado, a Petrobras estava sendo dilapidada numa escala bem maior, a ponto de o The New York Times considerá-lo o maior escândalo financeiro do mundo.

Charage: Lailson

Postado por Toinho de Passira
Texto de Ruy Fabiano
Fontes: Blog do Noblat

A diferença entre palanque e tribuna é que, no primeiro, vale tudo (ou quase tudo): promessas irresponsáveis brotam no calor da emoção (ou do mais cínico pragmatismo), sem que se cobre do orador a viabilidade do que promete.

Cabe ao eleitor fazê-lo – e isso lhe exige o que, em regra, não tem: informação e algum grau de sofisticação política para separar o joio do trigo. Num eleitorado sem esses atributos, como é majoritariamente o nosso, fica-se com o joio e dispensa-se o trigo.

Prevalece e triunfa a ilusão, que, no entanto, em algum momento, terá de ser desfeita. E isso ocorre (deve ocorrer) quando se ocupa a tribuna – a presidencial, sobretudo. Ali, não há espaço para conversa fiada. É a hora da verdade.

A posse de Dilma Roussef deu-se no palanque. Era ainda a candidata que falava, ao prometer ajuste econômico sem prejuízo das ações sociais. Não disse como; apenas prometeu. Desprezou o fato de que algumas benesses sociais já estão sendo cortadas, na área previdenciária (pensões de viúvas) e na assistência social (seguro-desemprego).

Fez uma avaliação extremamente positiva de seu primeiro mandato, debitando as dificuldades à crise internacional. No entanto, admitiu que o povo quer mudanças, não explicando por quê, se tudo, afinal de contas, foi muito bem feito e os resultados são ótimos. Em time que está ganhando, diz a sabedoria popular, não se mexe. Só se mexe quando se está perdendo – sobretudo de goleada.

A mesma lógica tentou aplicar à crise na Petrobras. Apontou “predadores internos” e “inimigos externos”, sem associá-los a seu próprio partido e à base aliada, de onde já se identificou o núcleo da organização criminosa que dilapidou a empresa, fazendo com que desabasse do quinto lugar no ranking mundial para o 120º.

Insistiu em dizer que seu governo e o de Lula foram os que mais combateram a corrupção, apoiando as ações da Polícia Federal e do Ministério Público. Nem a Polícia Federal, nem o Ministério Público, instituições do Estado, carecem de apoio do governo para agir. Têm sua ação garantida por lei.

Em momento algum, como se sabe, o governo manifestou entusiasmo com as investigações. Basta ver o que o PT fez com Joaquim Barbosa - e, agora, repetindo a manobra, põe em cena, contra o juiz Sérgio Moro, que conduz as investigações do Petrolão, a máquina de triturar reputações.

Veja-se também o que foi feito em relação à CPI da Petrobras, sabotada pelos parlamentares da base aliada desde o início. O grande combate que o partido da presidente Dilma deu à corrupção foi praticá-la num grau de intensidade tal que nem mesmo a imensa tolerância da sociedade brasileira foi capaz de suportar.

Supunha-se que o Mensalão era o maior escândalo da história republicana brasileira – assim pelo menos a ele se referiram, quando do julgamento, o então procurador da República, Roberto Gurgel, o relator Joaquim Barbosa, e os ministros Ayres Brito e Celso de Mello.

Eis, porém, que, no momento mesmo em que aquele escândalo estava sendo julgado, a Petrobras estava sendo dilapidada numa escala bem maior, a ponto de o The New York Times considerá-lo o maior escândalo financeiro do mundo.

Não é só. O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, disse alto e bom som, na CPI, que o que houve lá se repete em todos os setores de infraestrutura do país: rodovias, ferrovias, eletricidade etc. - sem falar, claro, nos biliardários fundos de pensão, caixa preta ainda intocada, e no BNDES.

Como, em tal, contexto, proclamar a pureza do governo - e, ainda por cima, colocá-lo como paladino na luta contra a corrupção? Nem o palanque suporta tal absurdo – que dirá a tribuna.

Dilma se empossa num ambiente de insegurança e suspeita, com seu próprio mandato condicionado às investigações que diz promover. Se o que disse o doleiro Alberto Youssef, em sua delação premiada – de que ela e Lula sabiam de tudo – se confirmar, ela corre o risco de um impeachment.

O governo pode ter algum controle sobre o Judiciário, cuja cúpula foi majoritariamente nomeada por ele. Mas o aparelhamento será desafiado pelas investigações paralelas nos Estados Unidos, cujos investidores são menos tolerantes que os nacionais.

Em meio a tudo isso, há a crise econômica, que imporá (já está impondo) cortes nos benefícios sociais, desemprego e arrocho salarial. Eis aí a realidade do segundo governo Dilma, que nem de perto constou de seu discurso de posse. É hora de descer do palanque.
*Acrescentamos subtítulo e charge de Lailson à publicação original

31 de mai. de 2014

Joaquim Barbosa: um juiz para a História

BRASIL - Opinião
Joaquim Barbosa: um juiz para a História
Barbosa entra para a História, não obstante sua curta permanência no STF. Outros ali ficarão por mais de duas décadas e deles ficará a memória de terem sido antagonistas num julgamento de peso simbólico incomparável.

Foto: STF

O mérito de Barbosa foi a de ter sabido com engenho, coragem e coerência, convencer a maioria de seus pares, homens de grande cultura jurídica, da culpa dolosa dos mensaleiros

Postado por Toinho de Passira
Texto de Ruy Fabiano
Fontes: Blog do Noblat

Jamais o anúncio de uma aposentadoria no Supremo Tribunal Federal, mesmo de alguém que ocupava sua presidência, foi motivo de tanto espanto e comentários quanto a do ministro Joaquim Barbosa, anunciada esta semana.

Isso dá a dimensão que sua figura pública adquiriu, circunstância rara entre os integrantes da Suprema Corte, em regra conhecidos apenas nos meios acadêmicos e jurídicos.

Contrariou colegas, advogados, políticos, militantes; sobretudo, contrariou os padrões vigentes no meio jurídico nacional, onde a graduação política do réu exerce influência decisiva na condução (e desfecho) de seu julgamento.

Não é casual que o Mensalão tenha sido um divisor de águas na história política e jurídica do país. E o Mensalão definitivamente remete à figura de seu relator, o ministro Joaquim Barbosa.

O fato histórico de ter levado a Suprema Corte, por força de seus argumentos e das provas que soube articular, a condenar personagens da elite política e econômica do país – um país cujas tradições as absolveriam –, confere-lhe méritos bem acima de seus proclamados defeitos, que evidentemente existem.

Fala-se, por exemplo, de seu temperamento mercurial: pois foi graças a ele, com todas as suas impropriedades, que convenceu a opinião pública de que o monstro da impunidade estava sendo ali enfrentado. E a opinião pública correspondeu-lhe plenamente ao esforço e audácia, que lhe custaram não poucos contratempos.

A militância partidária o responsabiliza pela condenação de seus líderes, esquecida de que não votou só. E ainda: de que a votação não se baseou em abstrações. Provas havia em abundância, e o mérito de Barbosa foi a de ter sabido enunciá-las e relacioná-las com engenho, coragem e coerência, convencendo a maioria de seus pares, homens de grande cultura jurídica.

As demonstrações de decepção por parte da alta cúpula do PT – sobretudo do ex-presidente Lula -, que esperava subserviência de Barbosa em troca da nomeação, dizem bem da mentalidade tosca e segregacionista ainda vigente no país.

O partido que postulava vocalizar o povo agiu como um clássico senhor de engenho.

João Paulo Cunha, um dos condenados, disse que Barbosa deveria ser grato por ter sido o primeiro negro nomeado para a Suprema Corte do país. Outros, inclusive Lula, disseram coisas na mesma linha de raciocínio. São colocações perfeitamente racistas, que Barbosa soube refutar com sua conduta.

Se o que motivou sua nomeação foi a cor da pele, e a exploração política dela decorrente – e disso não há dúvidas, pois foi mais que confessado -, ele prestou inestimável serviço à causa da luta antirracista, recusando o papel de subserviência que lhe cabia. Respondeu com a exibição de independência, lastreada em sólida cultura jurídica, à altura dos maiorais da Corte. Fez jus aos requisitos constitucionais, ao contrário de outros que ali estão.

Barbosa entra para a História, não obstante sua curta permanência no STF. Outros ali ficarão por mais de duas décadas e deles ficará a memória de terem sido antagonistas num julgamento de peso simbólico incomparável.

Leva consigo o peso da causa que personificou – a quebra da impunidade, numa Justiça jejuna em condenações políticas -, com todos os excessos que protagonizou, sobretudo as desnecessárias picuinhas na execução das penas.

Como quem cumpre uma missão, da qual nem ele parece ter a exata dimensão histórica, deixa atrás de si um rastro de espanto e perplexidade, palavra-síntese de sua passagem-relâmpago pelo Judiciário brasileiro.
Ruy Fabiano é jornalista.
*Alteramos o título, acrescentamos subtítulo, foto e legenda à publicação original

17 de ago. de 2013

O inferno de Cabral, de Ruy Fabiano

BRASIL – Opinião
O inferno de Cabral
O quê ou quem fez os eleitores do Rio e depois de São Paulo rebelarem-se de forma tão virulenta contra os seus governadores? Por acaso, dois estados onde o PT sempre sonhou, sem conseguir, estender os seus domínios

Foto: Facebook

São militantes. Com estratégia e método, acionam quando julgam necessário milícias ninjas para agravar a intimidação. Até em São Paulo, tem gente pedindo a saída de Cabral. Pode?

Postado por Toinho de Passira
Texto de Ruy Fabiano
Fontes: Blog do Noblat

O naufrágio político do governador Sérgio Cabral é um desses enigmas transparentes da política brasileira.

Como alguém que, há três anos, foi reeleito no primeiro turno, com o maior percentual de votos dado a um governador naquela eleição – 66,06% - pode desabar dessa maneira?

Em questão de semanas, saiu do paraíso da popularidade para o inferno da rejeição pública, sem escalas. Sitiado em sua própria casa, não desfruta sequer da solidariedade dos vizinhos.

Não pode sair de casa e seu direito constitucional de ir e vir está suspenso. Os grupos de manifestantes organizados, postados dia e noite em frente a seu edifício no Leblon, querem o seu impeachment – nada menos. Um impeachment imposto pela “voz das ruas”, figura inédita no Direito brasileiro.

Voltemos ao enigma: que aconteceu de diferente entre o primeiro mandato, que gerou o triunfo espetacular da reeleição, e o segundo? A rigor, nada. O Cabral anterior era o mesmo de agora: fazia, dizia e apoiava as mesmas coisas, cercava-se das mesmas pessoas, dos mesmos auxiliares.

Era apoiado por Lula – e consequentemente pelo PT, o que explica os números triunfais de sua reeleição, num estado que sempre tratou o ex-presidente com pompa e circunstância.

Foi alçado à categoria de estadista quando da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) em algumas favelas cariocas (ainda que sem prender nenhum bandido).

Seu fraco por mordomias, que não começou agora, não gerou antes as reações indignadas em curso. Ao contrário, ninguém lembrou delas durante a campanha eleitoral.

Por que então o drástico e traumático rompimento com a opinião pública? A chave evidentemente está no processo sucessório. O PT quer o cargo e o PMDB de Cabral não quer entregá-lo. Há um acordo, selado com Lula e Dilma, de que o partido continuaria a ter apoio do PT para a sucessão de Cabral, que apoia seu vice, Pezão.

Com a popularidade anterior, Cabral não apenas elegeria Pezão, como voltaria sem dificuldades ao Senado. Hoje, nem sai de casa - e, quando sai, não sabe se volta. Pezão já deve estar procurando outro emprego.

O cenário dá a medida da facilidade com que se constroem e destroem reputações, nestes tempos de facebook e twitter, que o PT aprendeu a manejar com maestria, aparelhando blogues e sites, internet afora, com o apoio de numerosas ONGs, sustentadas por verbas públicas, como a notória Fora do Eixo.

O simples fato de ser possível concentrar diuturnamente dezenas e dezenas de pessoas na frente de um prédio – com celulares de última geração e roupas de grife – mostra que não se trata exatamente de povo os que lhe fazem campana.

São militantes. Com estratégia e método, acionam quando julgam necessário milícias ninjas para agravar a intimidação. Não faço a defesa de Cabral, até porque não voto no Rio e esse não é um texto ad hominem. Estranho, no entanto, quando vejo ex-entusiastas seus – e que o eram até poucos meses atrás – pedindo o seu impeachment e sitiando-o em casa, sem que nesse período nada de diferente tenha ele praticado.

O mesmo se dá em relação ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, cujo prestígio foi atestado no início de junho, em pesquisa do Datafolha. Segundo ela, Alckmin seria reeleito governador de São Paulo e bateria o próprio Lula por larga margem: 42% a 26%. Em confronto com outros nomes do petismo, se reelegeria no primeiro turno, oscilando de 50% a 52%.

Por (digamos assim) coincidência, na mesma semana começaram em São Paulo os atos do Movimento Passe Livre, que desembocaram em sucessivas manifestações, que se estenderam por todo o país – e se mantêm até hoje, naquela capital, focadas, confessadamente, na figura do governador, em pleno processo de desconstrução. Também ali se quer o impeachment no grito.

Não há dúvidas de que, em ambos os estados, não faltam razões para que o contribuinte proteste. Mas os problemas não começaram em junho. Os dois governadores e suas respectivas administrações não eram diferentes antes do que são agora.

O que é evidente é que as justas e difusas indignações da população brasileira com a classe política estão sendo manipuladas, fulanizadas e direcionadas contra os adversários do PT – ele, de resto, há uma década no poder, responsável maior pelo desconcerto geral que deu recheio às manifestações.
Ruy Fabiano é jornalista.
*Acrescentamos subtítulo, foto e legenda a publicação original