A irmandade de Thomaz Bastos
BRASIL – Perfil A irmandade de Thomaz Bastos Sua última causa foi a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, a intrincada investigação da rede de lavagem e desvio de dinheiro público da estatal Petrobras. Foto: Nelson Jr./SCO/STF Postado por Toinho de Passira Como todas as tribos, a dos advogados tem seus próprios rituais. Na despedida do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, a irmandade dos criminalistas – os mais renomados do Brasil – foi disciplinada nos protocolos. Um atrás do outro, os advogados circulavam ao redor do caixão do grande mestre, o “God”, como muitos a ele se referiam, e saíam para fumar na área externa da Assembleia Legislativa de São Paulo. No mundo da advocacia criminal, fumar é quase um pré-requisito. A complexidade dos casos talvez explique a tão transparente ansiedade que carregam. Marlboro (o vermelho) é a marca favorita. Vez ou outra surgia um Dunhill, um Camel. Márcio Thomaz Bastos havia abandonado o vício havia mais de três décadas. Nunca teve recaídas, segundo seu séquito. Já havia extraído metade de um dos pulmões, e o susto o transformara num homem obcecado pela saúde. O clube em que praticava esporte abre as portas às 6h, e às 5h55 ele já estava a postos para iniciar seus exercícios. À carne vermelha, preferia peixe. Com 79 anos, era um exemplo de obstinação. Sua última causa foi a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, que investiga uma intrincada rede de lavagem e desvio de dinheiro público da estatal Petrobras. Dada a magnitude das cifras envolvidas e a capilaridade do esquema, talvez seja o maior escândalo de corrupção de que o país já tomou conhecimento, envolvendo grandes empreiteiras e políticos de diferentes legendas e matizes. As primeiras ações da PF tornaram-se conhecidas em março, e agora a operação está na chamada “sétima fase”. Diretores e presidentes de construtoras gigantes estão presos. Além de prestar consultoria para duas empreiteiras, a Odebrecht e a Camargo Corrêa, o papa dos criminalistas articulava a distribuição da defesa entre vários escritórios de advocacia criminal do país. Todos da irmandade ficaram órfãos com a partida de Thomaz Bastos, embora o grande pai sempre tenha estimulado a autonomia de suas crias, permitindo voos solos e ascensões profissionais meteóricas. Era generoso. Foto: Michel Filho / Agência O Globo
Thomaz Bastos foi internado na quinta-feira, 13 de novembro, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. No dia seguinte, executivos das empreiteiras, seus clientes, seriam detidos. O grande articulador agitou-se e trocou torpedos com os membros da irmandade. O parceiro e advogado Celso Vilardi (Vilardi Advogados) recebeu um telefonema do amigo pedindo que fosse rapidamente visitá-lo. “Ele coordenava tudo. Estava aflito, ansioso. Fui ao hospital na sexta-feira, mas fui logo lhe dizendo que não falaria sobre a Lava Jato porque ele precisava descansar.” No sábado, a filha Marcela confiscou-lhe o celular. Foto: Foto: Michel Filho / Agência O Globo Em meio às lembranças de momentos memoráveis e defesas históricas do criminalista, os colegas davam por certa a nulidade das investigações da Lava Jato, evocando erros processuais e a quebra de regras básicas do direito penal. Eles veem algumas similitudes com a Operação Mãos Limpas, que nos anos 90 atingiu partidos tradicionais italianos, mas poucas. Na Itália, me disse Grossi, há uma situação jurídica peculiar, em que o procurador é também juiz, desfrutando de uma espécie de “dupla função” quando na fase de investigação. “Na nossa organização judiciária temos três entes com separação inteligente: a Polícia Federal, o Ministério Público e o juiz.” Perguntei-lhe se havia, em sua afirmação, uma crítica ao comportamento da PF na Lava Jato. “Procurador, delegado de polícia, o Sergio Moro” – o juiz responsável pelos processos da operação –,“só falta sentar um no colo do outro.” Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Thomaz Bastos foi um homem poderoso. Não por acaso a presidente Dilma cancelou sua agenda e passou uma hora no velório, consolando a viúva Nô e a filha Marcela. Dilma saiu pouco antes de Lula chegar. Emocionado, o ex-presidente, que adiou uma viagem ao Uruguai, abraçou a viúva. Fez um pequeno discurso, quase inaudível aos circunstantes, interrompendo a missa de corpo presente. “A gente ficou companheiro”, foi possível compreender, quase por leitura labial. O petista disse que Thomaz Bastos era amigo, era um irmão. “O advogado dos advogados.” Lembrou ainda que o desaconselhou a se filiar ao PT, havia causas maiores a defender em nome do país. Depois da homenagem, Lula permaneceu no salão, conversando baixinho com o ex-diretor-geral da PF Paulo Lacerda. Quando começou a murmurar algo sobre a Polícia Federal, um assessor o aconselhou a cuidar das palavras, pois havia jornalistas no local. Márcio Thomaz Bastos será sempre lembrado como o ministro que promoveu o fortalecimento e a independência da PF. Foto: Michel Filho / Agência O Globo
*Acrescentamos subtítulo, fotos e legendas à publicação original |
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